O lançamento do plano de estímulo à indústria brasileira pelo governo federal, na segunda-feira, 22 de janeiro, em Brasília, foi recebido de formas antagônicas, o que reflete algumas das principais divergências sobre a elaboração de políticas públicas no País nos últimos dez anos.

Parte dos especialistas ouvidos pelo NeoFeed elogiou a estruturação do programa, batizado de Nova Indústria Brasil, criado no formato de missões voltadas para seis áreas específicas, com metas de entrega de resultados para um horizonte de dez anos.

Segundo eles, o programa está alinhado às políticas industriais recentes adotadas por países do Primeiro Mundo.

“É a grande novidade, a política por missões representa o estado da arte que se faz no mundo de política industrial”, diz Paulo Gala, economista-chefe do Banco Master e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV).

Além disso, de acordo com esses especialistas com visão otimista em relação à proposta, o Nova Indústria Brasil tem o mérito de evitar privilegiar um setor específico da indústria, sinal de que não deve repetir erros cometidos por iniciativas semelhantes de gestões petistas do passado - como a estratégia de criar uma política de campeões nacionais, que vigorou principalmente durante do governo Dilma Rousseff.

Outros, mais pessimistas, embora elogiem algumas prioridades elencadas na proposta, põem sob suspeita a ideia central que permeia o plano – o de eleger o Estado como principal catalisador da indústria e da economia.

Na apresentação do plano, por exemplo, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva anunciou que o programa vai contar com financiamento público de R$ 300 bilhões até o fim de sua gestão, em 2026, por meio de transferências financeiras diretas - seja por compras governamentais, empréstimos com taxas atrativas via BNDES, subvenções diretas e investimento público direto.

Esse peso excessivo do Estado é visto, neste sentido, como um fator de risco para a principal diretriz macroeconômica do governo - a de reduzir o déficit fiscal a patamares aceitáveis - e um sinal de que muito dinheiro tende a ser desperdiçado, dada a ineficiência do Estado em controlar os gastos.

Com mais de 100 páginas, o Nova Indústria Brasil foi inspirado num relatório encomendado pelo governo federal à economista ítalo-britânica Mariana Mazzucato e incorpora propostas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial (CNDI), órgão recriado no atual governo, e da Confederação Nacional da Indústria (CNI).

O documento prevê missões específicas para as seguintes áreas: cadeias agroindustriais; saúde; bem-estar das pessoas nas cidades; transformação digital; bioeconomia, descarbonização e transição; segurança energética; e defesa.

“O programa foi articulado com uma visão de indústria inserida no processo de transição energética, visando a descarbonização e para montar uma estratégia de prioridades de olho nas tendências internacionais”, diz Venilton Tadini, presidente da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), citando o desenvolvimento do hidrogênio verde como fonte energética.

Tadini cita outros avanços que podem facilitar na adoção do programa. “O momento é favorável, temos reservas cambiais, taxas de juros em queda e condições de captar recursos no exterior e no mercado de capitais, onde temos investidores institucionais com R$ 1,5 trilhão de disponibilidade”, arremata.

Cada área tem metas a cumprir nos próximos dez anos. Na missão de saúde, por exemplo, uma delas é elevar de 42% para 70% a participação da indústria nacional na produção de medicamentos, vacinas, equipamentos e dispositivos médicos.

"Não é um programa voltado a beneficiar um setor especifico da indústria, visa a atingir objetivos sociais, como transição energética, segurança de saúde, vacinas e insumos médicos”, afirma Gala.

“Velha roupagem”

Mal foi anunciado, o programa recebeu várias críticas de economistas e especialistas do setor industrial.

O economista-chefe da MB Associados, Sérgio Vale, resumiu o teor das críticas, afirmando que a nova política industrial é uma “velha roupagem de coisas que a gente já conhece: uma velha política industrial baseada em usar recursos públicos”, numa referência a programas dos antigos governos petistas.

André Mendes Moreira, professor de Direito Tributário da USP e sócio do Sacha Calmon - Misabel Derzi Advogados, por exemplo, diz que o sucesso do novo plano dependerá, primeiramente, da existência dos recursos necessários à sua consecução.

“O programa está diretamente atrelado às demais reformas estruturais do Estado, de modo a reduzir o déficit fiscal a patamares aceitáveis”, adverte Moreia.

A maior dificuldade se dará na aprovação de leis que ampliem benefícios fiscais, como a atualização da chamada "Lei do Bem" e do Regime Especial da Indústria Química (Reiq), sem comprometer as metas fiscais”, acrescenta Moreira.

Rodrigo Figueiredo, sócio do escritório RVF Advogados, vê o programa como um bom começo, por trazer uma política dirigente de desenvolvimento sustentável, mas chama a atenção para pontos negativos que rondam o pacote.

“O ambiente regulatório ainda muito desfavorável à indústria, que é setor que exige pesados investimentos e, portanto, é mais sensível ao Risco Brasil e à insegurança jurídica e de políticas econômicas”, diz Figueiredo.

A ideia de o programa privilegiar uma política de obras e de compras públicas, com incentivo à exigência de compra de fornecedores brasileiros, está no relatório “Crescimento sustentável e inclusivo orientado pela inovação: Desafios e oportunidades para o Brasil”, de Mariana Mazzucato.

De acordo com a economista ítalo-britânica, o setor de compras do governo, com uma fatia estimada entre 12% e 15% do PIB, é grande o suficiente para criar essas novas cadeias produtivas, atrair investimentos e gerar empregos.

Embora muitos analistas critiquem essa reserva de mercado às compras do governo, o economista Paulo Gala observa que esse modelo é seguido pelos países ricos, como Estados Unidos.