A onda de protestos em várias cidades da China nos últimos dias contra a política de tolerância zero do governo chinês contra a Covid acrescentou mais um entrave para a recuperação da economia global.

Antes dos aumentos dos lockdowns na China, as principais economias do Ocidente – em especial dos Estados Unidos e dos países europeus – já vinham sofrendo com crescimento baixo, inflação elevada e taxa de juros altas, efeitos da guerra na Ucrânia, da crise energética por ela gerada e, por tabela, da retração das exportações chinesas.

A expectativa dos mercados era de atravessar 2023 com crescimento baixo ou recessão no Ocidente, principalmente nos EUA. Com a crise chinesa, é provável que o baixo crescimento econômico avance para 2024.

Mesmo que os lockdowns rígidos sejam amenizados – como acenou o governo chinês na noite de segunda-feira, 28 de novembro –, a previsão mais otimista é que o país tenha uma alta de casos de Covid entre novembro e fevereiro, com retração econômica, seguido de uma recuperação a partir do 2° trimestre do ano que vem.

O drama é que qualquer oscilação na economia chinesa impacta no resto do mundo. Responsável por um terço do comercio global, toda vez que o PIB da China encolhe 1%, o efeito na economia global é de uma queda média de 0,5%

O cenário atual chinês representa uma crise dentro da crise, envolvendo questões sanitárias e econômicas com efeito político inimaginável quando o presidente Xi Jinping iniciou um inédito terceiro mandato, há um mês.

Os protestos apenas confirmaram que a Covid está longe de ser controlada no país. A estratégia inicial de combate ao coronavírus mostrou-se inadequada – a opção foi por controlar os casos por meio de testes e com uma ampla campanha de vacinação focada na população economicamente ativa.

Assim, os idosos foram negligenciados, sugerindo que deveriam permanecer em casa. Apenas 40% dos chineses com mais de 80 anos foram imunizados.

Além disso, as vacinas chinesas não são tão boas quanto a tecnologia de mRNA - como as vacinas Pfizer e Moderna - usadas em outros países.

Duas doses da vacina Pfizer/BioNTech oferecem 90% de proteção contra doenças graves ou morte, contra 70% com a Sinovac da China (que além disso, protege por menos tempo). No total, apenas 68% dos chineses foram vacinados.

Para evitar o aumento de casos, os lockdowns rígidos passaram a ser adotados desde o início deste ano. Se uma pessoa testa positivo, todos os vizinhos do prédio têm de cumprir quarentena. Xangai passou dois meses, entre abril e maio, com medidas restritivas, com efeitos duríssimos na economia local.

Atualmente, cerca de 50 cidades, que representam dois terços da produção econômica do país, estão sob lockdown parcial ou total. Irritados, os chineses de pelo menos sete grandes cidades passaram a protestar, exigindo um relaxamento da medida.

Protestos são raros no país, geralmente focados contra autoridades locais. Agora é diferente – em Xangai e em outras cidades, os manifestantes pediram a saída do presidente Xi Jinping, um defensor dos lockdowns.

Recuo e alento

Para estancar os protestos, um porta-voz do governo culpou ontem o excesso de zelo das autoridades locais pela rigidez do lockdown. E acenou com redução da exigência de testes, com lockdowns mais concentrados em locais com grande número de casos e quarentenas reduzidas.

Esse aparente recuo do governo chinês trouxe algum alento aos mercados globais, que até a explosão de protestos vinham trabalhando com uma expectativa de manutenção dos lockdowns rígidos nos próximos 9 a 12 meses.

Fernando Fenolio, economista-chefe da Wealth High Governance, empresa de private banking, afirma que um eventual relaxamento dos lockdowns deve causar dois efeitos, um negativo e outro positivo.

O negativo é o provável aumento imediato de casos de Covid na China, com desaceleração da atividade econômica no curto prazo.  “É provável que teremos fábricas fechando e mais problemas na cadeia de suprimentos, ou seja, a economia chinesa deve piorar antes de se recuperar, a partir do segundo trimestre de 2023”, diz o economista do WHG.

O efeito positivo é a provável volta da normalidade, com a economia chinesa retomando o crescimento, com valorização de ativos, ajudando mercados emergentes.

Fenolio prevê um efeito colateral no dólar, que está valorizado nos níveis mais elevados desde os anos 1980 em relação a outras moedas, e nesse quadro deve perder cotação. “A queda do dólar vai beneficiar as bolsas europeias e o mercado de commodities”, diz.