Ao longo da semana passada, circulou no mercado de vinho um comunicado da Grand Cru, maior distribuidora de vinhos do Brasil, informando que, dada a atual pandemia, a importadora estava suspendendo temporariamente pagamentos e solicitando que faturas e boletos não fossem mais emitidos.

Divulgado em português, inglês e espanhol, a mensagem acendeu o sinal de alerta sobre a saúde financeira da importadora e causou temor no setor de um calote. Com 78 pontos de venda entre próprios e franquias, mais de 80% deles em shopping centers, a Grand Cru pertence ao fundo de private equity Aqua Capital desde 2015.

“A carta surpreendeu. Produtores da Europa e da Argentina, que são meus clientes, me ligaram, querendo informações”, conta um importante consultor deste mercado, que pede anonimato.

Outros produtores estranharam a mensagem de seu importador no Brasil. “Recebemos a carta, mas eles estão em dia com os pagamentos. Não têm dívidas com a gente”, diz o argentino José Alberto Zuccardi, da vinícola que leva o sobrenome da família, em Mendoza.

Zuccardi conta que, desde que a crise com o Codiv-19 se agravou, empresas de diferentes países que compram seus vinhos – atualmente, a vinícola exporta para 50 países – entraram em contato pedindo novos prazos de pagamentos. “Estamos negociando caso a caso. É um momento muito difícil para todos.”

Para a NeoFeed, Agustín Blanco, CEO da Grand Cru, respondeu por e-mail que a carta se tratava de um documento interno que, sem nenhuma autorização prévia, vazou para a imprensa.

“Trata-se de uma comunicação relacionada com as incertezas da cadeia de pagamentos no Brasil, criada pela crise mundial, muito mais do que o tamanho de uma dívida que a companhia possa ter”, disse Blanco.

O fato é que a carta não foi a melhor maneira para negociar prazos e adiamentos de cobranças. Outro consultor deste mercado conta que um cliente da França lhe ligou para perguntar da saúde financeira da Grand Cru.

“Quando há um pico cambial, é normal negociarmos com nossos exportadores, mas uma carta, ainda mais em português, assustou. Para quem a Grand Cru quer falar?”, pergunta um bem-informado dono de uma importadora brasileira.

Blanco reafirmou a saúde financeira da companhia que faturou, segundo estimativas do mercado, entre R$ 300 milhões e R$ 330 milhões no ano passado, e tem 80 produtores no seu portfólio.

Muitos são nomes fortes no mundo do vinho, como a Errazuriz e a Leyda, no Chile; Viña Cobbos e Zorzal, na Argentina; e Allegrini, na Itália, entre outros.

“A Grand Cru está sólida econômica e financeiramente. A companhia está tomando as medidas mais prudentes e equilibradas face ao enorme desafio que enfrentamos mundialmente”, disse Blanco.

 “A Grand Cru está sólida econômica e financeiramente", disse Agustín Blanco, CEO da Grand Cru

Ao ler o comunicado da Grand Cru, alguns concorrentes logo associaram a situação à crise da Expand. Na primeira década dos anos 2000, a importadora de Otávio Piva de Albuquerque parou pagar os vinhos que importava e acabou perdendo seus melhores produtores e reduzindo drasticamente o seu tamanho.

Mas as situações são diferentes, já que grande parte dos problemas da Expand estava nas questões tributárias e no pagamento de impostos. “Era uma situação completamente diferente”, afirma Zuccardi. O argentino, que sofreu na pele com a crise da Expand, se diz agora seguro com a Grand Cru.

A maneira apressada da Grand Cru de comunicar seus fornecedores parece indicar uma necessidade de segurar pagamentos. A análise do setor é que a importadora vinha de um período de grandes investimentos, com a abertura de novas lojas e com a recompra de franquias, o que reduziu a sua rentabilidade em 2019.

Os primeiros meses de 2020, que deveriam começar a recompor este lucro, veio com péssimas notícias. Primeiro, a alta da cotação da moeda americana, que impacta fortemente este mercado. Segundo, a pandemia, que levou o fechamento das lojas. Para piorar, o maior investimento da Grand Cru foi exatamente nesses pontos de venda.

“É um modelo muito bem feito, azeitado, mas que não previa esta quarentena”, conta um ex-funcionário da importadora, com acesso a seus números.

O caminho neste momento de crise, não apenas da Grand Cru, é a venda online. Segundo estimativas do mercado, o comércio eletrônico representa entre 3% a 5% do faturamento do setor. É muito pouco para bancar uma estrutura de lojas fechadas em alguns dos melhores shopping brasileiros.

O CEO da Grand Cru discorda desta análise. “A abertura de lojas só mostra o potencial que o mercado brasileiro tem para com o setor de vinhos. Continuamos apostando que o mercado de vinhos seguirá em crescimento a longo prazo. Acreditamos inclusive que a política de expansão da Grand Cru fará que tenhamos uma retomada ainda mais rápida quando a pandemia passar”, afirma Blanco.

O grande número de pontos de venda pelo Brasil é visto como um dos diferenciais da Grand Cru. Dois anos atrás, a Península Participações, gestora de investimentos do empresário Abilio Diniz, que tem uma participação no e-commerce Wine.com, chegou a estudar a compra da Grand Cru.

A negociação não prosperou. As lojas eram o ativo que mais interessava à Wine.com, que vem investindo em ter lojas próprias.

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