Ele tem os pés fincados no equilíbrio – literalmente. O executivo John Krafcik, CEO da Waymo, empresa de tecnologia para veículos autônomos do grupo Alphabet, o mesmo que controla o Google, trabalha apoiado sobre o que os americanos chamam de "balance board", uma espécie de tábua com uma elevação ao meio, que obriga o usuário a ficar em pé e tensionar os músculos, para que consiga o balanceamento certo.
Embora a prancha tenha sido um presente, foi uma escolha deliberadamente própria essa de suspender a mesa e trabalhar ereto, às margens de uma superfície plana bem pequena, com espaço para um notebook, um porta retrato e um sanduíche de pasta de amendoim, exatamente igual ao que comeu "no almoço" pouco antes de receber a reportagem do NeoFeed, o primeiro veículo de mídia brasileiro a visitar a instalação do negócio que nasceu em 2009 como um projeto interno do Google.
Sete anos depois, esse projeto maluco de Larry Page e Sergei Brin, os fundadores do Google, se tornou uma empresa independente batizada de Waymo, focada em desenvolver um sistema autônomo para veículos de frete e passageiros. Com dez anos de atividade, a Waymo, no entanto, está dando seus primeiros passos para colocar o carro sem motorista nas ruas e sua avaliação pode chegar até US$ 175 bilhões, segundo o banco de investimento americano Morgan Stanley, numa previsão o que faria dela a startup mais valiosa do mundo.
“Não invisto muito tempo pensando na concorrência. Prefiro manter o foco na nossa visão, que é desenvolver uma forma rápida e segura de transporte”, disse Krafcik, em entrevista exclusiva ao NeoFeed. “Ainda é muito cedo para a Waymo e para toda a indústria de veículos autônomos.”
Apesar de recente, a corrida rumo ao carro autônomo é uma espécie de Santo Graal da indústria de automobilismo e tecnologia global. Todas as grandes montadoras têm projetos em curso para a área. A lista inclui as americanas Tesla e General Motors (GM), as alemãs Daimler (Mercedes), Volkswagen (Audi) e BMW, a francesa Renault, a japonesa Honda e a coreana Hyundai, para citar alguns nomes relevantes.
O Morgan Stanley avaliou que a Waymo tem potencial de valer US$ 175 bilhões
Startups como Aurora e Rivian estão também em ascensão. As duas empresas, por exemplo, receberam aporte da Amazon de US$ 530 milhões e US$ 700 milhões, respectivamente.
Até mesmo o Uber, que recentemente abriu o seu capital nos Estados Unidos, atua intensamente nessa área. Em abril deste ano, a divisão de veículos de veículos autônomos do famoso aplicativo de transporte recebeu US$ 1 bilhão de um consórcio de investidores, formado pelo grupo japonês SoftBank, a montadora Toyota e a fornecedora de autopeças Denso.
Tanto interesse por esse mercado é fácil de ser compreendido. Um levantamento da consultoria Allied Market Research avalia que esse setor já movimenta US$ 54,2 bilhões. Em 2026, ele será dez vez maior, atingindo a cifra de US$ 556,7 bilhões – o dado inclui todos os integrantes dessa cadeia, desde a venda de carros, sensores e serviços, como os “robôs-táxis”.
A estimativa é que, em 2035, os modelos autônomos representem 17% do mercado total de carros – sendo 7% completamente self-driving, segundo a IHS Markit. Essa porcentagem tende a crescer à medida que a tecnologia se popularize, como mostrou uma análise da Boston Consulting Group. A consultoria aposta que, nos primeiros cinco anos de comercialização de carros autônomos, que devem chegar ao mercado em 2021, o custo do sistema será algo em torno de US$ 10 mil. Dez anos depois, equipamentos similares poderão ser vendidos por US$ 3 mil ou menos.
Nesse universo bilionário e cheio de gigantes, os analistas consideram Waymo na vanguarda do desenvolvimento dos carros autônomos. Seus veículos sem motorista já rodaram 10 mil milhas em vias públicas em 25 cidades dos Estados da Califórnia, Arizona e Michigan. “Testamos o desempenho do carro nos cenários mais variados possíveis”, afirma Krafcik. “Rodamos na sempre ensolarada Califórnia, no Arizona, onde há muita areia do deserto, e em pontos do Michigan, onde neva bastante.”
