Nos últimos 40 anos, entre 1981 e 2022, a taxa média de crescimento da produtividade do trabalhador brasileiro por hora trabalhada foi de apenas 0,5% ao ano, uma das mais baixas do mundo. Diante das características atuais da nossa economia, para dobrar esse índice seriam necessários 140 anos.
É o que afirma o economista Fernando Veloso, pesquisador da área de economia aplicada do Instituto Brasileiro de Economia, da Fundação Getúlio Vargas (FGV-IBRE), que publicou recentemente um estudo acadêmico (“Produtividade e Crescimento no Brasil”, na tradução do inglês), no qual se debruça sobre as causas estruturais que, desde os anos 1980, impedem o País de avançar nesse indicador.
“O problema central que causa a baixa produtividade no Brasil é a falta de competição no mercado”, afirma Veloso, nesta entrevista ao NeoFeed. Segundo ele, o problema não se refere a monopólios em alguns setores, mas a distorções criadas pelos governos das últimas décadas, oferecendo isenções tributárias e subsídios às empresas, além de criar altos impostos à importação, barrando a competição externa.
“Isso cria uma desvantagem competitiva que desestimula o empreendedor, afinal, é mais fácil obter lucro com essas barreiras do que investir na melhoria da produtividade”, diz Veloso, citando a Nova Indústria Brasil, programa de estímulo à indústria anunciado pelo governo em janeiro deste ano, como o melhor exemplo dessa distorção.
Ele se refere, entre outros pontos do programa, à liberação de R$ 300 bilhões em estímulos e a exigência de triplicar a participação da produção nacional no segmento de novas tecnologias, algo que na era da Inteligência Artificial não faz sentido.
"Em vez de importarmos a alta tecnologia que é desenvolvida lá fora, vamos tentar produzi-la domesticamente, uma reinvenção da roda que já foi tentada com a Lei de Informática, nos anos 1980, e não deu certo”, afirma o especialista.
Essas medidas protecionistas, diz Veloso, anularam boa parte de todas as iniciativas que, em tese, ajudariam o País a melhorar sua produtividade, como as leis de incentivo ao crédito dos anos 2000 e as reformas pós-governo Temer, que tendem a melhorar os índices de produtividade da economia brasileira – os cálculos ainda não estão fechados, por causa do impacto da pandemia, mas os três primeiros trimestres de 2023 sinalizaram uma melhora.
Leia a seguir os principais trechos da entrevista de Fernando Veloso ao NeoFeed:
Seu estudo mostra que o modelo de desenvolvimento baseado na intervenção estatal e na substituição de importações, que prevaleceu da década de 1930 até a década de 1980, ainda está presente no Brasil. Isso explica a baixa produtividade nos últimos 40 anos?
Sem dúvida. Nosso baixo índice médio de produtividade se deve ao fator capital humano, ligado à baixa escolaridade do trabalhador e também dos gestores, além da rotatividade elevada – muitos trabalhadores forçam a demissão para ter acesso ao FGTS. Por que o empresário vai investir na formação desse trabalhador? Tem ainda o ambiente de negócio hostil ao empreendedor, que enfrenta custo tributário e spread bancário elevados, muita proteção a setores, com subsídios e isenções que desestimulam a concorrência.
"Nosso baixo índice de produtividade se deve ao capital humano e ao ambiente de negócio hostil"
Mas não houve avanço nos últimos 40 anos que pudesse melhorar essa média?
Entre os anos 1980 e 1990 tivemos uma abertura econômica importante que aumentou a quantidade de indústrias no País. Mas essa melhoria não se manteve depois.
Por quê?
Apesar de medidas tomadas depois dos anos 1990 e início dos anos 2000, ligadas à facilitação do crédito, que em tese impulsionariam a melhoria de produtividade, tivemos ao mesmo tempo outras medidas típicas de intervencionismo estatal, como concessão de isenções e subsídios, que desestimularam a competição e na prática serviram como contrarreforma, anulando as medidas pró-produtividade.
Você pode dar exemplos?
O acesso ao crédito aumentou muito a partir dos anos 2000. Tivemos a criação do crédito consignado, a alienação fiduciária [possibilidade de financiar a compra de um veículo dando o próprio veículo como garantia] e a Lei de Falência, por exemplo, que tiveram um efeito positivo em termos de redução da taxa de juros e alongamento do crédito. Mais recentemente, além das reformas pós-governo Michel Temer [previdenciária e trabalhista], tivemos a criação do Cadastro Positivo e, no ano passado, a aprovação do Marco de Garantias no Congresso, que deu mais segurança jurídica na oferta de crédito, além da reforma tributária.
Quais foram as principais medidas da chamada "contrarreforma"?
