Dez anos atrás, a notícia causou alvoroço. Em maio de 2013, a Nasa concedeu uma bolsa de US$ 125 mil para o engenheiro mecânico Anjan Contractor construir o protótipo de uma impressora de alimentos 3D. Àquela ocasião, a tecnologia era usada para a produção de um sem-número de objetos, até órgãos humanos. Mas imprimir comida? Era ficção-científica demais.
A agência espacial americana buscava uma forma de garantir a alimentação de seus astronautas, em viagens estelares mais longas. Já Contractor tinha sonhos ainda mais ambiciosos. A máquina, acreditava, poderia, um dia, vir a erradicar a fome do planeta. Sua ideia era desenvolver “cartuchos de comida”, tal qual os de tinta, com prazo de validade de 30 anos.
A pizza era a candidata óbvia, já que a maioria dos equipamentos, até hoje, imprime em camadas. Em fevereiro de 2014, a iguaria foi revelada ao mundo: uma pizza quadrada, de muçarela e molho de tomate, montada em apenas 70 segundos. Por causa das limitações técnicas da época, a massa teve de ser assada em forno convencional.
Passada uma década, a impressão de alimentos já não provoca (tanta) estranheza. A segurança alimentar global continua ameaçada e os equipamentos atuais ainda não se prestam a expedições espaciais, mas os avanços são inegáveis – e promissores, como mostram as projeções mais recentes do mercado mundial de alimentos 3D; também chamados de digitais.
Nos cálculos da consultoria Research and Markets, o setor deve movimentar, em 2030, US$ 11,3 bilhões, evoluindo até lá a uma taxa anual composta de 50,2%, descrita pelos analistas como “notável”. Em 2020, não chegava a meio milhão de dólares.
“A expansão é impulsionada principalmente pela crescente demanda por preparos gourmets e pela adoção da tecnologia 3D tanto na produção de alternativas vegetais aos alimentos de origem animal quanto no combate ao desperdício de comida”, lê-se no relatório. “No entanto, desafios como longos tempos de processamento e a percepção de falta de sabor e textura, em comparação com os produtos tradicionais apresentam limitações.”
O cheesecake de Columbia
Tem-se ainda um longo caminho pela frente, mas os consumidores, sobretudo os mais jovens, estão dispostos a percorrê-lo, como mostra um estudo da Texas Tech University, do final do ano passado. Vinte em cada cem alemães, por exemplo, topam comer carne digital, conforme pesquisa do Instituto Bitkom, divulgada em 20 de julho. Em 2019, esse índice era de apenas 13%.
Conforme a tecnologia avança, os preparos se sofisticam e mais e mais consumidores são fisgados pelo estômago. Em março passado, a equipe do engenheiro Jonathan Blutinger, chefe do Creative Machines Lab, da Columbia University, em Nova York, apresentou um cheesecake, criado em uma impressora, equipada com um sistema de cozimento a laser.
Outra novidade foi a quantidade de ingredientes usada no preparo do doce. Pasta de biscoito, manteiga de amendoim, geleia de morango, creme de avelã, purê de cereja, banana amassada e glacê – sete, no total; número recorde em um único produto alimentício impresso, informam os pesquisadores, em artigo na revista científica Nature.
Toda comida pastosa (ou que consiga ser levada a essa consistência) pode ser impressa. Na Upprinting Foods, essa maçaroca é feita com resíduos alimentares, em mais uma frente contra o desperdício.
As designers holandesas Elzelinde Van Doleweerd e Vita Broeken salvam os alimentos que iriam para o lixo e os transformam em biscoitos doces e salgados que, de tão lindos e criativos, parecem pequenas obras de arte.
Até chegar à densidade perfeita, a dupla testou várias combinações. Atualmente, 75% da fórmula da Upprinting Foods é composta por pão adormecido e frutas, legumes e verduras imperfeitos esteticamente. Ovo e manteiga são incluídos para a pasta fica lisinha e ervas e temperos para dar sabor.
A espiral de creme de trufas dos irmãos Torres
Os inovadores do ecossistema dos alimentos digitais apontam outra vantagem das comidas impressas em 3D. “Os ingredientes podem ser adquiridos e processados no local de consumo, auxiliando os agricultores e fornecedores locais”, escrevem os pesquisadores de Columbia, no artigo da “Nature”.
Fundada em 2012, em Barcelona, a foddtech Natural Machines criou a Foodini, uma das primeiras impressoras 3D portáteis do mercado. Ao custo de US$ 6 mil cada uma, a máquina tem o tamanho de um microondas. Desde o lançamento, a empresa arrecadou US$ 5,4 milhões em investimentos.
Entre os clientes da startup espanhola estão alguns dos restaurantes mais premiados do mundo. Um deles é Cocina Hermanos Torres, um três estrelas Michelin na capital catalã. Os gêmeos Sergio e Javier Torres usam a Foodini para reduzir o desperdício, mas também para incrementar esteticamente suas criações, como a espiral de creme de trufas, avelã, pão de amêndoas, tomilho e limão.
Os steaks israelenses
Com seus pratos ultraelaborados, a alta gastronomia tem sido a responsável por divulgar para o mundo as maravilhas dos alimentos impressos; ainda que a maioria de nós não possa desembolsar uma pequena fortuna para degustá-los.
Mas, é nos laboratórios das foodtechs que as inovações acontecem. A impressão 3D vem sendo estudada como ferramenta para a indústria plant-based, para dar aos alimentos vegetais as características de suas contrapartes de origem animal.
A estrutura da carne é especialmente complexa. E, como os cartuchos das impressoras são individuais, é possível trabalhar cada aspecto do produto em separado. Elementos como gordura sangue e músculo podem ser equilibrados e, quando impressos juntos, fornecem a um bife à base de ervilha e soja a textura, cor e sabor de um corte bovino de verdade.
Essa foi a receita da startup israelense Redefine Meat para criar seu Alt-Steak. Lançada em 2018, a foodtech é uma das mais avançadas do setor e já levantou US$ 170 milhões, junto aos venture capital, informa a plataforma Crunchbase. As carnes vegetais 3D da empresa estão em mercados e restaurantes de Israel, França, Holanda, Alemanha e Reino Unido.
Da Nasa para a confeitaria
Criações como as da Upprinting Foods, a Natural Machines e a Redefine Meat, apostam, os especialistas são apenas o começo de uma revolução. Em seu livro "Fabricated: The New World of 3D Printing”, o engenheiro americano Hod Lipson, da Cornell University, imagina o dia em que as impressoras usarão nossos dados de saúde para criar refeições de acordo com as necessidades nutricionais de cada um de nós.
Esse futuro, porém, ainda está distante. Até lá, Anjan Contractor, o criador da pizza quadrada da Nasa, se dedica a criar máquinas para a decoração tridimensional de bolos, biscoitos e cupcakes. Do spin-off da agência espacial nasceu, em 2016, a BeeHex, especializada em impressoras para confeitarias e padarias.