Principal força do mercado brasileiro no ano passado, os fundos de crédito privado vêm enfrentando um aumento significativo nos resgates desde novembro, quando a categoria passou por uma reprecificação motivada pela deterioração do cenário macroeconômico.
Os fundos com pelo menos 50% de alocação em crédito acumularam resgates de R$ 40,6 bilhões nos últimos três meses, de acordo com levantamento da plataforma Comdinheiro, da Nelogica, a pedido do NeoFeed. Desse montante, cerca da metade desse valor foi retirada em janeiro deste ano. Outros R$ 11,5 bilhões foram resgatados em dezembro e R$ 9,7 bilhões, em novembro.
O movimento contrasta com a captação observada ao longo de 2024, quando os fundos de crédito privado superaram R$ 250 bilhões em aportes entre janeiro e outubro. A virada de chave veio com a ruidosa apresentação do pacote fiscal do governo, que levou o dólar a atingir R$ 6 pela primeira vez e derrubou os preços no mercado de ações.
No crédito privado, os títulos se desvalorizaram pela marcação à mercado, com a abertura dos spreads afetando a rentabilidade dos fundos. “Em novembro, houve um estalo no mercado, levando muitos investidores a aumentarem a atenção ao risco de crédito”, afirma Sami Karlik, head de crédito high grade da Tivio Capital.
Embora a precificação de maior risco tenha começado em novembro, o movimento se intensificou em dezembro, quando a previsão de Selic a 15% se tornou consenso após a decisão do Comitê de Política Monetária (Copom). Não só o aumento das despesas financeiras, mas o maior risco à receita das companhias ganhou relevância nas contas de analistas, dada a expectativa de uma atividade mais fraca.
Com a maior percepção de risco em dezembro, os spreads de emissores AAA tiveram um aumento médio de 1% para 1,3%, de acordo com dados do Bradesco BBI. O efeito foi mais intenso entre títulos de empresas mais sensíveis aos ciclos de juros e atividade, com casos em que a remuneração passou de CDI + 3% para CDI + 7%, mesmo no high grade.
Em dezembro, o índice da JGP Idex-CDI, de debêntures mais líquidas atrelados ao CDI, terminou o mês com rentabilidade negativa de 0,42%, enquanto o Idex Low Rated, de perfil high yield, caiu 1,33%. “Podemos ver a deterioração dos indicadores financeiros de várias empresas, intensificando o movimento de aversão ao risco, com investidores migrando para créditos bancários (com garantia do FGC) e títulos públicos”, diz Felipe Vidal, gestor de crédito da Sparta.
A desvalorização abriu oportunidades para os gestores, ainda bastante capitalizados. Houve uma nova compressão de spreads, mas apenas nas debêntures de baixíssimo risco. "O spread de nomes muito óbvios já fechou. Mas teve vários nomes no mercado secundário em que os spreads abriram e ficaram abertos por preocupação mesmo. São casos como Dasa, Oncoclínicas e Simpar, que há três meses estavam sendo negociadas a CDI + 3% e que agora estão próximos de CDI + 6% e CDI + 9%. Não teve evento de crédito. Mas penalizou a cota de quem estava nesses ativos", diz Odilon Costa, sócio e estrategista de crédito da Solutions Wealth Management.
Costa ainda vê as saídas de janeiro como um efeito retrovisor das perdas geradas em dezembro e avalia que os resgates devem prevalecer neste primeiro trimestre. "O investidor fica meio assustado com o mercado de crédito devido aos juros maiores e à performance ruim de dezembro e acaba olhando para o crédito bancário e privado isento. É uma competição ferrenha."
Embora o mercado não questione a capacidade de pagamento das principais empresas high grade, a percepção é que, mesmo após a ampliação dos spreads, os preços ainda não justificam o risco. Para se proteger de uma eventual piora, a maioria dos fundos tem aumentado suas posições em caixa para cerca de 10 pontos percentuais acima da média histórica.
Esse é o caso dos fundos de crédito da Trígono Capital, que tem rodado com 25% de caixa. "É um movimento que fizemos de cautela. Vínhamos levantando esse caixa desde setembro porque os spreads apertaram e diminuímos posição em empresas alavancadas", afirma Marcelo Peixoto, head de crédito da Trígono Capital
O aumento de posição em caixa e preferência por ativos de curta duração alivia um eventual impacto negativo pela marcação à mercado, além de garantir liquidez para honrar resgates. Mas se os resgates continuarem poderá haver uma nova pressão vendedora para que os fundos façam o rebalanceamento de suas posições.
