Não há monotonia para quem atua no setor de fundos imobiliárias. Há um ano, quando a pandemia completava três meses, os shoppings e escritórios estavam fechados e o setor vivia dias de apreensão.
Passado um ano, as preocupações são outras – embora a pandemia ainda seja uma preocupação que não sai do radar. Entre elas, o aumento dos juros pelo Banco Central e o projeto de lei que muda a indexação de contratos do IGPM para o IPCA, apelidado de “PL do IPCA”.
Nada disso, no entanto, tira o otimismo de André Freitas, que comanda a Hedge Investments, maior gestora independente de fundos imobiliários do Brasil com R$ 8 bilhões de ativos sob gestão.
“Em 2020, foram captados R$ 35 bilhões. Em 2019, R$ 35,5 bilhões. Em 2021, o primeiro semestre ainda não terminou e já foram captados R$ 21 bilhões”, disse Freitas, em entrevista ao NeoFeed. “Esse é o primeiro semestre mais alto da história.”
O que está por trás desse otimismo? A visão de Freitas é de que alta dos juros estava contratada, assim como a da inflação. Segundo ele, até o fim deste ano, os juros chegam a 6,5%, o dólar vai cair para algo em torno entre R$ 4,80 e R$ 4,70 e a inflação entrará em uma tendência de queda no quarto trimestre.
Mais: o avanço da vacinação no País vai acelerar a retomada econômica no segundo semestre. Mas a recuperação não será igual no caso dos shoppings. Os que atendem a classe média, que são a grande maioria, só voltarão ao patamar de 2019 no ano que vem, segundo Freitas.
E isso tem feito o setor a repensar suas atividades. “O shopping vai ser usado cada vez mais como last mile da entrega”, afirma Freitas. “Combinar a loja que está na praça de alimentação e fazer um dark kitchen focado na entrega, fora do espaço da loja, é uma das coisas que estamos discutindo.”
Confira os principais trechos da entrevista:
Os juros estão subindo no Brasil por conta da inflação e o Banco Central avisou que vai subir ainda mais. Como isso impacta o mercado de fundos imobiliários?
É por isso que o Ifix (índice de fundos de investimentos imobiliários) está em baixa de quase 3% no ano, enquanto a Bolsa e outros ativos têm subido. Agora, as pessoas estão olhando muito o momento e estão esquecendo que essa alta de inflação estava contratada. Essa tendência da curva da inflação ainda tem um carrego, o que vai fazer que a inflação acumulada em 12 meses seja maior. Tenho a visão de que, com o ajuste de política monetária que o Banco Central está fazendo, o Brasil sai na frente. No fim do ano, você deve chegar a um juro de 6,5%, que já é uma previsão conservadora. O mercado já está trabalhando com 7%. Quando chegar a esses níveis, o Brasil passa o México, que está em 4%, e a Rússia, que está em 5,5%. Vai estar atrás só de Turquia e Argentina, dois países com problemas grandes.
Mas isso não impacta os fundos imobiliários, que passam a ser menos atrativos?
Isso está impactando hoje. No futuro, não, porque a inflação vai cair. Esse juro estava contratado. Agora, o que está contratado é a queda da inflação relativa no último trimestre deste ano. No momento, todo mundo se assusta. Mas, em agosto e setembro, a previsão é de que inflação vai começar a baixar.
A inflação pode baixar. Mas será que o juro vai baixar no fim do ano?
O Brasil vai ser o único país com juro real positivo. Por isso que o dólar vai para o chão. Quem no mundo tem juro real positivo? Imagina o Brasil em dezembro deste ano: inflação com perspectiva de baixa, dólar a R$ 4,70, juro a 6,5% e uma perspectiva de inflação entre 3,75% e 4% para 2022. É 2,5% de juro positivo. O dinheiro do mundo vai vir todo para cá.
Mas esse não é um dinheiro especulativo?
O dinheiro especulativo está fora do Brasil há muito tempo. Ele vai voltar. E, politicamente, o Banco Central vai apertar a curva para evitar alta de juro no ano que vem.
Isso tem impactado as captações dos fundos imobiliários?
Em 2020, foram captados R$ 35 bilhões. Em 2019, R$ 35,5 bilhões. Em 2021, o primeiro semestre ainda não terminou e já foram captados R$ 21 bilhões. Esse é o primeiro semestre mais alto da história. Provavelmente, se fizer uma analogia, vai chegar neste ano a R$ 42 bilhões, 20% acima do ano passado. O que mudou foi a dinâmica, porque 45% das captações são em fundos de CRI (Certificados de Recebíveis Imobiliários), que se beneficiam de uma expansão inflacionária. O Ifix sente pelo impacto nos fundos de tijolo que a alta de juros gera. Agora, o mercado tem gordura. Qual o dividend yield dos fundos que compõem o Ifix hoje? Está próximo de 7%. É mais do que o CDI. O que há é uma preocupação excessiva dos investidores, mas a classe de ativos de fundos imobiliários continua extremamente atraente e competitiva com os outros ativos.
"Em 2020, foram captados R$ 35 bilhões. Em 2019, R$ 35,5 bilhões. Em 2021, o primeiro semestre ainda não terminou e já foram captados R$ 21 bilhões"
Há uma expectativa de uma retomada mais forte da economia no segundo semestre à medida que a vacinação avança. Isso vai ajudar o desempenho de fundos de shopping e de escritório?
