Entre 2012 e 2013, a notícia de que uma gigante da indústria brasileira estava prestes a abrir capital movimentou o mercado. Era a Votorantim Cimentos, tradicional empresa da família Ermírio de Moraes, a joia da coroa da holding Votorantim, que se preparava para listar suas ações na bolsa.

Mas vieram as manifestações que sacudiram o País, o ambiente macroeconômico começou a indicar que não seria favorável, e a companhia acabou retirando o registro de IPO, levando outras empresas a seguirem seu exemplo.

Sete anos depois da tentativa frustrada, a Votorantim Cimentos continua avaliando a abertura de capital e o seu comandante, o CEO global Marcelo Castelli, está trabalhando para preparar a companhia para isso.

“Estamos deixando a empresa pronta para um IPO. Mas não agora. Na visão do grupo, tem que ser num momento de criação de valor e tem que ter um propósito de negócio”, diz Castelli em entrevista ao NeoFeed.

Várias possibilidades estão na mesa. “Estamos discutindo se abriríamos o capital nos EUA ou no Brasil. Ou se abre da operação brasileira aqui e da franquia americana nos EUA”, afirma. Qualquer que seja a decisão, a abertura de capital dessa gigante da indústria movimentaria bilhões de reais.

De acordo com dados de 2018, o mais recente disponível, a Votorantim Cimentos é a sexta maior produtora de cimentos do mundo, com uma produção 31,1 milhões de toneladas e capacidade de produção de 53,4 milhões de toneladas de cimento.

A companhia, dona de uma receita líquida de R$ 12,6 bilhões, ainda conta com 264 unidades industriais, tem 11,9 mil funcionários e opera no Brasil, na Argentina, no Uruguai, Bolívia, Canadá, Estados Unidos, Espanha, Luxemburgo, Turquia, Marrocos e Tunísia.

A preparação da Votorantim Cimentos para uma possível abertura de capital passa por um plano que tem sido desenhado por Castelli para dar sustentação a outros negócios que vão além do cimento e para dar foco na sustentabilidade. “Estamos buscando adjacências ao redor do cimento”, diz Castelli.

Novas frentes

Uma das unidades de negócio que tem sido analisada com minúcia é a agrícola. A Votorantim Cimentos já atua no segmento com as marcas Calcário Itaú e Cal Fértil, que respondem por cerca de 10% dos R$ 6,6 bilhões faturados pela empresa no País. São marcas que vendem calcário agrícola, para corrigir a acidez e fertilizar o solo.

“Avançamos muito nesse setor. Esse negócio cresce a taxas de agronegócio, 20% ao ano. É a unidade com o maior potencial de crescimento. Tem tudo para alavancar e ganhar representatividade” diz Castelli. E isso já está acontecendo.

Dos principais negócios da empresa, o cimento, que continua sendo o core, vem em primeiro lugar, seguido de argamassa e, em terceiro lugar, o agrícola, que ultrapassou recentemente as vendas de areia e de brita. Devido a essa representatividade, a Votorantim Cimentos tem preparado um amplo estudo de branding que pode redefinir a sua atuação no setor agrícola.

R$ 400 milhões serão investidos nos próximos três anos na Verdera

A ideia é fazer a unidade ganhar mais corpo como aconteceu com a área de coprocessamento de resíduos. No ano passado, essa unidade foi unificada sob a marca Verdera. Trata-se de um negócio crucial para a companhia na ambiciosa meta de neutralizar o CO2 emitido na sua operação.

Castelli, inclusive, afirma que R$ 400 milhões serão investidos nos próximos três anos na Verdera. A sustentabilidade se tornou uma obsessão para a companhia. Primeiro porque isso é uma preocupação da sociedade como um todo. Segundo porque, obviamente, grandes players do mercado financeiro passaram a analisar esse aspecto antes de decidir alocar recursos.

Desde 2012, Larry Fink, o CEO global da gestora BlackRock, com US$ 7 trilhões sob administração, vem alertando executivos para a sustentabilidade. “Os investidores no mundo inteiro estão atrás da sustentabilidade. As metas de ESG (Environmental, Social and Governance) estão cada vez mais presentes”, diz Castelli. E complementa. “O recado é: ‘se você não estava ligado nisso, fique senão vai desaparecer rapidamente’.”

Do total de emissões de carbono da Votorantim Cimentos, dois terços passam pelo processo da operação e um terço pelo combustível usado na fabricação do cimento. É aí que entra a Verdera, usando resíduos como cavaco de madeira, caroço de açaí, serragem, papel, pneus usados, entre outros materiais como combustíveis para aquecer seus fornos. “Isso já representa 35% do nosso combustível”, afirma Castelli.

“Os investidores no mundo inteiro estão atrás da sustentabilidade. O recado é: ‘se você não estava ligado nisso, fique senão vai desaparecer rapidamente’”, diz Castelli

“A Verdera se tornou um produto de solução ambiental para o mercado”, diz Castelli. Muitas indústrias, que precisam se livrar de resíduos, acabam procurando a companhia. Para se ter uma ideia do que isso representa, em 2018, 854 mil toneladas de pneus e resíduos foram parar as unidades de coprocessamento da empresa. Isso significou 521 mil toneladas de CO2 que foram neutralizadas.

