O Copom completou 27 anos em junho e poucas vezes em sua história exibiu uma perspectiva tão clara e positiva para a taxa básica brasileira de juros. Vem mais um corte por aí – o segundo consecutivo. Mas a decisão, dada como certa, poderá ser ofuscada pela concorrência. Federal Reserve (Fed), Banco da Inglaterra e Banco do Japão também definem suas taxas.
Na quarta-feira, 20 de setembro, o Copom deverá anunciar o segundo corte seguido da Selic. No mesmo dia, o Fed deverá manter inalterada a taxa nos EUA e reforçar a expectativa do mercado de que a flexibilização monetária para por aí – na faixa de 5,25% a 5,50% ao ano.
Na quinta-feira, 21 de setembro, o Banco da Inglaterra poderá elevar o juro sob pressão de uma atividade mais fragilizada. Na sexta, 22 de setembro, o Banco do Japão terá a oportunidade de ratificar a intenção, aventada há poucos dias, de colocar um ponto final na política de juro negativo.
A reacomodação das taxas básicas pelos maiores bancos centrais do mundo – o Banco Central Europeu (BCE) elevou seu juro em mais 0,25 ponto na quinta-feira, 14 de setembro, para 4% – não passará ao largo de um mercado atento, sobretudo, às indicações de duração do aperto monetário global.
“Talvez dure mais que o esperado. E esse é um ponto de atenção no mundo inteiro”, avalia, em conversa com a Coluna, o estrategista-chefe da Warren Rena, Sérgio Goldenstein, ex-chefe do Departamento de Operações de Mercado Aberto do Banco Central (BC).
A despeito das decisões a serem anunciadas, o Brasil continuará em vantagem quer o BC mantenha a sinalização de cortar a Selic em 0,50 ponto nas próximas reuniões, quer o BC acene com redução alargada, de 0,75 ponto, que o mercado já prevê para a reunião do Copom de dezembro.
Apesar da precificação de cortes maiores na Selic, a instituição não deve se movimentar, ao contrário da avaliação de parte do mercado, motivada especialmente pelo resultado do IPCA de agosto que veio abaixo do esperado e com forte desaceleração de preços de serviços – alvo de atenção do BC.
“A Selic é e continuará restritiva. E, ainda assim, a atividade surpreende para cima, o desemprego ronda o nível neutro e há criação de empregos, segundo o Caged. Se o BC tivesse mantido a Selic em 13,75% vigentes até recentemente, a inflação projetada pelo próprio BC cairia abaixo da meta”, diz Goldenstein.
Reduzir o juro tornou-se imperativo. E, no início de agosto, o Comitê interrompeu um jejum de três anos, cortou a Selic em 0,50 ponto, para 13,25%, e acenou com quedas semelhantes à frente. Em decisão unânime. Com ou sem intenção, o BC contratou o declínio da taxa até 11,75% ao final de dezembro. Assim entendeu o mercado.
“Entretanto, após a divulgação do IPCA de agosto, entrou no radar a chance de a Selic recuar a 11,50% em dezembro”, observa o economista que considera improvável que a Selic decline até 8% ou 8,5%.
Esse intervalo, lembra, comporta estimativa de taxa neutra. Mas a Selic terminal do ciclo monetário em curso deve ficar entre 9% e 9,5%, “levemente restritiva porque não vejo a inflação na meta nos próximos anos”. E, embora o Congresso venha chancelando propostas do governo por maior arrecadação, a política fiscal inspira cuidados.
Desde o último Copom, Câmara e Senado aprovaram o arcabouço fiscal, o Orçamento de 2024 foi encaminhado, o “voto de qualidade” em processos no âmbito do Carf foi restabelecido em favor da Receita Federal e a Reforma Tributária sobre o consumo passou na Câmara. Está em discussão no Senado.
Meta fiscal e a “trégua tensa”
A tributação das apostas esportivas online – com o texto alterado pelo relator por maior abrangência da decisão – foi avalizada na Câmara na quarta-feira, 13 de setembro. E segue para o Senado em regime de urgência. A taxação de offshores, em avaliação, deve incorporar a tributação dos fundos exclusivos.
Combinadas à perspectiva de queda de gastos do governo pela queda do juro e maior arrecadação graças à dinâmica positiva da atividade, as decisões já aprovadas ou em vias de aprovação favorecem o caixa. Mas a preocupação fiscal persiste, embora não esteja afetando, hoje, a precificação de ativos.
“O momento é de trégua tensa. A aprovação do arcabouço fiscal retirou o risco de cauda de uma trajetória explosiva da relação Dívida/PIB. É uma surpresa positiva o limite de 2,5% para expansão de gastos. Mas a meta é ambiciosa e muito dependente de receitas”, afirma Goldenstein.
Não é coincidência, portanto, o mercado estimar déficit primário de 0,7% ou 0,8% do PIB em 2024 e não contas em equilíbrio como pretende o governo.
“Há riscos à frente”, aponta o economista. A execução fiscal é um deles porque pode levar o déficit a algo pior do que o precificado pelo mercado. Outro risco, “muito relevante por suas consequências”, é de mudança da meta de déficit.
“Se ao longo de 2024, a percepção for de que a meta será alterada o efeito será muito negativo. O arcabouço estabelece que o não cumprimento da meta dispara gatilhos que restringem gastos à frente. Se a meta for alterada e os gatilhos não forem acionados, o arcabouço perde toda a credibilidade e a deterioração da relação Dívida/PIB será acelerada”, pondera.
Essa discussão está adormecida, reconhece Goldenstein. Entretanto, deverá ser retomada no primeiro trimestre do ano que vem. “O mercado acompanhará a execução fiscal e o resultado alcançado mês a mês para confirmar se o arcabouço vai ficar de pé”, alerta.
O estrategista-chefe da Warren lembra que o Copom retirou a menção ao arcabouço do comunicado da última reunião que disparou a flexibilização monetária no Brasil. Mas, na ata referente à mesma reunião, o mesmo Copom chamou atenção para a execução fiscal.
“E há motivo para isso”, acrescenta o economista. “A questão fiscal pesa na precificação do risco-país. Pesa, portanto, no balizamento da taxa de juro e nas perspectivas de investimentos.”