Neste mês de maio, entraram em vigor algumas das principais mudanças aprovadas, há 18 meses, nas regras do Programa de Alimentação do Trabalhador (PAT), que rege a concessão de benefícios como o vale-refeição e o vale-alimentação pelas empresas aos seus funcionários.

A partir dessa agenda, que promete abrir e redesenhar a competição no setor, novos nomes como iFood, Swile e Flash se mostram cada vez mais dispostos a abocanhar uma fatia de um mercado que movimenta R$ 150 bilhões por ano. E que é dominado por quatro players: Alelo, Ticket, Sodexo e VR.

Atenta a esse cenário, a Alelo, uma das integrantes do quarteto acusado pelas novas entrantes de comandar um oligopólio nesse espaço, não está parada. E, nessa direção, seu mais novo passo está programado para junho, com o lançamento de um cartão de benefícios flexíveis, batizado de Alelo Pod.

“Não estamos olhando para a concorrência, mas sim para as demandas que estão crescendo no mercado”, diz Cesário Nakamura, CEO da Alelo, ao NeoFeed. “E, dentro dessa linha, especialmente com a pandemia, essa procura por flexibilidade nos benefícios ficou cada vez mais evidente.”

Inicialmente, o cartão poderá ser contratado na concessão de auxílios flexíveis, que ganharam sustentação na reforma trabalhista de 2017 e incluem, além da alimentação e refeição, benefícios como home office, mobilidade, saúde e entretenimento.

Já no âmbito do PAT, programa limitado a empresas de lucro real e que proíbe a movimentação dos saldos entre as carteiras de alimentação e refeição, além do uso para outras fins, a oferta ainda não estará disponível, apesar de habilitada. E dependerá de temas cuja discussão, no plano da legislação, foi adiada para maio de 2024.

A grande virada, porém, é o fato de o Alelo Pod ser lançado com a bandeira Elo, empresa que, assim como a Alelo, pertence à Elopar, que tem Bradesco e Banco do Brasil como sócios. Ao incluir a rede de aceitação da parceira, a companhia dobra seu alcance para 2 milhões de estabelecimentos.

Isso implica na estreia da Alelo no modelo de arranjo aberto, que já é usado na oferta dos auxílios flexíveis e cuja adoção está em debate no PAT. Hoje, os arranjos fechados, em que as empresas líderes são, ao mesmo tempo, emissoras, bandeiras e adquirentes, ainda dominam o setor.

A possibilidade de associar suas ofertas de benefícios às redes de bandeiras como Mastercard e Visa foi justamente um dos atalhos usados pelos novos nomes nesse mercado para avançarem e driblarem o maior poder de fogo das quatro líderes.

Não são poucas as empresas que apostaram ou estão investindo nesse formato. Além de iFood, Flash e Swile, a lista inclui empresas como Mercado Pago, Caju, Bulla e, mais recentemente, o PicPay que, há duas semanas, anunciou sua entrada em benefícios.

Em meio a esse avanço, nas discussões relacionadas ao PAT, os arranjos abertos não são o formato ideal na visão da Alelo. A empresa sustenta a tese de que os arranjos fechados permitem um maior controle sobre eventuais desvios de finalidade no uso dos benefícios pelos funcionários dentro do programa.

Porém, além dos limites do programa, com o arranjo aberto no Alelo Pod, a Alelo segue o caminho inverso desses novos rivais, ao usar essa mesma estratégia para proteger seus domínios. E, ao mesmo tempo, explorar uma nova fronteira: as empresas de lucro presumido, que não têm acesso ao PAT.

“São empresas menores, muitas delas da nova economia e com até 50 funcionários e que nós não estávamos alcançando”, afirma Márcio Alencar, diretor de estratégia digital, marketing e negócios da Alelo. “Esse é um mercado que estava, de certa maneira, sub explorado”, complementa Nakamura.

A Alelo atende 150 mil empresas, com um universo  de cerca de 10 milhões de funcionários

A Alelo atende 150 mil empresas, boa parte de grande e médio porte. Com uma rede de aceitação de 1 milhão de estabelecimentos, a companhia cobre cerca de 10 milhões de funcionários. E o fato de o Alelo Pod mirar um cliente distinto reduz, em sua visão, o risco de canibalização do seu produto principal.

