Após altas generalizadas no mercado de crédito privado, provocadas por fluxos recordes para essa categoria no ano passado, os gestores precisarão ser mais seletivos — e, talvez, mais ousados — para garantir retornos expressivos a partir de agora. Essa é a avaliação de Sami Karlik, head de crédito da Tivio Capital, gestora pertencente ao BV e Bradesco, com R$ 22 bilhões sob gestão, sendo R$ 9 bilhões em crédito.
“Como teve uma grande compressão nos spreads em 2024, agora muitos ativos não têm mais aquela ‘gordura’ que oferecia margem de segurança. Então, você precisa selecionar muito bem. Em momentos de incerteza, o mercado corre para os ativos de mais qualidade, e isso comprime demais os spreads”, afirma Karlik, em entrevista ao NeoFeed.
Nesse contexto, o varejo, deixado de lado desde a crise das Americanas, entrou ao radar da Tivio Capital como uma das apostas para capturar ganhos nesse mercado. Para Karlik, o setor ainda tem preços atrativos.
"Tem algumas empresas que estão bastante descontadas e que ainda estão pagando muito spread. O pessoal ficou muito machucado com Americanas e não queria nem escutar sobre o varejo. Mas é um setor que tem algumas oportunidades, mesmo com o fechamento generalizado dos spreads. Claro que é preciso olhar caso a caso”, diz ele.

Segundo o head da Tivio, o varejo está entre os setores que mais devem se beneficiar da queda dos juros reais, que é uma das teses da casa. “Nos últimos 20 anos, as NTN-B de 25 e 30 anos só estiveram acima de 7,5% em 5% dos períodos — como no impeachment e na pandemia."
Outros setores sensíveis a crédito e que dependem de financiamento também devem se beneficiar, segundo o gestor, como o automotivo.
Além do efeito setorial, Karlik prevê um cenário particularmente favorável aos títulos atrelados à inflação, como os papéis de infraestrutura, e os fundos com benchmark no IMA-B5. “Esses indicadores devem se beneficiar quando a curva de juros reais começar a fechar. Ainda é cedo para dizer, mas em algum momento esse movimento vai acontecer, e esses fundos devem capturar esses ganhos.”
Por outro lado, Karlik demonstra maior cautela com o setor de concessões rodoviárias, considerado defensivo por muitos investidores. Um estudo da sua equipe apontou que as empresas do setor viram sua relação caixa/dívida de curto prazo recuar de 204%, em 2023, para 123% no ano passado. Segundo ele, diferentemente de outros segmentos, essas concessionárias não aproveitaram o boom do crédito privado para alongar suas dívidas, o que deteriorou seus indicadores de liquidez.
“Eu gosto do setor de concessão. Acho que tem um marco regulatório bem sólido aqui no Brasil. Mas esses números soam um alerta geral.”
Crédito mais exigente
Embora não veja um risco de crédito relevante para os emissores de melhor qualidade, Karlik alerta que um processo mais intenso de queda nos juros pode afetar a precificação desses papéis — e, consequentemente, a rentabilidade dos fundos. “Isso é até meio contraintuitivo. Mas quando o CDI sobe, o fluxo para fundos de crédito aumenta muito e acaba dominando a questão dos fundamentos das empresas. Com os juros em queda, o spread teria que ser maior para remunerar melhor o investidor.”
No setor de transmissão de energia, considerado o mais seguro pelos investidores, os títulos de longo prazo estão pagando spreads próximos de 0,7% sobre o CDI. “É pouco, mas nominalmente ainda entrega uma taxa alta, então continua tendo demanda.”
Até agora, no entanto, a realidade tem sido oposta. Com o CDI no maior patamar em quase duas décadas, a alocação em crédito privado não para de crescer. Dados da Anbima mostram que, em março, os fundos tinham R$ 636,33 bilhões investidos em debêntures — o maior nível da série histórica e 48%.