As debêntures incentivadas registraram um crescimento de 214% no total sob gestão em 2024, triplicando de tamanho e atingindo R$ 207 bilhões, de acordo com um levantamento da Quantum Finance preparado com exclusividade para o NeoFeed. Foi a maior alta relativa de uma classe de fundos no período.

As emissões foram recorde em 2024 e atingiram R$ 135 bilhões em 2024, o dobro do registrado no ano anterior. Um conjunto de fatores elevou a demanda do mercado por esses papéis e acelerou o crescimento desses títulos.

E ao que tudo indica, esse foi só um empurrão para mais crescimento adiante. Em conversa com sete gestoras de debêntures incentivadas para entender quais são as perspectivas para essa classe de fundos, todas são unânimes em dizer que mudanças estruturais possibilitaram que, após mais de 10 anos no mercado, esse instrumento finalmente se tornasse relevante e ocupasse o espaço que foi pensado para ter no desenvolvimento da infraestrutura nacional.

Alguns fatores específicos, como o aumento da demanda com a taxação dos fundos exclusivos em 2023, que levou os donos de grandes fortunas a buscarem formas mais eficientes de alocação de capital, em especial ativos isentos, e a restrição ao lastro de outros isentos (LCI/LCA), impulsionaram a demanda por fundos de debêntures incentivadas no ano passado. O que não se repetirá novamente este ano.

Mesmo assim, espera-se um crescimento de cerca de 50% em 2025, o que vai fazer o total sob gestão ultrapassar os R$ 300 bilhões. E a perspectiva é que a expansão dessa classe de fundos se mantenha nesse mesmo nível nos próximos anos - a média foi de 45% em 2022 e 2023.

A criação de produtos listados e exclusivos para grandes fortunas ajudou a aumentar o número de fundos específicos em 183% no ano passado, chegando a 1.383 no total, segundo levantamento da Quantum Finance. Um exemplo é a Bradesco Asset, que cresceu 300% no segmento e chegou a R$ 16 bilhões sob gestão, com o lançamento de novos produtos.

“Recebemos muita demanda do nosso private para estruturar fundos exclusivos de debêntures incentivadas como forma mais eficiente desse cliente alocar. E, apostando no crescimento dessa classe, listamos o BINC11 em setembro para alcançar o varejo”, afirma Victor Tofolo, gestor de crédito privado da Bradesco Asset.

O mercado espera que o número de fundos continue crescendo neste ano, com alguns fundos exclusivos ainda sendo desmontados e com grande chance de se optar em ter uma estrutura dedicada de debêntures incentivadas, e com mais fundos listados indo a mercado.

A Capitânia, com R$ 19 bilhões sob gestão, sendo R$ 2 bilhões apenas em debêntures incentivadas, é uma das gestoras independentes que vai concentrar a expansão em fundos listados e exclusivos.

“Estamos analisando novos fundos fechados em infra, que é um instrumento interessante que permite dar liquidez sem comprometer a estratégia de investimento, e assim fazer emissões de cotas para o público de private bank e wealth”, afirma Arturo Profili, sócio-fundador e gestor Capitânia.

A Sparta vai seguir esse mesmo caminho. A gestora liderada por Ulisses Nehmi cresceu de R$ 10 bilhões para R$ 17 bilhões o total sob gestão total, sendo que os fundos incentivados passaram de R$ 2 bilhões para R$ 7 bilhões.

“Começamos a receber muito capital e fechamos dois fundos porque resolvemos selecionar nosso passivo para quem de fato quer estar no longo prazo e não quer correr o risco de ter problemas de liquidez com investidores oportunistas”, afirma o CEO da Sparta.

O que também beneficia a demanda para essa classe de ativo é que os juros estão bem altos, o que não só atrai os investidores para a renda fixa como amplia o benefício tributário. E enquanto outros ativos estão com uma sombra de taxação pelo governo, as debêntures incentivadas parecem ilesas por serem estratégicas.

"Prevemos um fluxo de captação para esses fundos este ano na mesmo intensidade. O benefício fiscal fica ainda mais atrativo a um IPCA+7,5%, o que dobra o patrimônio em termos reais e líquidos do cliente a cada cinco anos. É muito difícil bater essa rentabilidade", afirma Vinícius Romero, sócio e portfólio manager da XP Asset.

Pipeline de emissões

Enquanto as LCI/LCAs e CRI/CRAs tiveram restrição ao lastro pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) no ano passado, as debêntures incentivadas ganharam mais fôlego do governo com novas áreas podendo usar o benefício, como geração de energia, saúde e educação. A sinalização positiva levou os investidores a ampliar a procura.

São essas mudanças regulatórias que fizeram a emissão de debêntures incentivadas dobrar e alcançar o recorde de R$ 135 bilhões. Neste ano, espera-se um pipeline menos robusto em razão de muitos emissores terem antecipado captações em razão dessa boa janela.

“Com as mudanças do CMN, muitas empresas que não precisavam captar foram a mercado aproveitando que os spreads estavam muito comprimidos”, afirma Michelle Lauande, gestora de fundos de infraestrutura da Santander Asset Management, que detém R$ 7 bilhões em seis fundos de infraestrutura.

“A verdade é que como entrou muito dinheiro nos fundos, precisamos comprar para não nos desenquadrar. Mas não vamos aceitar essa falta de prêmio”, complementa.

