Nos tempos de estudante, o executivo francês Thomas Gautier chegou a morar um ano e meio na Espanha e lá teve a oportunidade de aprender a língua local. Quando se mudou para o Brasil, há 8 anos, o aprendizado foi útil para que ele pudesse se virar inicialmente em um “portunhol” e depois começasse a dominar o português.
Agora, Gautier se prepara para desenferrujar o idioma. A empresa que ele comanda, o Freto, uma logtech brasileira que conecta caminhoneiros e embarcadores, acaba de receber um aporte de R$ 22,5 milhões e se planeja para desembarcar em países da América Latina a partir do ano que vem. “O espanhol está bem escondido, mas deve ter como resgatar. É só acordá-lo para que funcione de novo”, afirma Gautier, com exclusividade ao NeoFeed.
Os recursos foram levantados na primeira rodada de investimentos da startup, que contou com a participação do fundo Edenred Capital Partners, braço de venture capital do grupo Edenred; a Quartz Investimentos, de José Galló, ex-presidente da Lojas Renner e atualmente à frente do conselho de administração da rede varejista; e as famílias Corrêa da Silva e Haroldo Stumpf, que juntas fundaram empresas como Getnet, Embratec, Saque e Pague e Banco Topázio.
Os aportes, além de servirem para acelerar a expansão, também marcam uma nova fase do Freto, que se desvinculou formalmente do grupo que a criou em 2019, a Edenred, dona das marcas Ticket (de benefícios a trabalhadores), Ticket Log (de gestão de frotas) e Repom (de soluções de gestão para pagamento e recebimento de frete e pedágio para o transporte rodoviário de carga). Antes, a logtech era uma unidade de negócios da Ticket.
A emancipação ocorreu, diz Gautier, porque o Freto estudou outros casos similares de startups de logística ao redor do mundo e percebeu que nenhuma delas conseguiu se reforçar financeiramente, com aportes para investir e “vencer” o mercado, estando “casada” com uma visão estratégica de um grupo.
“A ideia é dar autonomia e governança ao Freto para poder crescer, com agilidade e flexibilidade na tomada de decisão, sem necessariamente estar junto a um estratégico”, afirma o executivo, que estava há 10 anos na Edenred e agora é o primeiro CEO da startup.
Por enquanto, o Freto atua somente no Brasil e tem uma rede de 125 mil motoristas e 300 mil veículos cadastrados, com uma média diária de 3,5 mil “matchs” entre caminhoneiros e embarcadores. Para carimbar o passaporte e virar internacional, a logtech estuda, por exemplo, países como Argentina, México e Colômbia.
“Estamos vendo as semelhanças do Brasil com outros países, entendendo as particularidades de cada um e olhando também onde podemos agregar mais valor”, afirma o CEO do Freto. “O aporte que recebemos nos dá um fôlego para esse novo momento e rumo a um horizonte para o qual temos a ambição de virar a maior plataforma (do segmento) da América Latina”, diz o executivo.
Para escalar o negócio, os recursos captados serão investidos principalmente em tecnologia, para digitalizar ainda mais a plataforma, tornando mais rápido e simples o que já é ofertado, e desenvolvendo novas funcionalidades. Além disso, o Freto quer investir em marketing e na área comercial.
Se a ideia é subir posições no mercado, a missão não será fácil. O Brasil - país onde as cargas são transportadas majoritariamente pela via rodoviária - tem sido um terreno fértil para o surgimento de novas startups voltadas para o frete.
Em 2020, um estudo da Distrito mapeou 31 companhias que operam como marketplaces de frete no Brasil, ou 11% de todas as logtechs mapeadas. Entre as principais estão a paulistana Cargo X, que foi fundada em 2013 e tem 400 mil caminhoneiros cadastrados, e a Truckpad, que nasceu em 2014 e tem uma base de cerca de 1 milhão de motoristas.
A Truckpad, aliás, já manifestou intenção de operar em outros países da América Latina ainda em 2021, começando pelos locais onde já conta com uma presença digital, como Paraguai e Colômbia. A Cargo X, que por enquanto só atua no Brasil, também tem planos de chegar às nações vizinhas.
Hoje, o modelo de negócio do Freto é baseado em uma mensalidade paga pelos embarcadores para ter acesso a um pacote de serviços básicos, que incluem os “matchs”. Além disso, outras funcionalidades são oferecidas na plataforma, pelas quais o embarcador paga a cada vez que usa.
A startup ainda não revela números de faturamento, mas afirma que triplicou a receita em 2020, seu primeiro ano completo, e cresceu o volume em 50% no primeiro semestre de 2021. De junho até dezembro, espera dobrar o resultado. “Em 2021, queremos fortalecer a atuação no Brasil. A América Latina será assunto para 2022”, afirma Gautier.