Em uma crise que já dura quatro anos, os fundos multimercados acumulam resgates de R$ 693 bilhões desde 2021, segundo dados da Anbima. No período, gestoras tidas como intocáveis encolheram em dezenas de bilhões de reais. Uma casa, no entanto, tem feito o caminho inverso e conseguido brilhar em meio a essa tempestade histórica.
Com pouco mais de uma década, a Absolute Investimentos vem mantendo seu crescimento ano após ano, expandindo para novas áreas e consolidando sua principal frente — os fundos multimercados — como referência na indústria. A gestora, que em 2016 tinha apenas R$ 1 bilhão de patrimônio, soma hoje R$ 54 bilhões. O maior salto, porém, veio justamente nos últimos quatro anos, período em que a Absolute aumentou seu volume sob gestão em R$ 30 bilhões.
Parte desse incremento veio da área de crédito, lançada em 2022, que já responde por R$ 21 bilhões. Outra parte se explica pelo desempenho consistente da casa, mesmo em meio à instabilidade do ambiente macroeconômico. “Não somos um fundo para fazer home run, que vai ser o melhor do semestre. Mas, no efeito composto, nos propomos a estar entre os melhores fundos”, afirma Tiago SantAnna, CEO e sócio-fundador da Absolute, em entrevista ao NeoFeed.
De perfil reservado, os fundadores evitam ao máximo dar entrevistas — justificam que, muitas vezes, estão na ponta contrária do mercado. Mas, com o retorno chamando atenção — e até rendendo premiações —. fica difícil se manter por tanto tempo longe dos holofotes.
Maior fundo da casa, o multimercado Vértex acumulava uma performance de 5,05% no ano até o fim de abril, o equivalente a 124% do CDI. Desde 2016, o retorno é de 202% para o cotista — ou 168% do CDI no período. Embora não seja agressivo, SantAnna destaca que o controle de riscos é uma das maiores armas para vencer nesse campo de batalha.
“Nosso perfil de gestão é de evitar perder dinheiro, que é o que funciona para o investidor. A aversão à perda é muito assimétrica em relação ao ganho. Então, o caminho importa. Não é só o resultado”, diz ele.
Para mitigar riscos, a Absolute ajusta o tamanho das posições conforme muda a simetria entre risco e retorno. Quando o mercado já precifica determinado cenário, a gestora reduz a exposição ou migra para instrumentos com perda limitada, como opções. Também evita brigar com o mercado: se os preços caminham na direção contrária, a posição é zerada rapidamente.
No pior ano, em 2020, o Vértex entregou um retorno de 3,82%, superando o CDI em 39%. Desde o início, o fundo só perdeu para o benchmark em dois anos — o mais recente foi 2024, quando rendeu 9,24%, ou 85% do CDI. Em quase uma década de vida, jamais fechou um ano no vermelho.
Limitar as perdas em eventuais erros é um mecanismo importante de proteção. Mas foram os acertos que levaram o fundo ao estrelato. Uma das apostas que alavancou a Absolute foi a leitura, em 2023, de que a economia americana continuaria forte, na contramão do consenso que previa recessão. O S&P 500 fechou aquele ano com alta de 24%, gerando perdas para os vendidos e impulsionando os ganhos da casa.
O Vortéx é parte de uma família de sete fundos macro, incluindo suas versões de previdência. Com R$ 28 bilhões sob gestão, a divisão é a maior e mais antiga da casa, junto com as estratégias de arbitragem, que hoje representa R$ 400 milhões em investimentos.
Ao longo do tempo, a gestora foi adicionando novas famílias de fundos, sempre organicamente, começando de dentro de casa. A primeira expansão, em 2018, foi em fundos de ações, que hoje gerem R$ 4 bilhões. Na área de crédito, iniciada em 2022, já são R$ 22 bilhões sob gestão.
A diversificação de produtos, segundo SantAnna, permite maior equilíbrio de receita. Quando o juro sobe, cresce a demanda por fundos de crédito e, quando cai, é para os multimercados e de ações que o investidor vai.
“Enquanto o juro permanecer elevado, é inevitável o crédito continuar atrativo e não ter tanto apetite por ativos de risco, como multimercado e ações. Mas o Brasil não vai ficar com esse patamar de juro por muito tempo.”
Com uma equipe de 60 pessoas, a Absolute rejeita a ideia de um ‘one man show’. Mas, nessa orquestra em que cada integrante importa, o CIO (chief investment officer) Fabiano Rios é quem dita o tom. Rios é classificado pela indústria como um gestor “top-down”, que parte da macroeconomia para então definir as alocações que melhor traduzem sua visão de mundo.
Sócio-fundador ao lado de SantAnna, Marcio Kalil e Renato Botto, Rios foi apresentado a SantAnna por um alocador que sabia da intenção de ambos em abrir uma nova gestora. O nome escolhido remete a um fundo que o CIO comandava na Claritas — casa comprada em 2012 pela americana Principal.
Para eles, o nome carregava também o conceito de “retorno absoluto”, comum no jargão do mercado para fundos que buscam rentabilidade em qualquer cenário.
“Não acho que seja necessário um mercado de tendências para o gestor ganhar mais dinheiro, embora seja mais fácil”, disse Rios, em evento recente com investidores da TAG Investimentos. O mais importante, segundo ele, é ter uma equipe multidisciplinar e complementar.
“Os fundos que são vencedores no curto prazo têm em comum a diversidade da equipe — com gente capaz de capturar a abertura da curva de juros, a alta da bolsa americana. Não necessariamente serão as mesmas pessoas. Essa é uma condição quase necessária para que isso aconteça”, complementou Rios.
Todas as manhãs, a Absolute reúne toda a equipe para discutir os principais eventos macroeconômicos e suas possíveis implicações nos mercados. As ideias que surgem nas diversas áreas da casa, como crédito e ações, ajudam a calibrar melhor as alocações dos fundos macro.
“A equipe de bolsa, por exemplo, olha muito para os fundamentos das empresas. Mas está inserida num ambiente que respira macroeconomia — discute taxa de juros, Selic, cenário político e externo. Isso dá mais informação. São fundos de ações que acabam sendo melhores do que seriam se estivessem sozinhos, como em uma boutique de equities”, diz SantAnna.
Menos EUA na carteira
Ao contrário de 2023, a visão da Absolute para este ano é mais pessimista em relação ao mercado americano. Embora os principais índices de Nova York tenham se recuperado das perdas causadas pelas incertezas do “tarifaço” de Donald Trump, a gestora acredita que investidores globais seguirão reduzindo a exposição aos EUA.
“Enxergamos uma tendência de médio prazo de diminuição da concentração do mundo em ativos americanos”, afirma Rios.
A perspectiva também é menos positiva para o dólar, após um ciclo de valorização global que já dura 14 anos. Pesam nesse cenário o menor crescimento da economia americana e potenciais reorganizações geopolíticas.
“Estou bastante convicto de que estamos em um momento diferenciado da economia. Nesses últimos meses, desde o [início] do governo Trump, estamos vendo um movimento de placas tectônicas. Cresceu muito a probabilidade de mudar esse mundo que nos acostumamos a viver, operar e ganhar dinheiro — e as pessoas não estão percebendo isso”, afirma Rios.
E complementa: “Os movimentos podem ser muito maiores do que o que vimos até agora.”