Homem versus máquina. Essa discussão que está presente em várias áreas do conhecimento e segmentos de negócio agora chegou na gestão de ativos financeiros. Nessa nova realidade, os gestores ativos (também chamados de discricionários) vão perder espaço.

Com isso, a velocidade de execução da máquina tende a diminuir as assimetrias que permitem os ganhos acima da média de mercado. Apenas o "dedo do gestor" para entregar retornos consistentes aos investidores é uma realidade com os dias contados. Isso é o que demonstra uma pesquisa realizada pela gestora americana Franklin Templeton, que tem US$ 1,6 trilhão sob gestão.

Realizada entre março e agosto de 2023, a pesquisa entrevistou 83 líderes de organizações financeiras nos Estados Unidos, Europa e Ásia representando mais de US$ 45 trilhões de ativos sob gestão para lançar o estudo “Industry Advisory Services Annual Survey”, que o NeoFeed teve acesso com exclusividade no Brasil.

“O que vemos é que estamos no início de uma mudança significativa da indústria. É preciso entender como estar preparados para essas tendências e as novas demandas dos investidores em todas as partes do mundo”, afirma Marcus Vinicius Gonçalves, presidente da Franklin Templeton no Brasil, ao NeoFeed.

Uma das conclusões do estudo é que os fundos de investimento, que foram uma revolução como veículos de investimento no fim do século 19 ao abrigar milhares de investidores sob uma estratégia criada por um gestor em busca de alfa, irão perder cada vez mais espaço para novos "embrulhos" (wrappers, em inglês). Não só para os ETFs, como para veículos digitais, os tokens.

Nesse cenário, não só o número de gestores ativos será menor no futuro, como eles terão de usar tecnologia para serem mais eficientes. A revolução partiria da gestão de portfólios. Majoritariamente, as carteiras serão geridas por instrumentos indexados eficientes que possam ser recomendados por robôs de acordo com objetivos e perfil de investimento após leitura de questionário aplicado.

Isso será possível com o avanço da tecnologia, como a inteligência artificial, permitindo que o investidor comum tenha portfólios de investimento cada vez mais customizados aos objetivos individuais, como hoje as grandes fortunas têm de forma mais artesanal.

Com o mesmo princípio, os robôs também poderão gerir carteiras administradas e recomendar produtos tokenizados, que ganharão espaço nos portfólios.

Esse movimento começou a se materializar em fevereiro deste ano. Pela primeira vez, a indústria global de fundos passivos passou a de fundos ativos em total sob gestão, com US$ 15,2 trilhões contra US$ 14,3 trilhões.

Essa foi uma consequência esperada da falta de capacidade da indústria de fundos ativos de produzir retornos maiores que o benchmark. O ano passado foi o 14º ano seguido que mais de 50% dos fundos ativos nos Estados Unidos não conseguiram bater o S&P 500. Apenas 40% da indústria conseguiu algum retorno superior ao índice em 2023. E apenas 15% o fizeram em 2021 e 13% em 2014.

Essa diferença só deve aumentar, deixando a gestão ativa bem menor do que é hoje. Como consequência, o mercado de assets tem se consolidado. Onde a gestão ativa tem mostrado o seu valor são em mercados alternativos, segmento que tem crescido pelo próprio impulso das grandes gestoras para gerar margens maiores que as possíveis com veículos passivos e garantir uma rentabilidade melhor para o negócio. A própria Franklin Templeton fez diversas aquisições de assets alternativas nos últimos anos, como a Alcentra, a Putman e a Lexington Parterns.

“Tudo o que aconteceu lá fora acontece aqui no Brasil, mas com uma defasagem de 20 anos. Lá fora, os investidores compram ETFs para ter o beta e os alternativos é que geram o alfa. O crescimento dos ETFs comprimiu as margens das assets, que se seguraram em um mercado privado e menos líquido”, diz Gonçalves.

No Brasil, os ETFs nem chegam a 1% do mercado. O mercado nacional ainda vive um modelo de gestão de portfólio chamado de modern portfolio theory, que foi criado na década de 1970 e se caracteriza pela escolha dos melhores gestores ativos capazes de gerar alfa, principalmente em ações e na renda fixa.

O que o estudo da Franklin Templeton mostra é que o modelo de gestão crescente no mundo desenvolvido, com uso majoritariamente de veículos indexados para gerar alfa, em abordagens como style-box e factor index funds (estratégias que contam cada vez mais com a ajuda de tecnologia para serem montadas) já estaria se aproximando do fim para o início de uma nova abordagem.

E o que seria essa nova abordagem? As grandes gestoras estão deixando de ser apenas “fabricantes de produtos” para trazer soluções de investimento para agregar valor em um mundo em que o retorno em fundos vai se transformando em commodity.

O grande ativo das assets para serem competitivas passará a ser plataformas tecnológicas proprietárias que usam computação em nuvem, processamento de big data e ferramentas de inteligência artificial (IA) - e não apenas um gestor genial.

As principais e maiores gestoras de ativos vêm construindo plataformas de investimento mais científicas. Com uma quantidade maior de dados, elas podem avaliar os fatores que impulsionam os retornos, otimizar as etapas do processo da equipe de investimento e reunir abordagens quantitativas e fundamentais para criar novos insights de investimento e gerar alfa.