Pelo menos neste primeiro semestre, as empresas estarão mais cautelosas para emitir em razão da alta dos juros - a NTN-B, que baliza esse mercado, esta na casa de IPCA+ 7,5% ao ano.

Por outro lado, os leilões de infraestrutura estão a todo vapor. Espera-se em breve emissões de novos papéis para financiar leilões de transportes (já são 15 anunciados).

“As captações serão menores, mas não quer dizer que não serão fortes. Há muitas concessões e as debêntures de infra são a melhor forma de financiamento. Esperamos emissões ainda no primeiro trimestre, mas algumas podem esperar o fim do ano ou o início de 2026 para uma acomodação maior das taxas de juros”, diz Lauande.

Ainda há um déficit enorme de investimentos no País. Segundo dados da Associação Brasileira da Infraestrutura e Indústrias de Base (Abdib), em 2024, foram investidos R$ 259 bilhões em infraestrutura, mas a necessidade era de R$ 503 bilhões.

O mercado de capitais vem cada vez mais sendo protagonista neste tipo de funding, em especial os fundos de debêntures incentivadas. Segundo levantamento da Icatu Vanguarda, com dados da Anbima, em 2018, a participação dos fundos no investimento em projetos de infraestrutura foi de 5%. Em 2021, subiu para 20% e hoje já é de 40%.

“A indústria de fundos incentivados se desenvolveu e isso é muito importante para o Brasil. As debêntures incentivadas estão finalmente ganhando protagonismo no financiamento de desenvolvimento do Brasil”, diz Bernardo Schneider Goulart, CEO da Icatu Vanguarda.

“Esperamos que podemos chegar até 70% de participação nesse funding via fundos. Um instrumento mais profissional para casar a demanda da pessoa física com a complexidade e importância desses projetos de longo prazo”, complementa.

Indústria madura para crescer

Os fundos de debêntures incentivadas surgiram há cerca de 10 anos após a Lei 12.431 de 2011, que criou as debêntures incentivadas com isenção de Imposto de Renda para a pessoa física. A estrutura do fundo especializado foi criada por regulação para manter a isenção de imposto mesmo no investimento indireto (via fundo), ajudando o pequeno investidor a participar desse mercado e a conseguir diversificar. O que não é possível em outros fundos de crédito.

Os títulos de debêntures incentivadas são de longuíssimo prazo, podendo chegar a 20 anos. Eles são indexados ao IPCA mais uma taxa fixa, o que gera muita oscilação com as marcações a mercado nos fundos.

No início, isso afugentava muitos investidores desavisados, que saíam no pior momento e deixavam o gestor com um problema para gerar liquidez e honrar os pedidos de resgates. Com isso, os fundos foram ganhando uma carência maior - hoje muitos são D+90 - e não cresceram muito em seus primeiros anos.

Nos últimos anos, essa variável foi vencida com a introdução de fundos hedgeados das oscilações do mercado, algo possível com o surgimento de um derivativo. Atualmente, a maior parte da indústria é "protegida", seja totalmente ou parcialmente. O que torna o fundo indexado ao CDI, algo vantajoso tanto para o varejo como para clientes de grandes fortunas.

“Temos um fundo completamente hedgeado e outro que é até 60% e dobramos de tamanho neles neste ano. A maior demanda veio de wealth, mas de varejo também. Vemos todos buscando prêmio em crédito privado, mas se ele é incentivado melhor ainda”, afirma Rafael Zlot, CIO da Genial Investimentos.

Outra mudança estrutural na indústria foi o ganho de liquidez dos papéis ao longo do tempo, que hoje são mais líquidos que os das debêntures tradicionais, tornando o mercado secundário muito dinâmico e permitindo às gestoras fazer uma gestão mais ativa, encurtando durations e diversificando mais o portfólio sem depender tanto do mercado primário.

Segundo dados da Anbima, o mercado secundário de debêntures incentivadas alcançou o volume recorde de R$ 254,7 bilhões entre janeiro e novembro de 2024, quase o dobro em relação ao registrado em 2023 completo. Cerca de 85% do estoque das incentivadas foi negociado em 2024, enquanto em 2023 foi de 58%.

A Bradesco Asset, por exemplo, foi responsável por negociar quase R$ 10 bilhões desse volume. “A pessoa física ao comprar direto tem o viés de comprar e ‘sentar’ no papel. Mas a gestão ativa aproveitando ciclos de alta e baixa, traz retornos muito maiores. E com a diversificação dos ativos, já é possível fazer várias estratégias diferenciadas visando alpha. E devem surgir ainda mais”, afirma Tofolo.

Foi devido a essas mudanças que a Icatu Vanguarda, com cerca de R$ 50 bilhões sob gestão, resolveu apostar na classe de fundos e hoje tem R$ 2 bilhões nesta classe de ativos.

“Gostamos de ter produtos atemporais, e nos últimos anos fomos devagar por não ter certeza se o produto e passivo iam se casar. Mas hoje já temos nove fundos que têm estratégias diferentes e vemos que o potencial de crescimento é gigantesco”, afirma Goulart.

Segundo dados da Quantum Finance, os 10 melhores fundos de entre 1º de janeiro de 2024 a 25 de janeiro deste ano tiveram um retorno médio de 18%, enquanto o CDI rendeu 11,7% no mesmo período.