Crise no setor

O avanço em outros negócios acelerou bastante depois da recente crise pela qual o setor de cimentos passou, talvez a maior da história no País. Entre os anos 1960 e 1970, no auge do Milagre Econômico, a indústria de cimentos cresceu de uma capacidade de 9 milhões de toneladas para 27 milhões de toneladas.

Outro período como esse seria visto apenas nos anos 2000, quando passou de 35 milhões de toneladas, em 2004, para 71 milhões de toneladas em 2014. A capacidade de produção também saltou, saindo de 60 milhões de toneladas para 90 milhões de toneladas nesse período.

A crise econômica que abateu o Brasil, entretanto, fez a indústria desabar. Entre 2015 e 2018, a queda foi de 27% chegando a 52,9 milhões de toneladas produzidas. Com um agravante: a capacidade de produção havia subido para 100 milhões de toneladas.

“O setor ficou com 47% de capacidade ociosa”, diz Paulo Camillo Penna, presidente do Sindicato Nacional da Indústria do Cimento (SNIC) e da Associação Brasileira de Cimento Portland (ABCP). Com a Votorantim Cimentos não foi diferente e ela teve de se adequar ao novo cenário.

O setor de cimentos no Brasil está com 47% de sua capacidade de produção ociosa

A empresa deixou de operar no Chile, no Peru, na China e na Índia, vendeu uma operação na Flórida, nos Estados Unidos, fechou fábricas no Brasil, entre elas as de Ribeirão Grande e Cubatão, ambas em São Paulo. Dos 15,2 mil funcionários que existiam em 2014, sobraram menos de 12 mil. O ajuste foi necessário para manter as contas equilibradas.

Em 2015, a dívida da empresa representava 4,5 vezes a geração de caixa medida pelo Ebitda. Em 2016, passou para 4,97 e em 2017 alcançou 5,12 vezes. No ano de 2018, com os ajustes feitos, reduziu para 3,6 vezes. Em janeiro de 2019, a holding também aportou R$ 2 bilhões na empresa para pagar dívidas, o que reduziu ainda mais a alavancagem. No terceiro trimestre de 2019, o dado mais recente disponível, ela estava em 3,2 vezes.

Agora o setor no Brasil começa a dar sinais de retomada. Em 2019, cresceu 3,5% e, em 2020, a expectativa é crescer mais 3,6%. “Há uma mudança de humor, mas não é para entusiasmo”, diz Penna. A expectativa é a de que a indústria deverá crescer puxada pelo retorno dos investimentos em infraestrutura devido a leilões e concessões que serão encabeçadas pelo governo federal. “A demanda deve aumentar em 15% no setor de infraestrutura”, afirma Penna.

Castelli concorda com essa análise. “No segundo semestre de 2020 e em todo o ano de 2021 as concessões vão movimentar o mercado”, diz ele. “Muito dinheiro vai entrar no País. O Brasil está melhorando e vai destravar a economia. Chegamos tão no fim do poço que temos tudo para sair melhor disso.”

“Chegamos tão no fim do poço que temos tudo para sair melhor disso”, diz Castelli sobre a economia brasileira

A Votorantim Cimentos está capitalizada para essa nova fase. Recentemente aprovou investimentos de R$ 2 bilhões para a modernização de suas operações. Parte desse dinheiro veio da venda da Fibria, empresa de celulose que tinha a holding Votorantim como uma das principais investidoras, para a Suzano.

Castelli, aliás, era presidente da Fibria e completa um ano à frente da Votorantim Cimentos, em fevereiro, depois de substituir Walter Dissinger. Nesse período, teve de aprender a lidar com um setor totalmente diferente. Celulose é um negócio B2B e cimento é B2C. “É varejo, economia na veia”, diz Castelli.

No Brasil, por exemplo, as vendas da Votorantim Cimentos são divididas da seguinte forma: 70% cimento ensacado e o restante entre indústria/concreto, infraestrutura e mercado imobiliário. “São 147 mil lojas de construção. É varejo na veia. Temos um cadastro de 56 mil lojas e clientes ativos na faixa dos 30 mil”, diz Castelli.

Justamente por isso a Votorantim Cimentos tem feito um trabalho de se aproximar cada vez mais dos varejistas e criou até um programa de fidelidade batizado de Juntos Somos Mais.

Outro trabalho de aproximação tem sido feito com as construtechs por meio da plataforma de Open Innovation VC Connect. “A perda na cadeia de construção civil é de 30% dos materiais”, diz Castelli. “Queremos criar sistemas mais produtivos, mitigar perdas.”

Equação internacional

O trabalho de mitigar perdas e reduzir riscos também é um desafio na parte financeira da companhia. Atualmente, aproximadamente 50% do faturamento da Votorantim Cimentos vem do Brasil, outros 35% da operação na América do Norte e o restante dos outros países.

Castelli diz que pretende avançar em aquisições e fusões, sobretudo, na América do Norte. “Estamos atentos a oportunidades de compra. Não só na área de cimentos, mas também com argamassa e adjacências.”

A ideia é balancear o portfólio da companhia e se proteger de riscos e volatilidade nos vários mercados em que atua. Ou seja, vale ter uma boa parte de seus resultados atrelados a moedas fortes como dólar e euro para evitar que a empresa sofra com crises em países com maior volatilidade. “É difícil chegar num arranjo desse e estamos estudando isso”, diz Castelli.

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