Diga-me o que sentes e te direis o que ouvir. O que pode ser o futuro do streaming, um mercado que abocanha metade dos US$ 19 bilhões movimentados pela indústria fonográfica, foi detalhado na pesquisa "The Right Music at the Right Time: Adaptive Personalized Playlists Based on Sequence Modeling" ("A Música Certa, na Hora Certa: Playlists Adaptadas Personalizadamente Com Base em Modelos de Sequência", em tradução livre), publicada na última edição da revista acadêmica MIS Quarterly.

O projeto, que ficou conhecido como "DJ Personalizado", começou nas mãos do músico e cientista de computadores Elad Liebman, PhD pela Universidade do Texas, em Austin. Com a ajuda de outros pesquisadores e professores, Liebman criou um sistema de análise de retorno: depois de sugerir uma determinada faixa, o usuário avalia a escolha do mecanismo e, com base nessa avaliação, o algoritmo elege a próxima canção. Essa etapa 'ensina' o sistema a navegar nas suas emoções, de acordo com o feedback de cada um, por meio da interpretação de padrões.

Até o momento, os algoritmos dos streamings sugerem faixas individuais, sem pensar na sequência que a coletânea é apresentada. O mecanismo desenvolvido por Liebman e seus pares aplica a inteligência artificial à ordem de reprodução das canções – que é, justamente, o que traz a sensação de termos um "DJ personalizado".

"De forma grosseira, podemos dizer que é storytelling. É como se estivéssemos contando uma história através de músicas", diz Liebman ao NeoFeed. Assim como em um filme, cuja trilha sonora acompanha a narrativa, marcando momentos de suspense ou ação, a codificação da sequência de uma playlist, por exemplo, pode refletir também o que sentimos, nos conduzindo por momentos mais introspectivos ou alegres.

Ainda de acordo com o cientista, como um jogador de xadrez, o mecanismo antecipa sua "jogada" com 10 músicas de antecedência. "Enquanto uma canção está tocando, o computador gera dezenas de milhares de sequências possíveis e prevê qual vai agradar mais ao usuário", afirma Liebman. "Enquanto aquela faixa ainda está sendo reproduzida, o sistema cria e testa novas sequências."

Para "agradar" o algoritmo e emplacar mais faixas nos serviços de streaming, os produtores estão optando por introduções cada vez mais diretas

É justamente essa "inteligência" puramente numérica que tem mudado a forma como produzimos música. Para "agradar" o algoritmo e emplacar mais faixas nos serviços de streaming, os produtores estão optando por introduções cada vez mais diretas.

Em uma reportagem publicada na revista britânica The Economist, o produtor Justin Kalifowitz, da Downtown Music Publishing, revela que os compositores agora "entregam logo o que a música tem de melhor", falando do refrão.

Ao avaliar 303 canções que emplacaram o topo das listas de paradas de sucesso entre 1986 e 2015, Léveillé Gauvin, PhD na Universidade de Ohio, comprovou na prática a teoria. Ele descobriu que a introdução instrumental foi o que mais sofreu para se ajustar aos algoritmos. Em meados dos anos 80, produtores dedicavam de 20 a 25 segundos a essa finalidade. Em 2015, o tempo foi cortado para meros cinco segundos.

Longe do puritanismo artístico, os pesquisadores e produtores entendem que essas mudanças, por mais dolorosas que sejam, são também parte do jogo. Agora, que todo mundo é remunerado com base no sucesso de uma determinada faixa, o importante é fazer com que ela seja ouvida o maior número de vezes possível – e isso significa entender a matemática por trás de um hit.

Equação matemática

Essa tática já foi adotada pelos serviços de streamings que usam algoritmos para entender os gostos dos seus usuários e assim criar playlists personalizadas para que eles não tirem o fone do ouvido.

O Spotify, por exemplo, condensa três mecanismos diferentes: filtro colaborativo, linguagem de processamento natural e modelos de áudio raw.

O primeiro se apoia na playlist de usuários com preferências parecidas para fazer sugestões certeiras. Já o segundo é mais complexo, e pede que o sistema vasculhe a internet procurando artigos, blogs e metadata de músicas para gerar tags particulares. Depois, ele compara as tags das canções e sugere as que têm o maior número de tags em comum.

Por fim, a ferramenta de modelo de áudio raw é a que codifica as faixas levando em consideração padrões técnicos de ritmo, tempo, melodia e afins. É esse último sistema que permite o Spotify sugerir músicas pouco conhecidas.

Não muito diferente, o Deezer mapeia as músicas por seus "moods" – algo como "humor", em tradução literal. Para isso, leva em consideração padrões de letra, intensidade e ritmo. Cada canção também é associada a diferentes tags, e as sugestões do streaming se baseiam nas similaridades delas.

"É como se o algoritmo de cada uma dessas empresas fosse o 'ingrediente secreto' da receita de sucesso", afirma Liebman

Sem reinventar a roda, a Apple também se apoia em funcionalidades semelhantes para garantir que seu serviço de streaming de música apresente aos usuários uma boa seleção. Mas a empresa comandada por Tim Cook entende que a generalização do machine learning pode ser desafiadora, uma vez que os usuários têm sempre uma ou outra particularidade.

Por isso, os computadores da gigante do Vale do Silício também levam em consideração o gosto pessoal, as preferências e o padrão de uso de cada um. Como tem diferentes (e potente) recursos para melhor definir as predileções dos usuários, a Apple usa isso a favor de seu machine learning.

Todas essas inteligências, de alguma maneira, se conversam – embora cada uma tenha sua especialidade ou diferenciação. "É como se o algoritmo de cada uma dessas empresas fosse o 'ingrediente secreto' da receita de sucesso", afirma Liebman. Em comum, elas têm o fato de basearem suas escolhas em análises matemáticas de padrões, já que máquina alguma é capaz de ter uma preferência.

Enquanto brigam por novos modelos de negócios e usuários, os principais serviços de streaming do mercado têm em comum apenas a vontade de aperfeiçoar seus algoritmos para saber o que você quer sem que você clique no “play”.

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