Em abril, a Waymo deu sinais de que está literalmente acelerando sua estratégia. O aplicativo Waymo One, que permitia pedir carros nas ruas de Phoenix, no Arizona, ficou disponível para download no Google Play, a loja de aplicativos do Google. Agora, as pessoas podem fazer o registro e entrar na lista de espera para testar o serviço, uma espécie de “Uber dos carros autônomos”. Antes, ele era restrito a poucas pessoas.
Os táxis autônomos serão uma área na qual a Waymo vai dominar no futuro, segundo um estudo do banco de investimento suíço UBS. Em 2030, a empresa comandada por Krafcik deverá ter 60% desse mercado, um nível que forçará os fabricantes de carros a adotarem sua tecnologia, para não se transformarem obsoletas, prevê o relatório da UBS. Naquele ano, o faturamento da Waymo deve alcançar US$ 114 bilhões, de acordo com o mesmo levantamento. A centenária GM, por exemplo, faturou US$ 147 bilhões em 2018.
A estimativa é que, em 2035, os modelos autônomos representem 17% do mercado total de carros
No fim de abril, a Waymo anunciou também que vai vender os seus sensores LIDAR, essenciais para o funcionamento dos carros autônomos, para empresas que não competem com seu serviço de “robô-táxi”. Trata-se de uma estratégia, na visão de Krafcik, para estimular o crescimento da aplicação e para apressar a produção em escala dessa tecnologia para deixá-la mais barata.
A safra de novidades de abril não terminou com esses dois anúncios. De forma surpreendente, pois as principais pesquisas do carro autônomo acontecem no Vale do Silício, na Califórnia, a Waymo informou que escolheu a cidade de Detroit, berço da indústria automobilística americana, para instalar sua fábrica. Ele ficará localizada em uma linha de produção ociosa da American Axle & Manufacturing Holdings. No local, a empresa da Alphabet irá equipar com tecnologia autônoma os veículos fabricados pela Fiat Chrysler e Jaguar Land Rover.
A missão para tirar todos esses planos do papel é de Krafcik, que ocupa uma sala na área de engenheira da Waymo. Ali, o executivo de 57 anos se camufla com os colegas de profissão e parece não se importar com o fato de que sua assistente e os demais membros da equipe de administração estejam em outro ambiente, consideravelmente distante dali. "É que eu gosto de ficar entre os engenheiros", explica, deixando transparecer o seu apreço pelo diploma que carrega deste mesmo curso, com o carimbo da Stanford, universidade vizinha a Mountain View, no Vale do Silício, onde está a sede da empresa.
Essa opção de se instalar em um ambiente diferente daquele que o seu cargo de CEO naturalmente o colocaria, faz com que Krafcik tenha de caminhar mais pela companhia, transitando por diferentes setores. "Aqui ficam os programadores", diz sobre uma sala repleta de jovens e brinca. "Eles são dez vezes mais inteligentes que eu."
O jeito despretensioso de apresentar cada canto da empresa é também como ele leva o comando da Waymo. Sem gravata, terno ou camisa, Krafcik caminha de jeans, tênis e camiseta amarela, desfilando a moda da informalidade caótica que parece nunca sair de cena ali, mesmo nos dias em que Larry Page, o todo-poderoso chefão da Alphabet, aparece para um de seus encontros semanais com Krafcik. "Ele é muito bacana e um grande entusiasta da Waymo", comenta, afastando possíveis rumores de pressão para que a empresa, que já consumiu mais de US$ 1 bilhão, gere renda.
Enquanto caminha, com os braços bem soltos balançando ao lado do corpo e os ombros ligeiramente projetados para frente, Krafcik não provoca as típicas reações nervosas nos funcionários que se veem diante do chefe. Ninguém ali se apressa para ajustar a postura, para minimizar uma tela diferente aberta no desktop ou para responder uma mensagem no celular. O CEO passeia pelos corredores e tudo continua em "piloto automático", evidenciando o conforto que a equipe tem diante de seu líder, com quem se reúne quinzenalmente na parte central do prédio, um shopping desativado.
