Nos últimos dois anos, o futebol brasileiro entrou na mira dos investidores estrangeiros. Fora dos gramados, esse interesse ganhou fôlego com a lei das SAFs (Sociedades Anônimas do Futebol) e a disputa para a criação de uma liga capaz de driblar a histórica desorganização do esporte no País.

Enquanto esses players avançam suas linhas no Brasil, um time local decidiu inverter essa jogada e ir ao ataque. Especializada em futebol, a consultoria Convocados estruturou um fundo de private equity, com o plano de captar € 80 milhões (R$ 431 milhões) para comprar clubes europeus.

Batizado de BC Football Strategies, o veículo tem como meta inicial adquirir até quatro times do Velho Continente. E a estreia dessa tese, antecipada com exclusividade ao NeoFeed, está sendo sendo feita com a aquisição do Anadia FC SAD, clube da Liga 3, a terceira divisão de Portugal.

“A nossa lógica é comprar clubes de divisões menores, aplicar gestão, subi-los de divisão e valorizar esses ativos”, diz Cesar Grafietti, sócio da Convocados. “Temos essa tese bem desenhada e, agora, vamos atrás dos ativos que justificam essa construção.”

A escolha da Europa para dar esse pontapé foi baseada na maturidade desse mercado em investimentos no setor. E foi reforçada por dados sobre as principais ligas da região, com o histórico de dez anos em áreas como evolução dos clubes por divisão, fluxo e negociação de atletas.

“Se tirarmos a camada dos 40 grandes clubes, dos ‘Chelseas” que são bem geridos e negociados por bilhões, existe muito semiprofissionalismo”, diz Grafietti. “Não estou dizendo que seremos o próximo Liverpool, mas, do ponto de vista de gestão, há espaço para que outros clubes cheguem ao topo.”

A Convocados reúne cinco sócios com boa experiência no futebol, sob diferentes ângulos. Entre eles, Roque Júnior, zagueiro pentacampeão mundial, ex-Palmeiras, Milan e Bayer Leverkussen e que também atuou como técnico e dirigente em times como Ferroviária e Paraná Clube.

Com 25 anos no mercado financeiro, Grafietti é mais um exemplo. Ele desenvolveu um amplo relatório sobre a estrutura do futebol financeiro para o Itaú BBA e foi consultor da Confederação Brasileira de Futebol (CBF) para a adoção de um sistema de fair play financeiro no futebol do País.

A escalação inclui ainda Rodolfo Kussarev, que foi consultor do projeto do Red Bull BR, além de CEO do clube; Rafael Plastina, ex-gerente de marketing do Vitória (BA), Nielsen e Informídia; e Renée Pinheiro, ex-gerente do Atlético-MG e com experiência em áreas como scout e transferência de atletas.

Para fazer o meio-de-campo com os investidores no Brasil e nos Estados Unidos, a Convocados conta com o reforço da Galapos. Já na Europa e na Ásia, a captação está a cargo da portuguesa Blue Crow Capital, que também foi responsável por levantar uma rodada inicial de € 5 milhões.

O fundo já tem conversas com investidores americanos dispostos a entrar na segunda rodada de captação. França, Inglaterra, Espanha e Itália são os mercados-alvo para compor esse portfólio.

“Já temos listas tríplices de clubes em cada um desses países”, afirma Rafael Plastina. “Vamos com a captação garantida, com o ‘proof of funds’, para dar a segurança de que é uma abordagem real, e não uma especulação.”

De olho em clubes de terceira divisão e com o plano de fechar as aquisições em até 18 meses, assumindo o controle acionário dos clubes, o tamanho estimado dos cheques irá variar. Na França e na Inglaterra, ele gira entre € 25 milhões e € 30 milhões. Na Espanha, entre € 35 milhões a € 40 milhões.

A tese do fundo

Outros critérios integram essa tese, como a política da região em que o time está inserido e a própria política interna do clube. Assim como a tradição da agremiação e o relacionamento com a comunidade e os torcedores.

