Quando a Omie, startup que desenvolve um sistema de gestão para empresas online, estava dando os primeiros passos, o investidor Patrick Arippol recebeu o fundador Marcelo Lombardo que buscava investimentos para a empresa.
Como de praxe, Arippol, que atuava na época na DGF investimentos, analisou a companhia, entendeu o modelo de negócio da startup e ... disse não a Lombardo. “Os sistemas de gestão online eram centrais para a nossa tese, mas a barreira de entrada da Omie era como ele ia construir uma comunidade em volta dos contadores e havia outras empresas na época, como a Conta Azul e Nibo, que estavam bem capitalizadas”, relembra Arippol.
A Omie, que recebeu R$ 580 milhões em uma rodada pré-IPO liderada pelo Softbank no começo de agosto deste ano, é uma das startups que faz parte do antiportfólio de Arippol, hoje à frente da Alexia Ventures, um fundo de venture capital que ele fundou em conjunto com Wolff Klabin, da tradicional família Klabin, e que pretende captar US$ 100 milhões.
O antiportfólio, ou falso negativo como preferem alguns, são startups que poderiam ter recebido um cheque de um fundo mas que, por diversas razões, acabaram ganhando um não do investidor e depois se transformaram em um sucesso e até mesmo em um unicórnio, como são chamadas as companhias avaliadas em mais de US$ 1 bilhão.
E, para a maioria dos gestores de venture capital com os quais o NeoFeed conversou, não montar em um “unicórnio selado” quando a oportunidade aparece é pior do que ver uma startup investida ir à falência. E o motivo é muito simples. “Dar errado está na conta dos investimentos de venture capital”, diz Edson Rigonatti, sócio da Astella Investimentos. Por outro lado, a chance de uma startup se tornar unicórnio é de apenas 1%, segundo uma pesquisa da CB Insights.
Se falar das startups que dão errado ainda é um tabu, comentar sobre o antiportfólio não é também uma conversa natural no Brasil. Mesmo nos Estados Unidos, são raros os fundos que falam abertamente sobre o assunto, como o Bessemer Venture Partners, uma das gestoras mais tradicionais do Vale do Silício, que captou quase US$ 10 bilhões em 10 fundos. Em uma página na internet, a gestora conta a história de startups de sucesso que decidiu não investir, como Airbnb, Coinbase, Apple, PayPal, Zoom, Tesla e muitas outras empresas.
Mas assim como fechar a startup dá duras lições aos empreendedores, os antiportfólios ensinam também os investidores a evitar erros no futuro. “O antiporfólio nos ajuda a aprender e a recalibrar as oportunidades”, diz Arippol, que teve a chance de investir também no QuintoAndar e na Gympass, dois unicórnios brasileiros.
A lógica de um fundo de venture capital é dizer não. Das centenas de startups que batem às suas portas, 99% delas não conseguem um investimento. Mas essas gestoras também são especialistas em correr riscos controlados. Por que, então, não conseguiram enxergar que estavam à frente de um futuro unicórnio?
As razões para perder uma oportunidade de investimentos são muitas. E vão muito além de uma decisão errada. Elas passam pelo valor do cheque, por questões regulatórias, pela tese de investimento do fundo de venture capital e até mesmo pelo “valuation” da startup.
No caso de Arippol, a razão de não investir em Omie, QuintoAndar e Gympass teve a ver com o momento das empresas, que estavam dando seus primeiros passos. Na época, a DGF só participava de rodadas séries A e com cheques com valores maiores - a RD Station, vendida para a Totvs por R$ 1,8 bilhão, é um de seus acertos. Por conta disso, Arippol, agora à frente da Alexia Ventures, desenvolveu uma estratégia para não perder essas oportunidades. “Criamos um programa de seed money para fazer cheques menores”, diz Arippol.
As questões regulatórias influenciam também a decisão de um fundo de venture capital seguir ou não com um investimento. Esse foi o caso da SP Ventures, que desistiu de um aporte na corretora de criptomoedas Mercado Bitcoin em 2014, avaliada atualmente em US 2,1 bilhões depois de receber US$ 200 milhões do Softbank.
Na época, a gestora comandada por Francisco Jardim, atualmente focada em startups agrícolas, tinha mandato para investir em outras áreas, mas recuou diante da falta de regulação do setor de criptomoedas. Hoje, Jardim considera a decisão um erro. “Risco regulatório e áreas cinzentas são áreas nas quais os fundos de venture capital devem investir”, diz Jardim, citando Uber e Airbnb, que cresceram com dinheiro de capital de risco e desafiaram legislações ao redor do mundo.
A decisão errada no caso do Mercado Bitcoin fez Jardim mudar sua estratégia. “Hoje é um risco que adoramos correr”, afirma Jardim. Um dos casos é a Imprenha, que desenvolveu uma proteína que aumenta a taxa de prenhez de bovinos. A startup recebeu o investimento da SP Ventures antes mesmo de ter aprovada a patente e as certificações de autoridades sanitárias ao redor do mundo e do Brasil para poder usar a proteína. “Todo o setor biotecnológico é de um alto risco regulatório”, diz Jardim.
