Um dia após o anúncio de um acordo comercial sobre tarifas fechado pelos Estados Unidos com o Vietnã – o segundo desde que o presidente Donald Trump anunciou sua política tarifária, em abril -, analistas de vários países detectaram nesta quinta-feira, 3 de julho, o desenho de uma nova estratégia dos EUA na guerra comercial com a China.

Pelo acordo, divulgado por Trump em sua rede social com poucos detalhes, os EUA aplicarão uma taxa de 20% sobre as importações vietnamitas — bem abaixo da taxa de 46% imposta por Trump no início de abril. As importações dos EUA para o Vietnã, por sua vez, não estarão sujeitas a tarifas.

Trump também disse que o Vietnã concordou com uma taxa de 40% sobre quaisquer produtos que originalmente viessem de outro país, mas fossem enviados ao Vietnã para embarque final aos EUA. A China teria recorrido repetidamente a essa prática, conhecida como transbordo, para evitar barreiras comerciais americanas

A tarifa de transbordo representa a maior ameaça à tática dos fabricantes chineses de redirecionar a produção através do país do Sudeste Asiático, em resposta às tarifas impostas durante o primeiro mandato de Trump.

O Vietnã foi um dos maiores beneficiários das mudanças na cadeia de suprimentos global naquele período. Em resposta a essas tarifas, muitas empresas multinacionais, incluindo companhias chinesas, transferiram suas operações de fabricação para centros de menor custo, como Vietnã, Malásia, Indonésia e Tailândia, para contornar as tarifas americanas.

O Vietnã, por exemplo, se tornou um polo de produção de tablets, celulares e fones de ouvido — um legado dessa primeira guerra comercial de Trump, que levou empresas como Apple e Google a realocarem partes de suas cadeias de suprimentos fora da China.

Mas muitos desses produtos são produzidos em fábricas vietnamitas financiadas com dinheiro chinês, utilizando sistemas e componentes importados da China.

Tradicionalmente, isso não é considerado um redirecionamento. Mas membros do governo Trump, incluindo o assessor comercial da Casa Branca, Peter Navarro, indicaram que classificam a manobra como transbordo.

As exportações do Vietnã para os EUA triplicaram entre 2017 e 2024, chegando a US$ 137 bilhões, segundo dados do US Census Bureau, enquanto a participação da China nas importações americanas caiu 8 pontos percentuais, para 13,4%.

De acordo com dados oficiais vietnamitas, os embarques chineses para o Vietnã aumentaram quase 19% de janeiro a maio de 2025 em comparação com o mesmo período do ano passado.

"Uma estrutura tarifária que vise o transbordo, ao mesmo tempo em que preserva os benefícios potenciais do comércio transfronteiriço eficiente, é uma jogada inteligente — e um modelo para futuros acordos comerciais — se aplicada de forma transparente e acompanhada de regras de origem claras", escreveu Eli Clemens, analista de políticas da Information Technology and Innovation Foundation, um instituto de pesquisa apartidário, com sede em Washington, em newsletter.

Outro risco

Analistas do Citi também acreditam que a alíquota separada de 40% sobre mercadorias transbordadas sugere que Trump pode impor essa exigência a outros países com os quais os EUA vierem a fechar acordos comerciais, em especial do Sudeste Asiático.

De acordo com o Citi, a Tailândia e a Malásia podem estar mais expostas do que outros países emergentes da Ásia. “Uma tarifa separada e mais punitiva sobre mercadorias transbordadas era o que o mercado menos esperava”, afirma o banco em nota.

Mas seria muito pior para a China se o texto final do acordo com o Vietnã incluísse exigências semelhantes às feitas no acordo EUA-Reino Unido, de maio.

Embora não mencione a China, o acordo exige que o Reino Unido atenda "prontamente" às demandas americanas sobre segurança da cadeia de suprimentos e "propriedade de instalações de produção relevantes".

Se o Vietnã aceitar obrigações semelhantes, provavelmente abrirá um precedente para outros países, como Camboja e Indonésia. Isso colocaria em risco o esforço da China para expandir a produção de baixo custo para o Sudeste Asiático.

Os fluxos anuais de investimento da segunda maior economia do mundo para a região giraram em torno de US$ 10 bilhões nos últimos três anos, segundo a consultoria Rhodium, que estima que mais da metade desse valor foi para a indústria. E limitar a propriedade de ativos nacionais por cidadãos de qualquer país é muito mais fácil do que tributar transbordos.

A nova jogada americana, de qualquer forma, abre um novo capítulo na guerra comercial entre EUA e China. A medida segue uma trégua temporária entre os páises em vigor desde maio, quando ambos os lados concordaram com uma pausa de 90 dias na guerra tarifária.

Nesses termos, os EUA reduziram as tarifas sobre produtos chineses de 145% para 30%, enquanto a China reduziu suas tarifas sobre importações americanas de 125% para 10%.

Há, por fim, outra possibilidade que passou despercebida por muitos analistas. “O que aprendemos com o acordo com o Vietnã é que, no mínimo, as tarifas vão aumentar a partir de agora, não diminuir”, disse Sebastian Raedler, chefe de estratégia de ações europeias do Bank of America.