Quando assumiu a presidência do Grupo Pão de Açúcar (GPA), em abril de 2018, o executivo Peter Estermann começou a discutir com Antônio Salvador, na época vice-presidente de recursos humanos, a contratação de um profissional para cuidar da digitalização dos negócios da rede varejista.

O GPA já tinha vários projetos digitais em andamento e era pioneiro em diversas áreas (um breve parêntese: alguém se lembra do Amélia, o primeiro site de comércio eletrônico de alimentos do Brasil, que foi uma iniciativa do GPA nos anos 2000?). Mas a avaliação da dupla era de que as iniciativas atuais estavam muito dispersas e espalhadas pela companhia.

Salvador foi incumbido de buscar um executivo que tivesse a responsabilidade de cuidar de todos esses projetos internamente. Depois de diversas entrevistas com candidatos de vários perfis, que incluía desde profissionais com experiência em tecnologia até aqueles com passagens em startups, Salvador voltou com a solução para Estermann. “Eu tenho um candidato para você: sou eu”, disse ele, para surpresa do presidente do GPA.

Apesar de surpreendido, Estermann concordou. Salvador tinha experiência com tecnologia. Ele já havia trabalhado na IBM e na consultoria Pricewaterhouse, onde atuou em projetos que envolvia implementação de softwares empresariais como SAP e Oracle. Logo depois, migrou para a área de recursos humanos e estava há seis anos no GPA cuidando da área de RH. “Se trouxéssemos alguém de fora, ele teria dificuldade de adaptação”, afirmou Salvador ao NeoFeed. “Esse é um processo de mudança cultural muito grande e a pessoa que iria cuidar dessa nova área precisava exercer uma liderança muito forte.”

Deste setembro do ano passado, Salvador é o Chief Digital Officer (CDO) do GPA. Na prática, o executivo cuida de toda o processo de transformação digital e de comércio eletrônico do grupo varejista brasileiro, controlado pelo francês Casino. É uma função nova, que começa a ganhar adeptos no universo corporativo brasileiro, mas que já está consolidada em grandes empresas mundo afora.

Os primeiros profissionais a ostentarem o cargo de Chief Digital Officer datam de 2008. Na época, estimava-se que não havia 10 pessoas com esse título no mundo. Em 2010, o número quintuplicou, chegando a 50 executivos globalmente. Em 2015, o número subiu para mais de 2 mil. Em 2017, um estudo da Strategy@ (PWC) descobriu que 19% das grandes empresas globais já tinham um executivo para cuidar da transformação digital nos seus quadros. Mais: 60% deles foram contratados depois de 2015.

Não há dados sobre a adoção do cargo no Brasil. Mas uma rápida busca no LinkedIn mostra que a sigla CDO começa a aparecer timidamente no currículo dos profissionais que acessam a rede social profissional. “O Chief Digital Officer é uma função muito nova e as empresas de headhunters só começaram a recrutar com mais frequência no mercado brasileiro há dois anos”, afirma Mario Custódio, diretor da área de Executive Search da Robert Half. “Ele é um profissional que precisa ter uma visão muito ampla de negócios associada à liderança. Não pode ser só brilhante tecnicamente.”

Antônio Salvador é Chief Digital Officer do Pão de Açúcar desde setembro do ano passado

O Chief Digital Officer tem seis atribuições principais, segundo especialistas ouvidos pelo NeoFeed. A principal delas é implementar a estratégia digital da companhia. Ele é também uma espécie de agente dessa transformação, fazendo a integração com todas as demais áreas. Além disso, cabe a esse profissional pesquisar novos canais de marketing e novos modelos de negócios. Ele deve também ajudar na expansão do ecossistema digital dentro da empresa, estabelecendo conexões com startups e associações. Outra competência é desenvolver internamente os talentos digitais. E, por fim, fazer tudo isso com métricas que garantam o retorno do investimento.

Além de Salvador, no GPA, o NeoFeed conversou também com Andrea Iorio, que assumiu o cargo na divisão de produtos profissionais na fabricante de cosméticos L'Oréal em outubro do ano passado, e Venâncio Velloso, recém-contratado como Chief Digital Officer pela corretora Genial Investimentos.

Os dois, ao contrário do executivo do GPA, são advindos de startups. Iorio foi CEO do aplicativo de relacionamentos Tinder. Velloso atuou na Amazon Brasil na área de marketplace – antes, ele fundou o Webpesados, um portal para venda de máquinas pesadas. Em comum, ambos têm vasta experiência em comércio eletrônico e em internet.

