Inflação, aumento das taxas de juros e o conflito entre a Ucrânia e a Rússia. É fato que a combinação desses elementos resultou em uma equação nada favorável para as ofertas públicas iniciais de ações em 2022.

Diante desses fatores, poucas empresas se arriscaram a percorrer esse caminho no decorrer do ano. E alguns números compilados pela consultoria americana Dealogic, divulgados nesta segunda-feira, 22 de agosto, pelo The Wall Street Journal, ilustram bem essa seca, a partir do principal mercado de capitais do mundo.

Segundo o levantamento da Dealogic, os IPOs tradicionais captaram apenas US$ 5,1 bilhões no acumulado de 2022 nas bolsas de valores dos Estados Unidos. Para efeito de comparação, no ano passado, em igual período, as ofertas já haviam arrecadado mais de US$ 100 bilhões.

Outros números ajudam a dar a medida da falta de movimentação nessa esfera e apontam para o pior ano do setor em mais de duas décadas. Desde 1995, quando a consultoria começou a compilar dados sobre essas ofertas, os IPOs tradicionais arrecadaram, em média, cerca de US$ 33 bilhões nesse mesmo período.

Dados do Stock Analysis só reforçam esse panorama. De acordo com o portal americano, nesse ano, levando-se em conta os IPOs tradicionais e as ofertas via SPACs, foram 142 IPOs até essa segunda-feira, 22 de agosto, uma queda de 79,9% sobre o mesmo intervalo, em 2021.

No ano passado, o mercado americano de capitais registrou um recorde de 1.035 IPOs, considerando as duas modalidades, segundo o Stock Analysis. O volume superou em 120,4% os 480 IPOs de 2020, até então, a maior marca da série histórica.

Esse contexto árido só se equipara aos números registrados em boa parte de 2009, quando os Estados Unidos estavam se recuperando da crise de 2008. No entanto, a expectativa é de que, em 2022, não se repita o cenário observado naquela época, quando houve um reaquecimento nos últimos meses do ano.

Fontes ouvidas pelo The Wall Street Journal ressaltaram que as empresas que decidirem seguir nessa direção precisarão reduzir pela metade seus valuations após dois anos dos mercados em alta. E boa parte delas está preferindo adiar seus planos, pois não estão dispostas a pagar esse preço.

Como reflexo da ausência de uma janela favorável e diante da necessidade de levantar capital para seguir operando, muitas companhias cujos IPOs eram aguardados em 2022 estão experimentando esse down round mesmo em aportes privados.

Um dos casos mais emblemáticos nesse sentido é o da fintech sueca Klarna, que atua no segmento de “buy now, pay later”. Com um IPO na agenda para o ano bastante esperado pelo mercado, a empresa foi obrigada a recuar e a aceitar uma redução do seu valuation de US$ 46 bilhões para US$ 6,5 bilhões ao captar US$ 800 milhões em uma rodada privada em julho.

Ao mesmo tempo, consultores e investidores alertam para uma mudança importante nos IPOs, assim que os mercados se acalmarem e as ofertas forem retomadas. As primeiras empresas participantes dessa reabertura deverão ser lucrativas, razoavelmente grandes e bem conhecidas em seus respectivos mercados.

Seca na B3

Enquanto nas bolsas americanas, as ofertas públicas iniciais de ações foram reduzidas ao pior patamar dos últimos anos, no Brasil, a situação tem sido ainda pior, dado que nenhuma companhia se aventurou a seguir esse caminho em 2022.

E a seca na bolsa de valores brasileira está prestes a completar um ano. Com exceção da listagem das BDRs do Nubank, em dezembro de 2021, a última empresa a tocar a campainha na B3 foi a Vittia, de fertilizantes e defensivos, que levantou R$ 382 milhões em seu IPO realizado em 31 de agosto do ano passado.

Em 2022, a B3 registrou apenas 14 follow ons, que arrecadaram um total de R$ 52,3 bilhões. Entretanto, boa parte desse montante se refere à oferta da Eletrobras, realizada em junho, no valor de R$ 33,6 bilhões. Excluindo esse processo, a maior captação foi da BRF, em fevereiro, de R$ 5,4 bilhões. Em 2021, no mesmo período, entre IPOs e follow ons, essa soma já resultava em R$ 122,4 bilhões.

Os números contrastam com a abundância dos últimos dois anos. Em 2021, a B3 somou um total de R$ 130,5 bilhões em captações, uma cifra menor apenas que o montante registrado em 2010, de R$ 149,2 bilhões.

Do total apurado em 2021, R$ 65,6 bilhões vieram de 46 IPOs e R$ 64,8 bilhões de follow ons. Em 2020, um ano antes, foram 28 IPOs na B3, com uma captação de R$ 43,9 bilhões, abaixo, até então, apenas do ano de 2007, quando foram arrecadados R$ 55,6 bilhões em ofertas públicas iniciais de ações na bolsa brasileira.