Virou rotina nas eleições presidenciais americanas tentar achar um vilão para justificar a derrota. Se nessa última disputa o republicano Donald Trump culpa a votação por correio e alega fraude para não admitir que perdeu para o democrata Joe Biden, nas eleições de 2016, na qual Trump derrotou Hillary Clinton, os democratas botaram a culpa em outro vilão: James Comey.

O então chefe do FBI teria prejudicado a campanha de Hillary, ao anunciar a reabertura da investigação sobre os e-mails da candidata democrata faltando apenas 11 dias para o pleito. Dois dias antes das eleições, Hillary acabou inocentada por ter usado seu email particular enquanto ocupava o posto de secretária de Estado, de 2009 a 2013.

O estrago em sua imagem, entretanto, já tinha sido feito, o que teria favorecido a eleição de Donald Trump, na opinião dos analistas políticos. Mas, se Comey tinha sido um aliado do republicano no pleito, por que ele acabou demitido pelo próprio Trump? Cinco meses depois de o presidente eleito ter assumido a Casa Branca, ele mandou Comey embora, tirando-o do cargo que exercia desde 2013.

Nos bastidores, o motivo apontado seria uma tentativa de Trump de frear as investigações que Comey conduzia sobre a influência russa na eleição do republicano. A ideia de uma associação do comitê de campanha de Trump com Moscou certamente comprometia o início de sua gestão como presidente.

Comey deu, pela primeira vez, a sua versão dos fatos no livro publicado em 2018, nos EUA, “A Higher Loyalty: Truth, Lies, and Leadership”. Na obra, “Uma Lealdade Superior: Verdade, Mentiras e Liderança”, na tradução literal, o ex-chefe garantiu que só queria cumprir a lei e manter a independência do FBI.

Lançado pela Macmillan Publishers, o livro vendeu cerca de um milhão de cópias e ganhou uma adaptação para TV. “The Comey Rule” (“A Regra de Comey”), minissérie de mais de três horas de duração, dividida em dois episódios, foi ao ar recentemente nos EUA, no canal Showtime. Ainda não há uma data de exibição definida no Brasil.

“O que aprendi interpretando o personagem foi como James lutou para se manter apolítico, apesar de ter sido arrastado para o debate polarizado entre democratas e republicanos que tomou conta dos EUA”, disse o ator Jeff Daniels, escalado para encabeçar o elenco da minissérie.

“Sem privilegiar a esquerda ou a direita, James tentou tomar as decisões baseado na verdade, na justiça e no estado de direito”, afirmou o ator, na apresentação de “The Comey Rule” durante o Canneseries. A terceira edição do festival internacional de séries de televisão, realizado na Riviera Francesa, teve cobertura online do NeoFeed.

A minissérie resgata a polêmica trajetória de Comey, destacando os momentos mais difíceis que ele enfrentou à frente do FBI. A ação tem início durante as investigações sobre os e-mails de Hillary, em 2015, pelo uso do seu servidor privado infringir as normas – por não ser permitido tratar de assuntos de Estado em e-mails pessoais.

A trama segue até a demissão de Comey, em 2017, supostamente pelo chefe do FBI não ter cedido à pressão de Trump para encerrar a investigação sobre a interferência da Rússia nas eleições de 2016.

O episódio do jantar de Trump com Comey, no qual o presidente teria pedido “lealdade” ao chefe do FBI, é um dos pontos altos da minissérie. Vemos aqui um Trump agindo como um “chefe da máfia”, palavras que Comey usou no livro para descrevê-lo durante o encontro.

Trump, que negou ter feito o pedido de lealdade, acusando Comey de “covardia”, por revelar uma conversa particular, é vivido aqui por Brendan Gleeson. O ator faz uma ótima interpretação de Trump. Ele não só conseguiu lembrar o presidente fisicamente, como reproduziu os seus maneirismos na medida certa.

“Não precisei pedir que Jeff ou Brendan atuassem mais ou menos na pele de seus personagens. A ideia nunca foi fazer um jogo teatral exagerado”, contou Billy Ray, criador da minissérie. “Estabelecemos uma energia real no set”, completou ele, lembrando que Comey presenciou a gravação da cena do jantar no estúdio.

O foco da produção cai sempre nas escolhas de Comey. Antes de mais nada, ele é retratado aqui como um funcionário público que tenta proteger a integridade da instituição onde trabalha. O público acompanha de perto os seus dilemas, como na hora de anunciar publicamente a reabertura das investigações sobre Hillary, sabendo que a medida poderia impactar o resultado da eleição. Comey preferiu fazê-lo, considerando que a omissão da informação seria o mesmo que enganar o povo americano.

Também são abordadas as dúvidas de Comey quanto a Trump. E principalmente quanto ao melhor modo de lidar com o presidente, cada vez mais irritado com o chefe do FBI por não fazer o que o governante queria, conforme mostra a produção. Comey sabia que, ao enfrentá-lo, acabaria perdendo o emprego.

“Antes de pesquisar a vida de James, ao receber o convite de Billy para interpretá-lo, eu mesmo me perguntava: O que será que passa pela cabeça desse cara?”, contou Daniels. Por muitos possivelmente terem se perguntado o mesmo, “The Comey Rule” busca esclarecer, mostrando as razões por trás das ações mais controversas de Comey.

O que se vê na minissérie é que, por mais que o chefe do FBI tentasse ser imparcial, ele sabia que suas atitudes teriam impacto do ponto de vista político e que o resultado, fosse ele qual fosse, seria cobrado dele. “Ao ver a minissérie, o espectador entenderá o que James enfrentou no FBI. Você pode não concordar com ele, mas vai entender com o que ele se debatia, o que ele pensava e por que ele fez tudo o que fez”, disse o ator.

“Não queremos que você passe a gostar de Comey. Mas pelo menos esperamos que você se coloque no lugar dele. Considerando os fatos, as circunstâncias, os problemas e as pressões, o que acha que teria feito?”, perguntou o criador da série, ao final da apresentação.

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