Por que resgatar os super-heróis do Quarteto Fantástico em um filme de época? Mais precisamente, na década de 1960, período de tensão com a Guerra Fria, de corrida armamentista, de exploração espacial e de grandes avanços tecnológicos?

Talvez os heróis do Universo Cinematográfico Marvel (MCU) precisassem mesmo voltar no tempo, para dar um “reset” na franquia de filmes que chega agora à 37ª produção. O próprio título Quarteto Fantástico: Primeiros Passos, lançamento desta semana nos cinemas, sugere o retorno às origens.

E o fato de os anos 1960 representarem uma época turbulenta e de muitas mudanças também favorece novas possibilidades narrativas. A ambientação escolhida ainda honra as raízes do quarteto, já que o Sr. Fantástico, a Mulher Invisível, o Tocha Humana e o Coisa fizeram a sua primeira aparição nas histórias em quadrinhos em novembro de 1961.

Tudo isso faz sentido, mas talvez a explicação seja outra, com foco mais na estratégia comercial. A Marvel e a Disney estariam experimentando novos gêneros em uma tentativa de trazer frescor às adaptações cinematográficas dos heróis. Até agora a maioria dos filmes e das séries com personagens da Marvel Comics seguiram pela ação ou pela comédia, o que deixou o filão desgastado.

Prova disso são os fracassos de bilheteria registrados desde 2023, ao priorizarem a ação. Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, por exemplo, consumiu mais de US$ 380 milhões para ser realizado e só vendeu US$ 476 milhões em ingressos.

As Marvels teve uma performance ainda pior. O título arrecadou US$ 206 milhões, depois de ter custado mais de US$ 300 milhões, passando a figurar como o resultado mais decepcionante da casa.

Deadpool e Wolverine foi uma exceção, ao somar renda de mais de US$ 1,3 bilhão no ano passado. Embora tenha seguido um caminho mais cômico, ditado pela personalidade zombeteira de Deadpool, o sucesso deve ser atribuído ao aguardado encontro de dois dos personagens mais amados da Marvel, interpretados por Ryan Reynolds e Hugh Jackman.

Ou seja, o anti-herói mascarado, que já tinha alcançado números impressionantes nos seus dois primeiros filmes (na época, para os estúdios Fox) e o mutante de pavio curto, que foi ressuscitado no universo justamente por sua popularidade. O que veio depois não conseguiu manter a onda de sucesso.

Capitão América: Admirável Mundo Novo, lançado em fevereiro último, precisaria ter faturado mais de US$ 415 milhões, sua renda global, para pagar os custos de produção (cerca de US$ 180 milhões) e seus gastos com a publicidade mundial, de pelo menos US$ 100 milhões. Neste caso, no entanto, o fato de o longa posteriormente ter representado um hit no serviço Disney+ talvez tenha sido visto como uma forma de redenção pelo estúdio.

Thunderbolts* arrecadou somente US$ 380 milhões, mesmo contando com o aval da crítica especializada, o que possivelmente deixou a Marvel e a Disney ainda mais perdidas na condução do MCU.

Até então, eles podiam responsabilizar as críticas negativas recebidas por Homem-Formiga e a Vespa: Quantumania, As Marvels e Capitão América: Admirável Mundo Novo pelos fracassos na bilheteria, teoria derrubada pelo desempenho de Thunderbolts*, que chegou aos cinemas em abril.

A trama já começa com a notícia da gravidez do casal Sue Storm, interpretada por Vanessa Kirby, e Reed Richards, vivido por Pedro Pascal (Foto: Divulgação)

Vale lembrar que o “cansaço dos super-heróis”, termo usado na mídia americana, não é uma exclusividade da Disney. As adaptações da DC Comics feitas pelos estúdios Warner sofreram o mesmo baque nas bilheterias.

The Flash (2023) arrecadou US$ 271 milhões, Shazam! Fúria dos Deuses (2023) somou renda de US$ 134 milhões e Coringa: Delírio a Dois (2024) gerou só US$ 207 milhões de faturamento.

Superman, atualmente em cartaz, é um caso atípico dentro da Warner. A bilheteria mundial de mais de US$ 440 milhões, em apenas duas semanas em cartaz, ganhou o espectador por ter optado pelo “reboot” da franquia, recuperando a aura ingênua e otimista das primeiras adaptações. Ou seja, a fórmula que já tinha dado certo antes.

Embora não resgate os primeiros filmes do Quarteto Fantástico, lançados em 2005, 2007 e 2015 (quando os direitos dos personagens pertenciam à Fox), a Disney também quer marcar uma nova fase com o último filme.

De preferência, uma etapa mais lucrativa, inaugurada com essa ambientação de época com o quarteto, o que promete seduzir a plateia pelo espírito de nostalgia inerente ao período – curiosamente o que Superman também fez.

Quarteto Fantástico devolve à plateia o gostinho dos filmes de herói de antigamente. Produções em que a sinceridade dos personagens e suas jornadas emocionais pesavam mais que as cenas de ação espetaculares, os efeitos especiais de última geração ou o humor cínico que predominam no filão hoje em dia.

O que também conta a favor de Quarteto Fantástico é a dinâmica doméstica, por se tratar da primeira família de heróis nascida na Marvel, o que remete irremediavelmente a um conceito de aventura à moda antiga. A intimidade dos personagens sempre se impõe, mesmo que eles estejam em missão no espaço.

A trama já começa com a notícia da gravidez do casal Sue Storm (Vanessa Kirby) e Reed Richards (Pedro Pascal), para a alegria dos tios, Johnny (Joseph Quinn) e Ben Grimm (Ebon Moss-Bachrach). E o mais surpreendente é o fato de Sue partir para o ataque, diante de uma ameaça interplanetária, mesmo com o barrigão, o que não se vê todo dia em filme de herói.