Justamente por gostar dessa união e unificação da equipe, que Krafcik optou por desembolsar algumas centenas de milhares de dólares por ano para garantir o café da manhã, o almoço e o jantar de todo mundo que trabalha por ali. "Olha só: canja de galinha!", interrompe sua explicação, para se servir de um pouco do caldo, depois de me oferecer uma porção. "Eu recebo o menu no meu e-mail, e a comida é boa, né? Não sei porque não venho muito aqui", se questiona, visivelmente remoendo o sanduíche de amendoim que serviu de almoço. "Mas acho importante disponibilizar isso para as pessoas, assim elas não precisam se preocupar em sair para comer algo e apressarem a refeição", pondera.
O pensamento coletivo que habita a mente de Krafcik é uma herança familiar. Natural do Southington, uma pequena cidade em Connecticut, o engenheiro é o mais novo de uma trupe de oito irmãos, com quem se mantém próximo até hoje, embora seja o único a morar na Califórnia, Estado que o recebeu para os estudos universitários e para as primeiras oportunidades profissionais.
Depois de concluir a faculdade, John foi recrutado pela New United Manufacturing Inc, uma joint venture da General Motors e Toyota. Na sequência, foi contratado para fazer parte de um programa de veículos motorizados do MIT, que lhe rendeu uma volta ao mundo, conhecendo fábricas de diferentes países – inclusive do Brasil, onde esteve pessoalmente para analisar instalações nas cidades de Anchieta, Taubaté e São José dos Campos.
Todo esse conhecimento pavimentou sua rota de ascensão na Ford, onde ocupou a cadeira de chefe de engenharia – primeiro para a ala da Ford Expedition e Lincoln Navigator, e, em seguida, para o departamento de caminhões.
Em 2004, ele foi contratado como vice-presidente da Hyundai Motor America e passou a ser o CEO da empresa coreana pouco tempo depois, num período marcado pelo crescimento do mercado interno e quebras de recorde de venda. O currículo turbinado chancelou a ida de Krafcik para True Car Inc. em 2014, onde também atuou brevemente como CEO. Um ano depois, o executivo foi "fisgado" pela Google, que carecia de um interlocutor com a indústria automotiva.
Hoje Krafcik se diz à frente de uma empresa de tecnologia, e não de automóveis, e reforça que o objetivo da Waymo é comercializar caronas e não carros. Mas as coisas voltam a se misturar, e até a se confundir, num prédio anexo ao complexo, que faz as vezes de garagem e laboratório. Ali já é possível ver os primeiros I-Pace, modelos desenvolvidos a partir da parceria estabelecida entre Waymo e Jaguar Land-Rover, cujo plano é ter 20 mil unidades rodando pelas as ruas nos primeiros dois anos de produção, com o potencial para atender 1 milhão de viagens por dia. Para atingir a meta, é fundamental que o plano de construir a fábrica em Detroit saia do papel e que os profissionais certos sejam mapeados.
Krafcik, CEO da Waymo, se diz à frente de uma empresa de tecnologia e não de automóveis
Essa questão do emprego, aliás, é outro ponto sensível a Krafcik, que não concorda com essa teoria de que a automação vai nos deixar sem trabalho e que o progresso da Waymo coloca em risco a renda de motoristas de aplicativos. "O mundo nunca esteve tão automatizado quanto hoje e, da mesma maneira, nunca tivemos tantos postos de trabalho", diz, complementando que o crescimento da empresa também requer novas posições de trabalho, já que será necessário contratar mão-de-obra para, por exemplo, lavar os carros, fazer a manutenção e outros serviços semelhantes, com o intuito de garantir a qualidade do programa.
Mas, de todas as vantagens que avista ali do topo de Mountain View, Krafcik enaltece os benefícios que o serviço de caronas autônomas traria no que diz respeito a segurança. “Mais de um milhão de pessoas morrem no mundo em acidentes de trânsito”, afirma, explicando ainda que a maior parte deles acontece por falha humana. “Uma das coisas que as pessoas mais gostam na Waymo é que ele é previsível. Você sabe exatamente como ele vai se comportar e dirigir.”
Enquanto esse serviço "previsível e seguro" avança em marcha lenta por cidades americanas, Krafcik segue se equilibrando para atender as expectativas do mercado, dos investidores e do próprio setor, porque a liderança tem disso: quem está na frente geralmente aponta o caminho e os demais seguem quase como que em piloto automático.
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