Apartamentos mobiliados, para curtas temporadas, no conceito de moradia sob demanda. Foi com essa pegada que, em 2019, Alexandre Lafer Frankel criou a Housi, que apostava na locação e na gestão de imóveis da Vitacon, sua empresa-mãe, e de investidores que adquiriam unidades da incorporadora.

Nos primeiros meses da operação, o empresário cansou de ouvir que a luta à frente do spin-off da Vitacon era ingrata. O motivo? Seria difícil desbravar o modelo em um setor dominado por grupos tradicionais e que assistia ao avanço de proptechs cada vez mais capitalizadas. Algumas, recém-alçadas ao status de unicórnio.

Entretanto, três anos depois, a Housi não só desmentiu essas previsões pouco otimistas como alcançou, nesse curto intervalo, algo incomum mesmo para os nomes estabelecidos do mercado imobiliário: escala nacional.

Da presença em São Paulo e no Rio de Janeiro, pouco antes da chegada da pandemia, a startup evoluiu para um portfólio superior a 60 mil apartamentos, em mais de 120 cidades. E já tem planos para ganhar ainda mais terreno, inclusive, fora do País.

“Estamos crescendo 350% ao ano e a projeção é superar R$ 100 milhões de faturamento em 2022”, diz Frankel, ao NeoFeed. “Temos um VGV (Valor Geral de Vendas) próximo de R$ 20 bilhões. Estamos falando de 4 a 5 vezes mais do que o volume de lançamentos da maior incorporadora do Brasil.”

Para chegar a esse patamar em tão pouco tempo, sem ter nenhum terreno ou tijolo, a Housi ampliou seu leque com incorporadoras regionais, boa parte delas, de pequeno e médio porte. Hoje, mais de 200 parceiros estão plugados na plataforma, que também começou a incluir quartos de hotéis e pousadas.

Em paralelo a esses empreendimentos que passaram a incorporar a assinatura da Housi em suas bandeiras, a companhia criou um braço para comercializar esses ativos dos parceiros com investidores em todo o País.

O movimento mais recente, porém, e aquele no qual a startup está concentrando seus esforços, atende pelo nome de AppSpace. Trata-se de um aplicativo que reúne empresas especializadas, com produtos e serviços ligados à moradia, e que passam a “equipar” os empreendimentos da rede da Housi.

Em poucos meses, a empresa já atraiu cerca de 50 parceiros. A relação passa por nomes como Localiza, com um serviço de carro por assinatura; Unilever, com a Omo Lavanderia; Magazine Luiza, com o aluguel de eletrodomésticos; e BikeGo, de bicicletas compartilhadas.

A partir de um modelo de receita compartilhada, as parcerias trazem um pacote aos empreendimentos, com ofertas como compartilhamento de carros elétricos; seguros; serviços de saúde, de limpeza e para pets; centros de fitness; e mini-mercados.

“O AppSpace é o nosso Windows”, explica Frankel. “A gente entende que, assim como qualquer hardware, um prédio precisa de um sistema operacional. E nossa visão é ser o sistema operacional que digitaliza o hardware real estate e conecta os empreendimentos.”

O Housi Bela Cintra, um dos empreendimentos da base da startup

Uma das parcerias que acabaram de sair no forno foi firmada com a Samsung, para a instalação de hubs de equipamentos de tecnologia, começando com dispositivos para gamers. Um outro contrato, em vias de ser assinado, envolve uma grande montadora e a oferta de carros compartilhados.

“Estamos embarcando opções de energia sustentável, de carros elétricos, de mobilidade, de bem-estar”, observa Frankel. “Quando plugamos essas soluções, estamos transformando automaticamente aquele prédio, muitas vezes de uma pequena incorporadora, em um empreendimento ESG.”

Esse modelo também começa a atrair o interesse de construtoras e incorporadoras de maior porte. Recentemente, empresas listadas, como Tenda e Moura Dubeux, passaram a adotar o “Windows” da Housi, que vem mantendo uma série de conversas com outros grandes grupos do setor.

“Esse modelo é o espírito puro de plataforma e permite uma infinidade de aplicativos e ofertas”, diz Alberto Ajzental, coordenador do curso de desenvolvimento de negócios imobiliários da FGV. “E traz algo que, em geral, os prédios não têm: inteligência.”

