Boston - Mínima de dois e máxima de três graus. Essa era a previsão para 12 de abril, em Boston. Mas se os termômetros confirmaram as temperaturas baixas no decorrer do sábado de primavera, nos corredores e auditórios do Science Center, em Harvard, um tema se mostrou bastante aquecido na agenda da Brazil Conference 2025.

As tarifas impostas por Donald Trump, presidente do Estados Unidos, e suas possíveis implicações para a economia global, foram um tema recorrente nas discussões do dia. E também ocuparam parte do tempo das falas de dois nomes importantes do mercado financeiro brasileiro no evento.

Perto do fim do dia, quem “encerrou” essa programação foi André Esteves, sócio e chairman do BTG Pactual. Entretanto, antes dele, Armínio Fraga, economista, ex-presidente do Banco Central e sócio-fundador da Gávea Investimentos, foi o responsável por levantar essa bola.

“Os Estados Unidos sempre foram uma espécie de modelo, de estrela-guia, para que o resto do planeta evoluísse bem”, afirmou Fraga, logo no início da sua participação. “Claro, o país tinha o poderio militar, mas tão importante quanto, senão mais, era o soft power. E a perda do soft power representa uma situação perigosa.”

Nesse ponto, ele ressaltou que a manutenção desse papel, até então, desempenhado pelos governos dos Estados Unidos, é a única chance possível de o mundo mostrar a economias como a China que o modelo de crescimento democrático e liberal é o melhor.

“A situação já era dramaticamente mais arriscada antes do que está acontecendo nos EUA. Agora, temos um quadro onde todos os problemas são grandes. Isso é algo novo”, disse, citando questões como a “guerra fria” entre o país e a China, as tensões no Oriente Médio e a invasão da Ucrânia.

“E, nesse quadro, chega o Trump e vê, nas ideias dele, assuntos que estavam resolvidos na virada do século 18 para o 19. Isso não é pouco”, complementou Fraga. “Se pensarmos na ordem global, não sobrou nada. Não existe diálogo onde se possa discutir assuntos civilizadamente e avançar. Isso está fora do cardápio.”

Já Esteves classificou o “menu” trazido por Trump como um “horror econômico, geopolítico e moral”, além de ressaltar a guerra comercial – e sua extensão – como algo imprevisível. E apontou um dos prováveis grandes prejudicados nesse cenário.

“O país A ataca o país B que retalha o país A, mas o grande prejudicado é o país C. E, nessa confusão, o país C é a Europa”, disse Esteves. “Já o Brasil está mais protegido e deve usar sua boa vocação para o multilateralismo. Temos boa relação com Europa, EUA, China e Oriente Médio. E que seja assim.”

Fraga seguiu a mesma linha e fez um alerta. “O Brasil tem que manter certa independência e ser mais cuidadoso em suas posições. Ao longo de vários anos, o País tem mostrado um certo mau gosto em suas relações internacionais, um certo terceiro mundismo e tolerância com ditadores. Grandes e pequenos.”

O piloto da economia brasileira

Nessa “tabelinha” improvisada, quando o cenário brasileiro entrou em pauta, a dupla também se mostrou entrosada ao falar do descompasso entre a política monetária e a política fiscal. Inclusive na escolha por usar metáforas “automobilísticas” para tratar do tema.

“Estamos com uma política monetária muito apertada e o fiscal muito frouxo. É mais ou menos como se você estivesse dirigindo com um pé no acelerador e o outro no freio”, afirmou Esteves. “O juro está excessivo. Estava na hora de a gente apertar um pouco o fiscal e o juro iria cair.”

Já Fraga, quando questionado se o arcabouço fiscal estava funcionando, respondeu que, na prática, era como se alguém estivesse pilotando uma Ferrari, na Memorial Drive, em Boston, a 300 quilômetros por hora. “Vai bater”, disse ele.

“As prioridades do gasto público no Brasil estão completamente erradas e aí a gente encontra espaço para respostas grandes”, afirmou o ex-presidente do BC. “Problema grande tem que receber resposta grande. Não é o que está acontecendo.”

Como medidas que chamou de realistas e “palatáveis” para o atual governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fraga citou iniciativas como congelar o salário mínimo por seis anos e reduzir os gastos tributários em 2% do PIB.

“Há espaço para melhorar. O que a gente tem não representa um paciente em estado terminal, mas é grave”, disse Fraga. “O que precisa é ter um diagnóstico frio da situação. Mas acompanhado de uma explicação que o povo entenda e que mexa com o emocional da turma.”

* O jornalista viajou a convite da Brazil Conference