Em janeiro deste ano, a StartSe, empresa de educação voltada para a nova economia, lançou um curso online chamado Fintech Revolution e enxergava nele uma porta de entrada para o mercado internacional. Todo formatado em inglês, com casos de sucesso de startups financeiras no Vale do Silício, ele seria vendido no mundo inteiro.

A expectativa era grande. Mas Pedro Englert, CEO da StartSe, percebeu que o programa não performava como imaginava quando era acessado por estrangeiros. Nada de errado com o conteúdo, o problema era outro. “Notamos que eles se interessavam pelo produto, mas, quando viam que a StartSe era do Brasil, as vendas caíam”, diz o executivo.

Por mais que o conteúdo atendesse o que o público buscava, o preconceito falava mais alto. Uma empresa brasileira querendo ensinar inovação? A dúvida, principalmente para um estrangeiro, era inevitável. Pois há três semanas a StartSe começou a equacionar essa “dor”, como os startupeiros gostam de dizer.

A empresa, que até então ocupava algumas posições em um coworking nos Estados Unidos, inaugurou a StartSe University, em Palo Alto, na Califórnia. Com mais de 300 metros quadrados, o espaço, com capacidade para receber 100 pessoas, fica a poucos quarteirões da universidade de Stanford, ao lado da rua dos principais fundos de venture capital como o Sequoia e bem próximo de onde foi o primeiro escritório do Google.

“O Brasil, no nosso caminho, foi só um acidente. Poderíamos ter nascido em qualquer lugar do mundo”, diz Felipe Lamounier, head da StartSe University. “A StartSe não é uma empresa brasileira, é do Vale do Silício, é global.” No discurso, é claro, cabe tudo. O difícil é fazer com que essa imagem cole. Afinal, mais de 90% das 60 mil pessoas que compram algum tipo de produto da StartSe durante o ano são de nacionalidade brasileira.

Tanto Lamounier e Englert frisam que os professores da StartSe na região são executivos das principais empresas de tecnologia e também das grandes universidades. Englert mostra um dos últimos cursos ministrados por lá, o Learning Experience, para 100 pessoas, e menciona os professores. Há gente como Jon Baer, coautor do livro “Decodificando o Vale do Silício”; Kartik Gada, professor de Stanford; Gary A. Bolles, professor da Singularity, entre outros.

“O Brasil, no nosso caminho, foi só um acidente. Poderíamos ter nascido em qualquer lugar do mundo”, diz Felipe Lamounier, head da StartSe University

“Estamos nos reposicionando e queremos mostrar que a nossa sede agora é no Vale do Silício, no coração da inovação”, diz Englert. A abertura desse espaço próprio não é a única sinalização de que a empresa vai incorporar essa imagem global. Em 2020, o plano é construir um centro próprio na China. “Ainda estamos avaliando se ficará em Pequim ou em Shangai”, diz Englert. Em seguida, deve fazer o seu début em Israel.

Pedro Englert, CEO da StartSe, aposta no reposicionamento da marca

Para isso, está buscando capital no mercado. Os executivos da StartSe estão conversando com alguns fundos e grandes investidores e devem captar cerca de R$ 50 milhões. As negociações estão em estágios avançados, os sócios estão na fase de analisar as propostas e o anúncio deve sair em dois meses.

Curiosamente, por se tratar de uma empresa que respira diariamente o modelo de negócio das startups, acostumadas a crescerem com base em muita injeção de dinheiro, será a primeira vez que a StartSe contará com recurso de um venture capital. “Nunca recebemos investimento. Nosso conceito sempre foi ‘raspa o que tem no caixa e vai’, diz Englert.

“Nunca recebemos investimento. Nosso conceito sempre foi ‘raspa o que tem no caixa e vai’, diz Pedro Englert, CEO da StartSe

Fundada em 2015, no interior de Minas Gerais, por Junior Bornelli e João Evaristo, a StartSe nasceu dando um curso online para empreendedores que buscavam entender esse fenômeno das empresas da nova economia. Chamava-se Startup de A a Z, custava R$ 30 e durava um período de duas horas.

Englert teve o primeiro contato com a empresa quando estava na XP Investimentos e cuidava da operação do Infomoney, um site de notícias vinculado a plataforma de investimentos. Quando deixou a XP, se uniu a Marcelo Maisonnave, cofundador da XP, e a Eduardo Glitz e Maurício Bevenutti, também ex-sócios da plataforma, e compraram uma participação na empresa.