Mas só entregar o retorno já não é o bastante. É preciso ter uma gama de tecnologia de valor agregado ou ofertas relacionadas a serviços e até mesmo a capacidade de customizar portfólios e otimizar a tributação dos recursos. Em um mundo que entende que o retorno é “commodity”, essas ferramentas extras fazem a diferença na hora de um wealth management escolher entre uma ou outra gestora.

Ativos digitais, investimento alternativo

O mundo espera uma transição recorde de riqueza de US$ 87 trilhões de baby boomers (nascidos entre 1945-1964) para as gerações X (nascidos entre 1965-1981) e Millennial (nascidos entre 1982-1995) até 2045, pondo a demanda deles em perspectiva e transformando o mercado como o conhecemos.

Essa nova geração de investidores de varejo chega interessada em produtos alternativos que a maioria das assets estão alheias: os digitais. É na esteira desse movimento que crescem as neocorretoras, como a plataforma Robinhood, que têm trazido uma abordagem que remete a investimentos em jogos virtuais com customizações que devem gerar novos modelos de gestão, e, assim, exigir outras ferramentas dos assets managers.

Com essas neocorretoras, os mercados avançados estão sendo invadidos por modelos que possibilitam que o pequeno investidor possa investir em ativos digitais pelo seu smartphone. Os  criptoativos e non-fungible tokens (NFTs) estão sendo usados por essas corretoras para comporem portfólios, que são majoritariamente de ETFs.

“No passado montava-se a carteira pelo risco e retorno. Agora, as pessoas estão se importando com o retorno não-financeiro. As pessoas querem investir em coisas que acreditam. E as neocorretoras atendem isso. No futuro, se você comprar em um supermercado, você poderá investir em ações dele e ganhar cashback para gastar nele. O seu portfólio e a sua vida vão ser a sua carteira. As gerações são, cada vez mais, curto prazistas”, afirma o presidente da Franklin Templeton no Brasil.

É verdade que, hoje, as neocorretoras são menos de 3% do mercado, mas elas estão crescendo rapidamente e entendem o novo investidor. Um estudo do Instituto Finra/CFA de 2022 descobriu que as criptomoedas eram o ativo predileto de 56% dos investidores da Geração Z (nascidos entre 2000-2010). Eles e os Millennials eram mais propensos a investir em criptoativos e NFTs do que os investidores de gerações anteriores.

Essa nova geração não quer um portfólio com o qual ela não se identifique. Assim como as grandes fortunas querem portfólios customizados para as suas demandas e gostos, esse investidor de varejo também quer. E só o advento da tecnologia é capaz de fazer isso em larga escala.

O portfólio do futuro provavelmente será construído de acordo com as necessidades de cada indivíduo, que podem ir além das necessidades financeiras para abranger as necessidades sociais e pessoais, ajudando a fazer com que o investidor se sinta mais alinhado com a sua carteira.

A tokenização deve permitir a inclusão de novas opções de investimento no portfólio, como bens culturais: arte, música, jogos, cinema, moda e itens colecionáveis. Os investimentos podem ser estruturados para oferecer vantagens, benefícios ou recompensas especiais, como descontos, acesso a comunidades ou eventos especiais ou o direito de receber mercadorias exclusivas.

Ter um portfólio que inclua essas ofertas deve reposicionar a importância da carteira de investimentos de algo que fica à margem da vida de um investidor para um facilitador chave das suas atividades cotidianas, e não apenas uma poupança para um incerto futuro.

Nesse cenário, um gestor que gera um resultado pouco acima do benchmark no longo prazo pouco importa. Até porque a simples ideia de seguir um benchmark pode não fazer mais sentido no futuro. A tecnologia poderá criar um index pessoal a ser seguido de acordo com as necessidades e preferências do investidor.

“No futuro, cada investidor vai querer seguir o seu index e não o Ibovespa ou o S&P 500. Da mesma forma que cada um tem uma inflação diferente, porque a alta de preço de alguns produtos pesa mais que outros para cada realidade”, afirma Gonçalves.

Para que bolsa?

Outra mudança esperada é com os ativos listados em bolsa. O futuro reserva um caminho diferente. Segundo o estudo, haverá uma quebra de paradigma com a possibilidade de tokens virem a ser um meio de captação de empresas menores. E, talvez, um mercado que necessite uma gestão mais manual e mesmo ativa dos gestores.

Neste ponto, o interessante é que o Brasil, mesmo atrasado na evolução do mercado financeiro líquido e de ETFs, tem uma aderência rápida à tecnologia e está na vanguarda de alguns desenvolvimentos de criptoativos.

“Se fala muito que o Brasil não tem uma bolsa representativa, mas é porque tem poucas grandes empresas. Mas é um país empreendedor que tem várias pequenas empresas, que podem levantar seus tokens”, diz Gonçalves. “O Brasil poderá ter uma bolsa ativa de tokens sem ter desenvolvido como se esperava a bolsa de valores. Da mesma forma que há muitos investidores de bitcoin que nunca investiram em ações.”

O que vai acontecer ao certo, e quando exatamente, só o futuro dirá. Mas o presente já dá pistas que não devem ser ignoradas para os que querem estar entre os vencedores na nova ordem dos investimentos.