Eles, no entanto, estão dando os primeiros passos na nova função. Iorio, por exemplo, está trabalhando em projetos de omnichannel na L'Oréal , integrando os canais de venda online e offline. Além disso, está desenvolvendo uma estratégia de captação e mineração de dados sobre o comportamento das consumidoras da marca. “Com o crescimento da inteligência artificial conseguiremos personalizar a experiência digital para qualquer pessoa”, diz Iorio.

A Genial Investimentos, por sua vez, está começando um projeto de longo prazo. “A ideia é transformar a empresa em uma fintech”, diz Velloso, que está desenhando a estrutura e o plano no qual irá trabalhar. “O foco é transformar os processos, tornando-os mais ágeis e digitais”, afirma o executivo.

Dados estratégicos

Enquanto L'Oréal e Genial Investimentos estão começando a estruturar a área digital, Salvador, do GPA, já conta com um grande legado de iniciativas nessa área. Ele, apesar de estar apenas há nove meses no cargo de Chief Digital Officer, está acelerando uma série de projetos.

Quando assumiu a função, a primeira tarefa foi organizar o novo departamento. O trabalho durou quatro meses. Salvador ficou responsável pela área de CRM, em que coleta dados digitais dos clientes para gerar insights e produtos digitais. Nela, estão o Pão de Açúcar Mais e o Clube Extra, programas de fidelidade do GPA. Outra área administrada pelo CDO do GPA foi a do comércio eletrônico, que inclui o site e o aplicativo. E, por fim, ele cuida também da área de tecnologia.

Com a estrutura definida, Salvador partiu para a estratégia. Uma delas é a aproximação com startups que resolvem o que executivo chama de “a dor” dos clientes do Pão de Açúcar e que atendam “pedaços da cadeia de valor do varejo”. Para isso, o GPA fez parceria com a Liga Retail, uma empresa que ajuda a selecionar e descobrir essas empresas iniciantes.

Foi por meio dessa estratégia, que o GPA comprou uma participação minoritária na Cheftime, uma startup que tem um serviço de assinatura e venda avulsa de kits gastronômicos. Salvador afirma que se a empresa cumprir determinadas metas, o objetivo é adquirir 100% de seu controle. “Não somos como um fundo de venture capital que só quer ganhar dinheiro”, diz Salvador.

Um exemplo do que diz Salvador é a James Delivery, um aplicativo de encomendas e entregas de produtos, que concorre com a colombiana Rappi e a brasileira Loggi, comprado no ano passado pelo GPA. No começo de abril, o app chegou à cidade de São Paulo e o plano é levá-lo para dez cidades ainda em 2019. “Se eu terceirizar a operação de entrega, começo a perder os dados e a jornada do meu cliente”, afirma Salvador. “Esses dados são estratégicos.”

Os dados não são apenas estratégicos. São também uma mina de ouro. E o GPA tem consciência disso. Observe o exemplo do Meu Desconto, um recurso do aplicativo Pão de Açúcar Mais. Por meio dele, os fornecedores da rede varejista podem ofertar descontos personalizados aos clientes. “A indústria consegue ser mais assertiva nas ofertas”, diz Salvador. No futuro, os planos do GPA são vender essas informações para a indústria. “Estamos aperfeiçoando a plataforma”, afirma o executivo, ressaltando que os dados nunca são individualizados e preservam a privacidade do cliente.

As lojas do Pão de Açúcar também estão passando pelo processo de transformação digital. Novos formatos estão sendo testados para facilitar a vida do consumidor. Um deles é o pré-escaneamento dos produtos, onde um operador equipado com um leitor móvel registra todos os itens, retirando e colocando as compras no carrinho novamente. Depois, ele fornece um QR Code ao consumidor que paga a conta no autoatendimento.

Outra novidade em teste é o “Shop and Go”. Nessa modalidade, o consumidor faz a compra na loja física e pede para que seja entregue em sua casa em até quatro horas. O pagamento é feito no momento que o consumidor recebe o pedido no endereço informado. “A jornada do cliente tem de ser simples e precisa ser do jeito que o cliente quiser.”

A estratégia é ser agnóstico nos canais, oferecendo ao seu consumidor todas as alternativas. O GPA tem clientes que só compram na loja física. Há outros que só acessam o site de comércio eletrônico. A grande descoberta feita por Salvador, ao analisar os dados, é que aquele que compra online e na loja física tem uma cesta mensal que é o dobro da dos demais. “Isso só mostra a importância da 'ominicalidade'”, diz o executivo, referindo ao fato de ofertar diversos canais de contato com o cliente. Mostra também que a relevância dos investimentos para transformar seus negócios digitalmente.

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