A partir daí, a operação foi se transformando e o negócio foi sendo escalado. A StartSe passou a ter informações de startups em sua base – hoje são 13 mil; a criar missões para o Vale do Silício, para a China e Israel; fazer grandes eventos no Brasil e aumentou a gama de cursos online. “Hoje, somos uma empresa de educação omnichannel”, diz Englert.

Modelo XP

Para ganhar ainda mais tração e alcançar cada vez mais pessoas, a empresa adotou uma estratégia muito parecida com a que a XP Investimentos usou para atrair novos investidores. Se a plataforma de investimentos cresceu com a ajuda dos agentes autônomos de investimentos, a StartSe está fazendo isso com os chamados business partners.

Atualmente, a empresa conta com um pequeno exército de 120 pessoas espalhadas pelo Brasil. São aceleradores e consultores de inovação que têm um ecossistema local ao redor deles nas principais capitais e em cidades do interior do Brasil. “Eles vendem os nossos cursos e eventos e pagamos uma média de 20% de comissão”, diz Englert. Detalhe: isso já representa 15% da receita da empresa.

Neste ano, o faturamento deve alcançar R$ 60 milhões e um dado que chama a atenção de quem analisa os números é a recorrência crescente. Quarenta por cento da receita de 2019 estão vindo de clientes que consumiram produtos da StartSe em 2018. No ano passado, dos R$ 37 milhões faturados, 33% vieram de clientes de 2016 e 2017.

Englert diz que isso tem muito a ver com uma mudança no modelo educacional e no comportamento das pessoas. “Quem fazia três cursos ao longo da vida agora vai fazer 150”. Com o envelhecimento da população, aumento da expectativa de vida e a mudança acelerada causada pelas novas tecnologias, o chamado longlife learning ganhou tração.

Com o envelhecimento da população, aumento da expectativa de vida e a mudança acelerada causada pelas novas tecnologias, o chamado longlife learning ganhou tração

O especialista sobre o assunto e dono da empresa de educação Teya, Conrado Schlochauer, define essa onda da seguinte maneira. “Longlife learning is the new black”, diz ele. Embaixador da Singularity University em São Paulo, ele afirma que, com o envelhecimento populacional, as pessoas estarão aptas a trabalhar por mais tempo e, consequentemente, buscarão aprender constantemente.

Sua análise é baseada no chamado conceito da meia-vida do aprendizado. Hoje, segundo ele, a cada 2,5 anos, 20% do que as pessoas aprenderam já ficou obsoleto. “E aprender está na moda”, diz Schlochauer. “A oferta é muito grande e esses eventos fazem parte da vida das pessoas até como entretenimento. E isso é bom”, afirma.

Felipe Lamounier, head da StartSe University no Vale do Silício

Até por conta desse fenômeno de agilidade e de transformações, os cursos da StartSe são de curta duração. São trilhas com até cinco dias. “Estamos mostrando para as pessoas o que está acontecendo no futuro presente. Trazemos vários exemplos de como os negócios serão impactados, novas ferramentas e modelos de gestão, como o ecossistema se conecta e trazemos exemplos de pessoas que estão fazendo isso acontecer”, diz Lamounier.

Os eventos também ganharam destaque e concentram milhares de pessoas em conferências temáticas. A mais recente, sobre inteligência artificial, da qual o NeoFeed foi mídia partner, reuniu mais de 2 mil pessoas no Expo Center Norte, em São Paulo.

Mais do que lucrar apenas com os cursos e eventos para pessoas físicas, a companhia conseguiu entrar em outros nichos. Recentemente, a StartSe foi contratada pela Gerdau para mapear no Vale do Silício as startups que poderiam impactar o negócio da tradicional siderúrgica. A operadora de telefonia Claro e a fabricante de materiais de construção Tigre fizeram o mesmo.

Evento sobre inteligência artificial, realizado em São Paulo, reuniu duas mil pessoas no fim de outubro

Ao mesmo tempo, as missões para o Vale do Silício, para a China e Israel se tornaram uma grande fonte de receita, mais de 30% do faturamento da empresa. A Startse leva uma média de 600 pessoas a cada trimestre para esses centros de inovação. Empresas como Cosan, Ultra, Banco do Brasil e o grupo Maggi já fizeram esse programa.

“A StartSe começou inspirando as pessoas a olhar para esse novo mundo. Agora, as pessoas entenderam como funciona esse novo mundo e querem saber como se joga esse jogo”, afirma Englert. “Se a Singularity inspira para o futuro, a StartSe capacita o para o dia de hoje.”

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