Nos fundos de shopping, tenho uma visão de que você vai ter uma melhora significativa, mas não vai chegar ao patamar de 2019. Alguns fundos, principalmente aqueles de baixa renda e os de mais alta renda, têm números melhores do que 2019. E qual a razão disso? Na baixa renda, o auxílio emergencial. E, na alta renda, as restrições às viagens. O topo da pirâmide e a base foram mais beneficiados. Esse miolo vai muito bem. Os shoppings da classe média, que são a grande maioria, ainda vão ter uma certa dificuldade. Eles vão melhorar também, mas só vão repetir a performance de 2019 em 2022.
E como ficam os escritórios?
Nos escritórios, há um aumento de vacância de pelo menos três pontos percentuais. Mas você vai ter um novo modelo de ocupação. E o impacto vai ser menor por alguns motivos. O primeiro é que a oferta, para os próximos dois anos na cidade de São Paulo, vai ser mais restrita. Há pouca oferta contratada e a retomada das atividades vai diminuir a vacância. O aumento de vacância que tivemos em 2021 vai ser totalmente eliminado em 2022. E o segundo motivo é que vai haver uma utilização diferenciada. Os escritórios vão ter de ter características muito importantes. A primeira é para atração do próprio funcionário: ele vai precisar de um espaçamento maior, ser mais confortável e mais agradável de forma a incentivar as pessoas a irem ao escritório. E segundo: vai ser o seu show room. Muitas coisa vai nesse sentido. Nos escritórios, principalmente no triple A, as coisas voltam lentamente, mas com um fluxo melhor.
Uma tendência lá fora é o aluguel de áreas corporativas para a construção de dark stores e dark kitchens. Isso já chegou ao Brasil?
Estamos fazendo um pouco disso em shopping centers. Esse é um dos novos movimentos que você vai começar a ver. O shopping tem tido uma ociosidade grande de estacionamentos. Devíamos discutir a diminuição de necessidade de vagas por metro quadrado nesses equipamentos. O shopping vai ser usado cada vez mais como last mile da entrega. Combinar a loja que está na praça de alimentação e fazer um dark kitchen focado na entrega, fora do espaço da loja, é uma das coisas que estamos discutindo.
Outra tendência são empresas que alugam imóveis em vez de vender. Como você enxerga isso?
Isso é uma tendência que está sendo instalada aqui, que são os residenciais para renda. O cara faz o prédio inteiro e aluga. A maior categoria de fundos lá fora hoje é essa, chamada de multifamily. Era algo que não víamos por aqui, mas começou a acontecer.
E essa discussão no Congresso Nacional de mudança de indexador de contratos do IGPM para o IPCA?
Isso é um absurdo, porque você não faz por lei. Você precisa deixar o mercado contratar. Como vou repassar o IGPM a um lojista de um shopping que ficou, dos primeiros seis meses desse ano, dois meses fechado e dois meses funcionando meia boca? E ainda não normalizou, pois fecham mais cedo e há restrições de ocupação? Não dá para fazer isso. Na verdade, a negociação é entre as partes. E ela tem ocorrido. E tem muito pouco desacerto e intransigência. Tem vencido o bom senso.
Como são os seus contratos?
É caso a caso. Não dá para generalizar. A grande parte dos contratos tende a migrar para IPCA. Não tem como colocar em IGPM.
Por quê?
Isso é uma herança do passado. Inflação de custo, para o setor de serviços, não é o IGPM. Ele não é adequado para a correção de contratos. Mas para deixar muito claro: negociação sempre entre as partes. Sem nada de cima para baixo do Congresso e do Executivo. O mercado se adequa. O que estou dizendo é que o IGPM é um índice, que, ao longo do tempo, tende a ser substituído pelo IPCA.
"O que estou falando é que você demora algum tempo para se adequar (do IGPM para o IPCA). Mas principalmente é uma ingerência em contratos privados"
Entendi sua posição de que não cabe ao Congresso legislar sobre qual é o melhor índice. Mas o impacto para o setor, caso esse projeto avance, não é mínimo?
O que estou falando é que você demora algum tempo para se adequar (do IGPM para o IPCA). Seria uma antecipação. Mas principalmente é uma ingerência em contratos privados. O impacto é péssimo. Não é mínimo, não. É horrível. Vai minar o impacto da confiança das pessoas no Brasil. O impacto é muito grande. O que precisa acontecer é a livre negociação. Está faltando bom senso? Não.
O número de pessoas físicas que investem na bolsa cresceu bastante e passou de 3 milhões. Está crescendo também os investidores de fundos imobiliários?
Estamos com uma base de 1,382 milhão investidores. No fim do ano, era 1,172 milhão. É uma alta de 18%. Devemos chegar ao fim do ano com 1,7 milhão de investidores.
Quanto tempo demorou para chegar a 1 milhão?
O número de 1 milhão de investidores foi alcançado em agosto de 2020. Em janeiro de 2016, havia 90 mil investidores. De janeiro de 2016 até agora, em cinco anos, saiu de menos de 100 mil investidores para 1,4 milhão investidores.