A dura correção do mercado de venture capital (VC) deixou o dinheiro restrito não só para as startups. As gestoras que estão captando recursos enfrentam também dificuldade para levantar recursos com investidores, os chamados limited partners (LPs).

Mas algumas delas estão encontrando uma porta de saída para esse momento de extrema dificuldade: os LPs estrangeiros. Nas últimas semanas, o NeoFeed conversou com algumas gestoras que estão levantando fundos para investir em startups no Brasil. E, segundo elas, têm sido mais fácil captar com investidores de fora do que brasileiros.

“O investidor local está mais cauteloso por causa do cenário macroeconômico, do aumento da taxa de juros e da correção no venture capital”, afirma Pedro Oliveira, sócio da Outfield Capital, gestora que aposta em startups de esporte e que é uma das investidoras da Religion of Sports, a startup de mídia de Tom Brady.

Assim como a Outfield Capital, a Futurum Capital, a Oria Capital e a Outcast Ventures também estão obtendo mais sucesso com investidores estrangeiros do que com os brasileiros, indicando que o inverno das startups trouxe, pelo menos neste momento, um trauma para os LPs locais que apostaram recursos nas safras de 2019, 2020 e 2021 de startups.

Mas o que explica alguns fundos de VCs terem conversas mais avançadas com LPs estrangeiros do que brasileiros? Não é uma resposta fácil. Mas, de uma forma geral, o investidor de fora está mais habituado a classes de ativos de longo prazo. E, mesmo em momentos de crise como o atual, entende que o cenário não vai durar para sempre. Com isso, segue apostando em ativos ilíquidos.

“O investidor lá fora tem uma visão positiva da oportunidade que é investir no Brasil. O investidor brasileiro, por sua vez, está menos habituado”, diz Piero Minardi, presidente da Associação Brasileira de Private Equity e Venture Capital (ABVCAP). “Muita gente que entrou na primeira onda de venture capital saiu machucado e se recolheu.”

Observe o caso da Outfield Capital, que iniciou a captação de seu segundo fundo com a meta de levantar entre R$ 50 milhões e R$ 70 milhões. A expectativa é fazer um first closing até o fim deste ano tendo em mãos quase um terço deste montante.

No momento, a gestora tem conversas avançadas com investidores de fora do Brasil, principalmente dos Estados Unidos. “Eles estão habituados com os fundos de venture capital e buscam oportunidades para diversificar a carteira”, diz. A projeção é de que pelo menos 20% do dinheiro captado venha do exterior.

O mercado internacional também vem rendendo frutos para a Futurum Capital. “Já tem um tempo que estamos encontrando mais facilidade em captar no exterior”, diz Giancarlo Barone, fundador e CEO da gestora, que já investiu em startups como Zeph, que desenvolve vitaminas e produtos à base de cannabis; e Spaceflix, um serviço de locação de móveis e acessórios decorativos para residências.

Na busca para levantar R$ 100 milhões em seu novo fundo, a Futurum Capital fez roadshows nos Estados Unidos, Portugal e Reino Unido. “Há uma abertura para o Brasil e para outros mercados emergentes”, afirma Barone, que não revela quanto já captou.

Outro fator que tem ajudado algumas gestoras é a China. Por conta das políticas do governo chinês, mais restritivas às empresas de internet, muito investidores estão realocando para os emergentes os recursos que seriam destinados ao país asiático.

“Eles (investidores estrangeiros) enxergam muito potencial na América Latina. Principalmente com tudo o que está acontecendo na China”, diz um gestor de VC, que já concluiu a captação e obteve uma parcela grande de recursos de fora.

Na Oria Capital, parte do dinheiro que está chegando para o quarto fundo de US$ 100 milhões vem de investidores que iriam investir na China. A gestora, que já apostou em startups como Zenvia e Gupy, estima que dois terços do capital que está sendo levantado virão de fora do Brasil.

“Quem antes alocava na China, agora está colocando mais dinheiro no mercado americano, europeu e na América Latina, principalmente no Brasil”, diz Piero Rosatelli, sócio da Oria Capital. “Os investidores estão vendo um grande risco e a China está sendo cancelada no mercado de investimento.”

Para Rosatelli, o Brasil se torna um porto seguro para este investidor em razão da estabilidade em relação ao cenário geopolítico internacional. “É uma região muito previsível nesse aspecto”, afirma o sócio da Oria Capital.

Mas não são apenas a maturidade do investidor e as questões geopolíticas que ajudam na conversa com investidores estrangeiros. Um fator que tem contribuído é o fato de que, apesar do conservadorismo por conta de cenário de restrição de capital, há ainda muitas oportunidades na América Latina. E, em especial, no Brasil.

“Provavelmente, os investidores estrangeiros estão percebendo que o mercado de VC no Brasil é igual ao dos EUA, só que de 15 anos atrás”, afirma um gestor. “Tem muita oportunidade.”

Uma gestora, que está em fase de captação de seu fundo, começou um roadshow há cinco semanas com LPs de fora. “As primeiras conversas foram muito boas”, diz este gestor. “Mas ainda é cedo para conclusões.”

A Outcasts Ventures, que está captando US$ 25 milhões para seu fundo para investir em foodtechs, está também realizando reuniões nos Estados Unidos com investidores.

“Temos tido bem mais abertura e velocidade nas negociações com estrangeiros, assim como com brasileiros que residem fora”, afirma José Rodolpho Bernardoni, fundador da Outcast.

O gestor de um fundo de VC, que tem longa tradição no mercado, diz que a conversa com investidores estrangeiros é sempre mais tranquila. “Eles entendem melhor a classe de ativos e geralmente já investem em VC”, diz essa fonte. “No Brasil, com várias exceções obviamente, o pessoal tem mais dificuldade de entender o longo prazo.”