"Os gestores costumam ter limites de alocação por emissor. Se houver resgates, eles não querem ficar excessivamente concentrados em um papel”, diz Vivia Lee, gestora de crédito da Ibiuna Investimentos.
Outro motivo para as grandes posições em caixa é baixa profundidade do mercado brasileiro de crédito, que não acompanhou o ritmo das captações no ano passado. Em um cenário em que os riscos começam a falar mais alto, faltam papéis para se agarrar.
“Todo gestor está em busca de um ativo de alta qualidade, com spread adequado e baixa duração, mas a oferta no mercado é limitada”, afirma Evandro Buccini, gestor de crédito da Rio Bravo.
Os volumes recordes levantados pela indústria de crédito privado no último ano teve como grande indutor a saída de grandes investidores de fundos multimercados exclusivos, que perderam a isenção dos come-cotas, fenômeno que não deverá mais estar presente em 2025. “A maior parte desse movimento já aconteceu”, afirma Luciane Buss Effting, vice-presiudente do Fórum de Distribuição da Anbima.
Com a efervescência do mercado de crédito no ano passado, muitas grandes empresas aproveitaram a janela para refinanciar dívidas, emitindo títulos mais baratos e com prazos mais longos. O movimento resultou em um recorde de emissões em 2024, totalizando R$ 434 bilhões, o dobro do recorde anterior, de 2023.
A tendência para 2025, no entanto, é de um volume menor de emissões, impactado pela maior seletividade dos gestores e pelo custo elevado da dívida. "Tenho certeza que as emissões serão mais fracas. Ano passado foi um ponto muito fora da curva. Foi um momento único para as empresas refinanciarem a dívida", diz Ricardo Nunes, CIO de crédito da Paramis Capital.
Quem não aproveitou a janela, pode ter dificuldade nesse momento. "Para empresas que dependem de rolar a dívida agora e estão mais alavancadas, está bem difícil a situação. Tem alguns setores que preocupam mais, como hospitais, que dependem de algum tipo de apoio de acionistas para ficarem de pé. O cenário é parecido para locadoras de automóveis e varejo alimentar de bens discricionários", afirma Costa, da Solutions Wealth Management.
Esse menor apetite do mercado já tem afetado os planos de emissão de dívida das companhias. De acordo com dados do Bradesco BBI, o volume de emissões caiu 64% de dezembro para janeiro. Apesar do efeito sazonal de início do ano, estruturadores já têm sentido maior dificuldade em colocar novas emissões na rua.
"Temos visto empresas adiarem os processos de captação por questão de custo. Teve casos em que a empresa não voltou atrás, mas que precisou adiar a data de liquidação algumas vezes para ver se tinha alguma acomodação da curva de juros. Tem muita operação sendo postergada por falta de demanda", afirma Filipe Albert, head de originação e estruturação de dívida do Banco Fator.
Victor Barreira, da RGS Partners, aponta que, no middle market, tem tido um gap de preços relevante que tem inviabilizado novas captações. "As empresas têm projetos, mas, com juros altos, alguns não se viabilizam financeiramente. Nesses casos, elas adiam ou acabam captando a custos mais elevados e prazos mais curtos."
Um oásis no crédito privado
Enquanto o cenário de crédito aperta para a maioria das empresas, a frente de infraestrutura, beneficiada pela isenção de imposto de renda, segue como um oásis nesse mercado. "Devem continuar fortes as emissões, até pensando em vários projetos que tem para sair", diz Buccini, da Rio Bravo.
A previsão é de 110 leilões de concessão, privatização e parcerias público-privada em 2025, com potencial de R$ 250 bilhões em investimentos, segundo reportagem do NeoFeed. Um dos fatores que jogam à favor desse pipeline é a indexação das debêntures de infraestrutura, atreladas ao IPCA, que sofreu uma menor revisão para cima do que a Selic.
"Uma empresa que capta em IPCA não é tão sensível à alta de juros, não impacta a despesa financeira de forma tão relevante. O impacto será quando ela for renovar a dívida", afirma Costa, da Solutions Wealth Management.
Do lado do investidor, mesmo com spreads próximos de zero, a isenção fiscal continua mantendo a competitividade do investimento. Esses fundos, no entanto, não estão imunes aos choques pontuais, como visto nas cotas de FI-Infras listados, com perdas acumuladas próximas de 10% desde novembro.
Buccini, da Rio Bravo, vê a queda como oportunidade. "Houve uma reprecificação técnica por causa da flutuação da taxa de juros, mas os fundos caíram bem mais do que o patrimônio. Aí já entra o medo do investidor, um movimento irracional. Por que alguém compraria um fundo aberto de infraestrutura, se pode comprar o mesmo risco em fundo listado com até 20% de desconto?"