“O clube não precisa, necessariamente, estar livre de dívidas, até mesmo porque elas ajudam a ajustar o valuation e o desembolso inicial”, observa Grafietti. “Mas o ideal é que seja um time com poucas dívidas e boa infraestrutura, o que permite fazer um volume menor de capex para chegar ao breakeven.”

Após assumir a gestão desses ativos, a projeção é de um prazo inicial de cinco anos de investimento até que eles cheguem à primeira divisão. O fundo prevê mais dois ou três anos para que os times se estabilizem nesse patamar e mais três anos para o exit.

Renée Pinheiro (à esq.), Rodolfo Kussarev, Roque Junior, Cesar Grafietti e Rafael Plastina, os sócios da Convocados

Ao investir no conceito de Multiclub Ownership, com a propriedade de mais de um clube, a Convocados entende que, além de diluir riscos, tem um modelo mais eficiente para acelerar a evolução dos clubes e aprimorar sua tese.

“Essa diversificação e a presença em diferentes ligas abre a possibilidade de criar uma mobilidade para a negociação de atletas, muitas vezes, entre os próprios clubes do portfólio”, explica Grafietti.

Ele também ressalta que esse formato traz escala e aumenta o poder de barganha do negócio. Com benefícios que vão das negociações para a compra de material esportivo até estratégias conjuntas em marketing e patrocínios.

Esse modelo já trouxe resultados ao Anadia. Em fevereiro, a Convocados passou a auxiliar na gestão do clube que passava por maus bocados dentro de campo, correndo risco de rebaixamento. E também de fechar as portas, com uma dívida de € 200 mil, um valor substancial para um time desse porte.

A dívida foi zerada, o treinador trocado e jogadores reforçaram o elenco. Um deles, Youcef Bechou, fez o gol que garantiu a permanência na Liga 3, aos 53 minutos do segundo tempo, contra o Paredes, maior rival do Anadia. Hoje, o time é avaliado em € 1,5 milhão, contra quase zero há seis meses.

Brasil em campo?

A jogada da Convocados não é a primeira encabeçada por brasileiros na Europa. Em 2018, o ex-jogador Ronaldo “Fenômeno” comprou o Valladolid, na Espanha. Contudo, recentemente, quem tem dominado os lances por lá são investidores de outros países, em particular, dos Estados Unidos.

Esse movimento ganhou força a partir de 2020, com a pandemia. Somente naquele ano, 18 clubes foram comprados ou receberam investimentos, segundo a KPMG. Dessas transações, metade foi liderada por empresas e fundos americanos.

Hoje, o pacote de times europeus com investimentos estrangeiros inclui desde nomes mais tradicionais como Roma, Parma, Manchester United e Arsenal, até clubes de menor expressão no continente, como o espanhol Girona e o belga Lomell SK.

Esses dois últimos integram o portfólio do City Football Group, grupo britânico que detém participações em 12 clubes no mundo. Entre eles, o Bahia, por meio de uma SAF aprovada em maio deste ano e que envolveu o compromisso de um aporte de R$ 1 bilhão.

No acordo, o Bahia foi assessorado justamente pela Convocados. “Temos outros projetos em andamento no Brasil que não envolvem apenas aquisições ou SAFs, mas também a valorização de ativos imobiliários dos clubes”, conta Plastina.

O fundo não descarta incorporar o futebol brasileiro em sua tese. Essa decisão dependerá, porém, de fatores como a criação de uma liga do esporte no País, um projeto que tem atraído investidores como o Mubadala Capital, braço do fundo soberano do governo de Abu Dhabi, e o americano Serengeti.

“Falta uma liga que organize o negócio, fair play financeiro e uma série de aspectos estruturais dessa indústria no País”, diz Grafietti. “Mas, claro, nós monitoramos o Brasil. É muito mais uma questão de ter um cenário que nos permita avaliar corretamente a entrada e ter uma boa segurança na saída.”