A partir desse conceito, a Housi tem a meta ambiciosa de crescer três vezes sua base de unidades no segundo semestre. Uma das prioridades é fortalecer a presença no Norte do País, a única região que ainda destoa no “mapa de calor” da empresa.

Em breve, esse mapa também irá ganhar novas fronteiras. Em parceria com incorporadoras locais com negócios no exterior – cujos nomes não foram revelados – a companhia prepara sua bagagem para embarcar o AppSpace em empreendimentos fora do Brasil.

Portugal será, provavelmente, o primeiro destino internacional, ainda em 2022, com uma base de três empreendimentos. Em 2023, as próximas escalas devem incluir a América Latina, em países como Colômbia, Chile e México. Ainda existem conversas iniciais envolvendo o mercado americano.

“Na prática, esse processo é quase orgânico e software driven. É só uma questão de adaptar a tecnologia”, observa Frankel. “Mas vamos começar com o pé bem no chão, para entender esses mercados antes de expandir de fato.”

A mesma cautela está sendo adotada para um outro plano no mercado brasileiro. No médio prazo, a Housi quer testar a oferta de produtos e serviços financeiros, com um portfólio que pode integrar, por exemplo, opções de financiamento para incorporadoras e compradores.

“Já temos várias conversas nessa direção, mas não queremos fazer 300 coisas ao mesmo tempo”, afirma o empresário. “É uma vertente a ser explorada em um futuro próximo. Agora, nosso foco é atravessar o deserto.”

Camelo cor de rosa

Em um momento mais árido para as startups, a Housi está em boas condições para atravessar o deserto citado por Frankel. Dona de uma margem bruta superior a 40%, a operação alcançou o break even no fim de 2021 e o efeito de rede do seu modelo é um dos elementos por trás dessa equação.

“Nossa verba de marketing é bem pequena, mas o setor investe, em média, 6% do VGV nessa área”, diz. “Então, com os recursos que as incorporadoras usam para lançar os empreendimentos com a nossa marca, na verdade, o investimento da Housi passa de centenas de milhões de reais.”

Com o foco de “armazenar água” desde o início da empresa, Frankel brinca que a Housi tem sido chamada de “camelo cor de rosa”. O apelido faz referência às startups que priorizam a sustentabilidade das suas operações, em detrimento do crescimento a qualquer custo, e à cor da marca da companhia.

Um mini-mercado, em parceria com a Smart Break, é uma das opções no Housi Bela Cintra, em São Paulo

Entretanto, assim como a viabilidade da Housi foi colocada em dúvida no início da empresa, essa postura e o fato de caminhar com as próprias pernas em boa parte desses três anos – a empresa recebeu um único aporte, de R$ 50 milhões, da Redpoint eventures, já foram bastante questionados.

Em 2020, a empresa chegou a percorrer o trajeto para uma abertura de capital na B3. Mas recuou do plano depois de a oferta não chamar a atenção do mercado, devido aos indicadores ainda modestos. A Housi tinha 11 mil imóveis sob gestão e, um ano antes, havia registrado uma receita de R$ 5 milhões.

“Muitos investidores diziam que estávamos crescendo aquém do que deveríamos porque não queimávamos caixa na aquisição de clientes”, diz. “Ao mesmo tempo, havia empresas que nunca entregaram resultado e valiam cinco vezes uma MRV e uma Cyrela. Houve, nitidamente, um exagero.”

Ele observa que o modelo da Amazon foi seguido por boa parte do mercado. Ou seja, captar recursos escala e crescer agressivamente para, em algum momento, começar a reverter operações deficitárias.

“O fato é que só existe uma Amazon e outras 100 mil que não deram certo”, diz. “E agora você começa a ver essa onda de demissões e a mudança no discurso.”

Embora Frankel não cite nomes, a lista de startups que enfrentam dificuldades nesse cenário e que promoveram demissões inclui unicórnios do setor como o QuintoAndar e a Loft. Isso não significa que a Housi tem um caminho mais fácil para seguir sua expansão.

Com alguns diferenciais em suas propostas, a relação de concorrentes inclui a própria Loft, que atua nesse espaço por meio da Nomah. Outra rival é a mexicana Casai, que chegou ao Brasil em 2021, depois de captar US$ 53 milhões junto a fundos como Andreessen Horowitz.

A competição passa ainda por nomes como a JFL Living, braço de locação da incorporadora JFL, e por empresas como a Tabas e a Yuca, startup de coliving que também vem ampliando seu modelo em direção às parcerias com incorporadoras.