Não sair da tese de investimento está também por trás de decisões que levam um fundo de venture capital a perder um “unicórnio”. Rigonatti, da Astella, por exemplo, investiu em empresas bem-sucedidas como Omie e RD Station, mas disse não para o aplicativo de táxi 99, da qual não se arrepende, e para a Gympass, decisão na qual ele considera um erro.
No caso do aplicativo de táxi fundado por Paulo Veras, Ariel Lambrecht e Renato Freitas, que foi o primeiro unicórnio brasileiro, ele teve a oportunidade de investir bem no início da empresa, mas não assinou o cheque porque a startup não tinha uma estratégia de monetização. “Precisávamos de um plano mais claro”, conta Rigonatti. “E o Veras não acreditava nisso. Ele dizia que precisava criar o hábito e não cobrar. Isso ele ia fazer só mais para frente.”
O motivo de não se arrepender, diz o investidor, é porque os investimentos precisam dar certo, mas dentro da tese da gestora. “É um sinal de que a nossa visão está dando certo”, afirma Rigonatti. Sobre a estratégia da 99, ele reconhece que os empreendedores estavam certos em não ter um plano de monetização naquele momento.
A história da Gympass, atualmente avaliada em US$ 2,2 bilhões, é um pouco diferente e tem a ver com falta de foco. No começo, a startup fundada por César Carvalho vendia seus planos para consumidores e empresas. Rigonatti achava que ela devia se focar no modelo B2B, mas os empreendedores não estavam prontos para desligar o modelo direto ao consumidor. Isso foi feito mais para frente. “Foi uma interpretação errada do nosso lado”, diz Rigonatti. “Aprendemos que o empreendedor pode mudar o foco no meio do caminho e não antes.”
O antiporfólio surge também de momentos de crise. Quando atuava no private equity do JP Morgan, André Maciel, que hoje comanda a Volpe Capital e que ajudou a "criar" diversos unicórnios quando estava no Softbank, viu duas grandes crises: a asiática em meados anos 1990 e a do estouro da bolha de internet em 2000. Por essa razão, a instituição financeira decidiu olhar mais para a área de commodities e para o setor agrícola. “Tínhamos um portfólio grande e tech e consumo, na época, viraram lixo radioativo”, afirma Maciel.
Por essa mudança de foco, o JP Morgan deixou de investir na Natura, que hoje vale US$ 13,5 bilhões e é o quarto maior grupo de produtos de beleza do mundo após a compra da Avon, em 2019, atrás da francesa L'Oréal, da americana Procter & Gamble e da anglo-holandesa Unilever. “Perder a oportunidade de investimentos nos grandes campeões machuca muito”, diz Maciel. “Perder deals bons é um dos maiores erros dos fundos de venture capital e private equity.”
O lado dos empreendedores
O que significa aos empreendedores receber um não de um fundo de venture capital ou de private equity renomado? Em alguns casos, a negativa de investimento é a motivação para fazer o negócio dar certo. Em outros, o feedback recebido serve para que o modelo de negócio seja adaptado e ajustado.
“Os empreendedores recebem mais não do que sim”, diz Paulo Veras, um dos fundadores do 99 e que hoje se tornou ele próprio um investidor com um portfólio de nove startups. “Para ser empreendedor, é preciso de muita resiliência e o processo de levantar capital ajuda a exercitar isso.”
Veras diz que cabe ao empreendedor não ficar frustrado com o não. “Se realmente acredito na minha tese, vou ter de encontrar um fundo alinhado”, diz. “A Astella não via um caminho claro de receita na 99, mas eu via”. A lição, nesse caso, de acordo com Veras, é que a Astella não era o investidor certo para a 99.
Mas ele admite que é preciso ter humildade para analisar os feedbacks e incorporar o que faz sentido ao negócio. “Para mim, o não era um combustível extra para provar que eles estavam errados’, afirma Veras. “Eu tirava motivação do não.”
Foi o que fez Marcelo Lombardo, da Omie, quando ouviu um não da Arippol. “Ele desmontou toda minha tese de investimento. Eu investia em marketing digital para atrair clientes e não tinha ainda o contador no centro da estratégia”, diz Lombardo. “Ele (Arippol) não foi o cara que falou ‘aposta no contador’, mas foi quem me disse que o investimento no digital estava errado.”
Com isso, Lombardo desenvolveu uma estratégia para atrair o contador como um canal de vendas. E, depois de muitos erros, conseguiu colocar esse profissional no centro de sua estratégia de canal. “No fim, o Arippol me ajudou”, diz o empreendedor. A Omie ainda não é ainda um unicórnio, mas sem o não de Arippol, dificilmente estaria no caminho de se tornar um.