A oferta do crédito privado aumentou no início dos anos 2000. Mas aí, já nos governos Lula 2 (2007-2010) e Dilma 1 (2011-2014), a participação do crédito público aumentou muito em relação ao privado, e de forma subsidiada, por meio do BNDES e por isenções, com ajuda a estaleiros, construção de sondas para a Petrobras, apoio às “campeãs nacionais” e etc. Isso distorceu o mercado. Não surpreende que, além da produtividade se manter baixa, nas últimas décadas o índice de industrialização também tenha caído.
A nova política industrial do governo vai nessa linha de repetir os erros de gestões petistas anteriores?
O governo acredita que a queda do índice de industrialização nas últimas duas décadas se deve à pouca proteção ao setor. Eu acho que é o contrário: o problema é o excesso de proteção. O que me chamou mais a atenção nesse programa é a exigência de desenvolver conteúdo tecnológico local na indústria, algo que não faz sentido na era da Inteligência Artificial.
"A nova política industrial erra ao exigir conteúdo tecnológico local na indústria, o que não faz sentido na era da Inteligência Artificial"
Mas o governo alega que o objetivo é criar empregos.
É um erro muito grave e já aconteceu antes. Todo mundo lembra da Lei de Informática dos anos 1980, que obrigava o País a produzir computadores localmente, quando a revolução de computadores pessoais estava acontecendo no mundo inteiro. Claro que deu errado. A indústria deveria estar mais preocupada em criar mecanismos para trazer essa tecnologia para cá e adotar nas empresas.
Por que o setor industrial, em geral, aprovou essa nova política?
É uma pergunta difícil, mas muitas vezes o empresário se fixa na questão dos lucros, que nem sempre estão associados à questão da produtividade, e sim à proteção. Você pode ter uma empresa pouco produtiva, mas que pode ter uma lucratividade razoável pagando menos imposto ou sendo subsidiada, além de o governo adotar uma tarifa alta para o competidor de fora.
Isso explica nosso pífio índice de produtividade em relação aos países emergentes?
O Brasil se destaca negativamente pelo fato de que existe uma proporção muito grande de empresas com produtividade muito baixa, isso comparando com outros países emergentes, como Chile, México e Índia. E não me refiro apenas ao trabalhador, a produtividade dos gestores também deixa a desejar.
Mas alguns setores conseguiram se descolar dessa distorção e melhorar a produtividade?
Entre 1995 e 2022, o agro teve um crescimento médio de produtividade de 5,5% ao ano. Para se ter uma ideia, a indústria teve crescimento médio nesse período de 0,4% - isso somando todos os setores, a média da indústria de transformação, que é a mais importante, foi ainda mais baixa. O setor de serviços, que emprega 70% da mão de obra do País, avançou apenas 0,2%. O agro investiu em pesquisa, via Embrapa, e também em tecnologia. E tem ainda nossas condições climáticas que ajudam, com duas safras por ano. Essa produtividade do agro, portanto, não veio à toa.
"Entre 1995 e 2022, o agro teve um crescimento de produtividade de 5,5% ao ano, enquanto a indústria avançou 0,4% no período"
As reformas feitas a partir do governo de Michel Temer, incluindo a reforma previdenciária, trabalhista, além da reforma tributária do ano passado, vão ajudar a melhorar a produtividade?
Acredito que sim. Ainda não temos um resultado consolidado dos efeitos dessas reformas por causa da pandemia, que desorganizou muito a economia. A produtividade do brasileiro caiu durante a recessão entre 2014 e 2016, com uma recuperação modesta entre 2017 e 2019. Aí veio a pandemia em 2020, período em que os índices não só no Brasil, mas no mundo inteiro, ficaram bagunçados porque teve muita mudança na estrutura produtiva e no mercado de trabalho.
Como isso se refletiu na produtividade brasileira?
Em 2020, os trabalhadores menos produtivos e com menor escolaridade, incluindo os informais, em especial do setor de serviços, foram mais afetados, pois não conseguiram trabalhar ou perderam o emprego. Isso gerou a mudança na composição, no sentido de os trabalhadores mais qualificados poderem fazer trabalho remoto. Com isso houve aumento significativo de produtividade. Depois, a produtividade voltou a cair em 2021 e em 2022, retomando a trajetória pré-pandemia. Ou seja, subiu muito, caiu tudo, voltando à estaca zero, e no ano passado tivemos alguma notícia positiva.
A produtividade voltou a crescer em 2023?
Sim, tivemos melhora nos três primeiros trimestres de 2023, provavelmente efeito daquelas reformas pós-2017, mas pode ter caído no último trimestre. Só teremos os dados consolidados quando fecharmos os números completos de 2023.