A enxurrada de dinheiro privado investido em startups nos últimos anos marcou uma era de crescimento acelerado das empresas de tecnologia. Nem todas, porém, tinham planos sólidos e sustentáveis de expansão.

O preço desse movimento quase começou a ser pago neste ano. Se antes os recursos jorravam, agora, a torneira das gestoras de capital de risco está apenas respingando e a ordem é clara: é preciso preservar o caixa, porque os investidores estão mais cautelosos.

Com essa mudança de postura, outra alternativa de captação começa a ganhar fôlego: o venture debt, na prática, a oferta de crédito para as startups. O movimento mais recente nesse sentido é o lançamento de um fundo de venture debt de R$ 150 milhões da Naia Capital, iniciativa antecipada com exclusividade ao NeoFeed.

Os recursos do fundo em questão vêm de investidores como a gestora de private debt Captalys Asset, o multifamily office We Capital e uma asset de um banco brasileiro cujo nome é mantido em sigilo.

“O venture debt é uma via de crescimento agressivo e que as empresas estão enxergando com o custo de capital mais baixo", diz Victor Gomieri, cofundador da Naia Capital, ao NeoFeed.

A Naia Capital não tem um nome ainda tão conhecido no mercado de investimentos porque nasceu como uma assessoria para empresas na captação de recursos e em M&As. Alguns exemplos foram as compras da RIWeb pelo TC (ex-TradersClub) e da Hemat pela Dasa, ambas no ano passado.

Além de Gomieri, a Naia Capital tem como fundadores Guilherme Monteiro e João Faloppa. O trio se conheceu ainda em 2009, quando trabalharam juntos na gestora de venture capital Investe Tech.

Com o fundo, a Naia Capital planeja fornecer crédito a até 15 startups. Essas operações podem contar com recursos adicionais dos investidores que participaram da captação do veículo em questão.

O filtro para a concessão do crédito é o modelo de negócio. O radar está restrito a startups que operam com vendas corporativas e um modelo de software como serviço. Outros critérios observados são o histórico do empreendedor, a capacidade da empresa de gerar e preservar caixa, e o ritmo de crescimento da operação.

O fundo nasce com três operações realizadas e que somam R$ 70 milhões. A relação inclui, por exemplo, a Rock Content, startup de marketing de conteúdo, e a healthtech Proradis.

Como é próprio do modelo de venture debt, os recursos concedidos não fazem com que a Naia Capital se torne uma sócia das startups. Em vez disso, a gestora busca retorno financeiro de curto prazo com o pagamento de juros e com prêmios, caso as empresas investidas aumentem seu valor de mercado por meio de novas captações.

“É uma modalidade que pode ser usada como uma ponte entre duas rodadas de investimento, para que a empresa melhore seus indicadores e aumente o valuation”, Pedro Teberga, professor de negócios do Inteli e de cursos de MBA de ESPM, FIA e FGV.

No modelo de negócios da gestora, o plano é obter um retorno de 27,5% em um prazo de 48 meses, sendo que, nos primeiros 12 meses, o tomador do crédito só arca com os juros gerados na operação. Atrelada ao CDI, a taxa varia entre 6% e 9%. A amortização ocorre nos 36 meses seguintes à concessão do empréstimo.

O retorno esperado é balanceado caso a caso entre juros e prêmio sob a dívida. Se a investida tiver pouca possibilidade de aumentar o valuation num evento de liquidez, os juros são mais altos. “Há uma janela de quatro anos para capturar este valor”, diz Gomieri. “É o tempo para esperar o mercado se recuperar e absorver esses ganhos.”

O risco da operação é de um calote. Para se proteger, a Naia Capital fica com a garantia da cessão de recebíveis para monitorar contratos e reter os valores que a startup teria a receber dos clientes. “Até por isso, o foco está em operações B2B”, diz Gomieri. Em último caso, a gestora fica com ações dos fundadores das startups.

Nos próximos três anos, a previsão da Naia Capital é ter R$ 1 bilhão em ativos sob gestão. Para isso, a estratégia é criar outros fundos de valores semelhantes. “A gente não quer um fundo bilionário, mas fundos menores que possam ser alocados mais rapidamente”, diz Gomieri.

Nesse contexto, a gestora planeja lançar um segundo fundo já no fim desse ano com valor entre R$ 250 milhões e R$ 300 milhões. O veículo terá como foco operações de toda a América Latina e não apenas startups brasileiras.

Tendência

A Naia Capital aposta em modelo bastante difundido em países como os Estados Unidos. Entre as empresas que já captaram recursos nessa modalidade estão gigantes como Facebook, Uber, Spotify e Airbnb. Segundo o portal Pitchbook, em 2021, as captações de venture debt somaram pouco mais de US$ 30 bilhões no mercado americano.

Para efeito de comparação, os fundos de venture capital injetaram quase US$ 300 bilhões a mais em startups americanas no mesmo período. Entretanto, no primeiro trimestre de 2022, houve queda de quase 26% no valor aportado por esse ecossistema. Foram US$ 70,7 bilhões, contra US$ 95,4 bilhões nos primeiros três meses de 2021.

No Brasil, ainda não há estudos sobre o tamanho do mercado de venture debt, mas a modalidade vem ganhando espaço. No começo desse ano, a Brasil Venture Debt, anunciou um novo fundo, com o plano de captar até R$ 300 milhões. A gestora ajudou a desbravar essa vertente no País quando captou R$ 140 milhões em seu primeiro fundo, em 2018.

Outros nomes de olho nesse mercado são a Galapagos Capital, de Carlos Fonseca, ex-sócio do C6 Bank e do BTG Pactual e o Silicon Valley Bank, que tem um fundo de US$ 30 milhões para startups latino-americanas.

Os bancos também não ficaram para trás. Nesse ano, o Itaú Unibanco, por meio do Itaú BBA, criou um fundo de venture debt com mais de R$ 300 milhões para dar crédito a startups com operações que variam entre R$ 5 milhões e R$ 30 milhões.

Outro exemplo é o BTG Pactual. Através do boostLAB, hub de negócios para empresas de tecnologia, o banco criou uma linha de crédito para startups que varia entre R$ 200 mil e R$ 4 milhões.

“Desde 2018, no Brasil há um movimento nesta direção com o surgimento de gestoras especializadas nesse modelo de venture debt”, diz Teberga, do Inteli. “É uma alternativa interessante para o investidor, à medida que se expõe a negócios de alto crescimento, com menor risco e com prazo menor de retorno que o modelo de venture capital.”