Mudança de estratégia, de preço e até de comando. Nada pôde salvar a Brandless, que "fechou as portas" e encerrou suas operações nos Estados Unidos. A startup que queria criar uma marca sem marca, enfim, deixou sua marca. É a primeira do portfólio do bilionário Vision Fund, do Softbank, a quebrar. 

Fundada em 2016, a empresa apostava na comercialização online de produtos e artigos para casa, mas sem marca. Tudo era vendido por um preço fixo de US$ 3.  A ideia era provar que a etiqueta era um "acessório" caro, e que qualidade nada tinha a ver com nome ou com cifras.

A Brandless quis mostrar também que era possível fazer isso sem intermediários, num setor que ficou conhecido como direct-to-consumer. Além de muita mídia espontânea, o projeto ganhou também grandes investimentos.

Em 2018, o Vision Fund do Softbank, que apoia startups como Uber, WeWork e Wag, concordou em aportar US$ 240 milhões na empresa, avaliando a startup em US$ 500 milhões. No total, a Brandless levantou US$ 290 milhões, contando ainda com o dinheiro dos fundos Redpoint, NEA, GV e Slow Ventures.

Mas nem todo esse investimento pode solucionar os problemas que a companhia enfrentava com o alto custo de frete, logística e críticas aos produtos. Em 2019, na tentativa de virar o jogo, a Brandless abandonou o modelo de "tudo a US$3", chegando a vender itens por US$ 9 ou mais. 

No mesmo ano, a startup trouxe a bordo o executivo especializado em varejo John Rittenhouse, ex-COO da Walmart.com. Com a nova liderança, veio também a possibilidade de vender os produtos da Brandless em lojas físicas.

Todas as tentativas falharam e, agora, a companhia confirmou o fim das atividades. A empresa já anunciou a demissão de 90% de sua equipe, cerca de 70 pessoas. Os demais 10 profissionais seguem em suas funções até que se cumpra os pedidos finais e avalie ofertas de compra. Em comunicado oficial, a empresa creditou seu tropeço à alta competitividade e diz que seu modelo de negócio é incompatível com essa realidade.

Startups que quebram ou encerram as operações é mais comum do que jogador Neymar se meter em alguma confusão. É do jogo e do modelo de negócios. Afinal, fundos de venture capital investem em muitas delas sabendo que a maioria vai falir.

O fim da Brandless seria um fato corriqueiro, a não ser por um detalhe. Ela faz parte do portfólio do Softbank, que está sob forte pressão desde o fracasso do IPO da WeWork e dos problemas da Uber para ser lucrativa.

Masayoshi Son, fundador e CEO do SoftBank

Verdade seja dita, o acordo entre o fundo de Masayoshi Son e a empresa fundada por Ido Leffler frisava que o aporte só seria completado quando a startup atingisse certas metas de mercado, o que nunca aconteceu. Ninguém sabe exatamente quanto dinheiro o Softbank perdeu neste caso.

Maior do que o prejuízo financeiro, a falência da Brandless e os problemas relacionados com a Uber e o WeWork estão causando um dano colateral ao fundo japonês. Seu novo fundo, que deveria ser de US$ 108 bilhões, está enfrentando dificuldades para conseguir levantar capital.

Uma reportagem do The Wall Street Journal alega que o novo fundo que o gigante japonês tenta captar deve ter a metade do montante planejado e que a maior parte desse investimento virá do próprio bolso do Softbank. 

Outras startups do portfólio do Softbank estão apertando os cintos e fazendo um duro ajustes de contas e demitindo funcionários. Em janeiro, a Zume, dispensou metade de sua força de trabalho, encerrando todas as operações de delivery de pizza e focando apenas em embalagens sustentáveis.

Da mesma forma, a empresa de aluguel de carro Fair teve que puxar o freio de mão de suas ambições e recalcular a rota, proibindo contratos semanais com motoristas de aplicativos, para cortar as despesas com seguradoras. 

Paralelo às apostas frustradas, o Softbank também sofre com as críticas de que suas práticas e cultura são caóticas e pouco profissionais, citando que Son opera sob seus gostos e preferências pessoais. 

Não à toa, o fundo ativista de Paul Singer, o Elliott Management, investiu US$ 3 bilhões no Softbank para pressionar por mudanças na empresa, pedindo mais transparência e gerenciamento mais cauteloso. 

Embora o temor dos investidores pareça lógico, Jason Hsu, que é professor adjunto de finanças da UCLA (Universidade da Califórnia em Los Angeles) e chairman e CIO da agência de análise Rayliant Global Advisor, afirmou que é injusto focar apenas nos fracassos do Softbank. 

"Startups são binárias em seus resultados: elas vão à falência e valem nada, ou encontram sucesso e retornam múltiplas vezes mais que o investimento original", disse Hsu ao NeoFeed. "A regra é que, nos primeiros três anos, cerca de 80 ou 90% dessas empresas financiadas com dinheiro de venture capital encerrem suas as operações". E completa: "Medir o desempenho de um fundo olhando apenas pelos fracassos é algo insignificante, porque vai ser a maior parte de seu portfólio."

Ainda de acordo com Hsu, o desempenho aquém do esperado de Uber, Wag e até a falência da Brandless não significa que tudo é um fracasso. "A Amazon começou vendendo livros online e muitos outros que tentaram a mesma coisa, 'morreram' na praia", diz o professor da UCLA. "Isso significa que a ideia original da Amazon era um tanto quanto falha, mas ainda assim ela conseguiu vingar e arrecadar dinheiro suficiente para transformar o negócio como um todo". 

Para Hsu, todas essas ideias que ganharam forte tração são, de alguma forma, bem-sucedidas, ainda que seus negócios tenham minguado. Tudo é, portanto, uma questão de ajustar o ângulo da análise.

O problema é que os investidores, pelo menos, por enquanto, estão sem paciência com startups que só perdem dinheiro - e não vislumbram uma forma de ganhar dinheiro.

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