Sob essa perspectiva, a empresa já traçou as projeções para a nova operação. “Nós esperamos chegar a R$ 1 bilhão de faturamento com o Alelo Pod até o fim de 2023”, afirma Alencar. “E adicionar por volta de 20 mil  a 25 mil novas empresas clientes, com cerca de 500 mil a 600 mil funcionários.”

Na avaliação de Fabricio Winter, sócio da RD Inteligência, consultoria especializada em serviços financeiros, o investimento no modelo de arranjos abertos é um caminho natural nesse novo contexto. E que será seguido, em breve, por todos os grandes nomes do mercado de benefícios.

“Esse formato permite que as empresas novas entrem nesse mundo sem precisar de grandes investimentos, o que dá, definitivamente, mais competitividade ao setor”, observa Winter. “E, já que abriu a porteira, não faz muito sentido para esses grandes players ficarem restritos ao arranjo fechado.”

No caso da Alelo, o trajeto para seguir nessa frente começou a ser desenhado em novembro, quando teve início o desenvolvimento do novo cartão. O Alelo Pod já está sendo testado há dois meses em um projeto-piloto com 30 clientes e um universo de 5 mil funcionários.

Para escalar essa oferta, além de alimentação e refeição, a Alelo aposta em auxílios que cobrem desde áreas como bem-estar, com parceiros como Gympass e TotalPass, até o uso em papelarias, postos de combustível, transporte coletivo, teatros, livrarias, shows, aplicativos de mobilidade e e-commerces.

Abertura do mercado

Enquanto a Alelo se movimenta nesse espaço “mais flexível”, em seu mercado principal, do PAT, uma série de mudanças no arcabouço que rege o programa vem entrando em vigor, na trilha do decreto 10.854, editado em novembro de 2021.

Uma das principais alterações foi a proibição de uma prática que era usual e vista como a principal barreira de entrada no setor: o rebate. Esse era o nome dado aos descontos que concedidos pelas grandes empresas de benefícios às contratantes, com percentuais que giravam, em média, de 2% a 5%.

No fim do dia, essa prática era financiada pelas taxas cobradas dos estabelecimentos credenciados, entre 7% e 9%, bem acima da taxa média dos cartões de crédito. Essa conta chegava ao consumidor, já que restaurantes e supermercados repassavam esse custo para os seus produtos e serviços.

O decreto também colocou um ponto final na oferta de prazos para o repasse de valores pelos empregadores. Com mais fôlego financeiro, as grandes companhias do setor concediam, em alguns casos, mais de 90 dias para a quitação desses recursos.

“O fim dessas práticas foi apoiado tanto pela Alelo como pela ABBT”, diz Nakamura, referindo-se à Associação Brasileira das Empresas de Benefícios ao Trabalhador. “Elas só mostravam que, ao contrário do que muitos diziam, esse mercado podia ter poucos players, mas a competição era bem feroz.”

A perspectiva é de que os reflexos no cenário de competição ainda levem tempo para se mostrarem mais profundas. Mas já há quem ressalte alguns impactos positivos.

“Temos muito a comemorar”, afirma Paulo Solmucci, presidente da Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel). “Desde a proibição do rebate, as taxas cobradas dos estabelecimentos caíram, em média, 15%.”

Segundo a Abrasel, desde a entrada em vigor das novas regras do PAT, as taxas cobradas dos estabelecimentos caíram, em média, 15%

A Abrasel também é favorável a outras medidas ainda pendentes, como a adoção do arranjo aberto. Mas é contrária à implementação da portabilidade, que prevê a possibilidade de o funcionário migrar para um cartão de benefício de sua preferência, a despeito da oferta concedida por seu empregador.

A inclusão dessas duas vertentes foi adiada para maio de 2024, a partir da Medida Provisória 1.173, editada no início desse mês. A necessidade de uma discussão mais profunda sobre a portabilidade foi um dos motivos que embasaram a MP. E é exatamente nesse ponto que a Alelo enxerga grandes riscos.

“Nós entendemos que a portabilidade não traz o benefício que se imagina, porque, no fim das contas, ela vai acabar gerando outra guerra de preços”, ressalta Nakamura. “Em vez do rebate, vai ser a guerra do cashback e isso abre espaço para um desvio de finalidade ainda mais agressivo no PAT.”