Em 31 de janeiro deste ano, a brasileira Gupy foi promovida ao alto escalão das startups de recursos humanos ao passar pelo crivo do Softbank e da Riverwood, e captar R$ 500 milhões. A rodada, que teve ainda a participação da Endeavor Catalyst, foi a maior de uma HR Tech na América Latina.

Agora, passados apenas dez dias do anúncio, o cheque de meio bilhão encontra o seu primeiro destino. Em informação antecipada ao NeoFeed, a Gupy anuncia nesta quinta-feira, 10 de fevereiro, a aquisição da paulistana Kenoby, que também atua no segmento de recrutamento e seleção.

“Nós começamos praticamente na mesma época, com objetivos similares. A Kenoby sempre foi o nosso principal concorrente e nos deu muito trabalho”, diz Mariana Dias, cofundadora e CEO da Gupy, ao NeoFeed. “Isso criou um respeito e admiração mútuos, que favoreceu esse acordo.”

Os fundadores das duas startups já trocavam figurinhas desde 2015, quando ambas foram criadas. As conversas ganharam ares de negociação apenas no segundo semestre de 2021, quando a Gupy tomou conhecimento que Marcel Lotufo, fundador e CEO da Kenoby, estava disposto a vender a operação.

Desde a sua chegada ao mercado, a Kenoby já tinha atraído mais de R$ 23 milhões em recursos, por meio de aportes das gestoras Astella Investimentos e Duxx Investimentos, e de uma operação de venture debt com a Brasil Venture Debt.

O martelo com a Gupy foi batido por um valor não revelado e envolveu ainda troca de ações. A partir da transação, Lotufo passa a ser sócio da startup, que irá ampliar seu time de cerca de 500 funcionários com os mais de 100 profissionais que compõem a equipe da ex-rival.

Com praticamente nenhuma sobreposição de clientes, a aquisição também vai reforçar a carteira da Gupy, que hoje atende mais de 1,5 mil empresas, com mais de 800 novos CNPJs. Entre eles, nomes como Leroy Merlin, Centauro, OLX e Hering.

Outros números justificam o “casamento”. A Kenoby já gerou cerca de 500 mil contratações desde a sua fundação, contra 700 mill da Gupy. Juntas, elas passam a ter mais de 36 milhões de usuários e candidatos cadastrados, além de superarem a média de 80 mil vagas publicadas mensalmente.

Mariana faz questão de frisar que o acordo vai muito além da compra de participação de mercado. “Estamos comprando market share, clientes e também o time fantástico e os produtos que eles têm”, diz. “Não vamos simplesmente plugá-los e desligar a operação. Temos muito a fazer a quatro mãos.”

Uma das ofertas na prateleira da Kenoby que fizeram brilhar os olhos de Mariana e de seus sócios, e que já está na esteira para ser incorporada e evoluída dentro da plataforma da Gupy, envolve uma série de testes para candidatos que ajuda as empresas a ampliarem a assertividade em suas contratações.

Essas e outras ferramentas vão dar sequência à estratégia da Gupy de cobrir e atender diversas dores da da cadeia de recursos humanos. Essa ambição começou a ser perseguida quando Mariana decidiu deixar a Ambev, empresa na qual ingressou como trainee e construiu toda a sua carreira na área de RH.

Com um quarteto de fundadores formado ainda por Bruna Guimarães, Guilherme Dias e Robson Ventura, a Gupy começou apostando no uso de inteligência artificial para analisar as características das empresas, vagas e candidatos. E, a partir desse modelo, encontrar o match ideal nas contratações.

Ao automatizar rotinas que antes eram manuais, a plataforma da empresa acelera, em média, 60% do prazo para o preenchimento das vagas. O passo seguinte veio em 2020, em meio à pandemia, com a extensão da plataforma à digitalização dos processos de admissão dos candidatos.

De olho no crescimento da demanda por requalificação e atualização constante dos profissionais, A HR Tech ampliou novamente seu mercado endereçável em outubro de 2021, com a compra da Niduu, startup maranhense de treinamentos e educação corporativa, que usa conceitos como gamificação.

Todo o portfólio da Gupy é ofertado em um modelo de software como serviço, com planos mensais a partir de R$ 1 mil e que atendem a todos os portes de empresas. Isso inclui nomes como Santander, Ambev, GPA, Vivo e Renner. E clientes distribuídos em dez países da América Latina.

Em linha com o plano de ampliar seu ecossistema voltado ao RH e turbinar esses números, a estratégia da startup não se esgota com o pacote de duas aquisições. Com o caixa cheio, além do desenvolvimento interno, a empresa seguirá com um olhar ativo para selecionar novas candidatas a serem compradas.

“Temos conversas em curso e estamos com bastante apetite”, ressalta Mariana. Ela diz que o olhar da startup se estende a possíveis alvos na América Latina. “Esse ecossistema de HR Techs cresceu muito desde 2017 e há muitas soluções pequenas, mas com produtos muito bons e times fortes no mercado.”

Fruto de uma tendência mais recente, as startups de recursos humanos ainda estão longe de alcançar o volume de segmentos como as fintechs e healthechs. Mas, pouco a pouco, esse universo começa a ganhar massa crítica.

Dados de um levantamento de 2020 do hub de inovação Distrito mostram que o País já conta com 373 startups voltadas às demandas de RH, com diferentes modelos, focos e abordagens. Dessas, 85,2% chegaram ao mercado a partir de 2010.

Esse cenário começa a se refletir em aportes mais graúdos. Fundada em 2015, a Revelo, por exemplo, já captou mais de R$ 100 milhões junto a fundos como o IFC, o braço de investimentos do Banco Mundial, além de Valor Capital e FJ Labs. E está usando esse montante para ir além do mercado brasileiro.

Na contramão desse roteiro da Revelo, também há espaços para startups como a americana Deel, que alcançou o estágio de unicórnio em 2021 e elegeu o Brasil como um de seus destinos. A empresa já levantou US$ 629 milhões com investidores do calibre da Coatue Management e Andreessen Horowitz.

Em outro exemplo recente que ilustra o interesse de investidores de peso no segmento, a brasileira Worc atraiu um cheque de R$ 20 milhões, em rodada também liderada pelo Softbank e concluída em dezembro do ano passado.