Qual a maneira de enxergar o bilionário americano Peter Thiel, dono de uma fortuna estimada em US$ 7,5 bilhões? Uma forma é exaltá-lo por ser um dos fundadores do PayPal, a primeira  fintech do mundo, que nasceu em 1998, quando o termo nem exista.

Ele faz também parte da “máfia do PayPal”, expressão que se refere a empreendedores que saíram da empresa e obtiveram sucesso no mundo dos negócios. Seus membros mais proeminentes, além de Thiel,  são Elon Musk (Tesla e SpaceX) e Reid Hoffman (LindkedIn).

Thiel foi ainda o primeiro investidor a apostar no Facebook, na época que Mark Zuckerberg era um “moleque”. Por fim, pode ser reconhecido como um dos fundadores da Palantir, uma empresa de big data que tem entre seus clientes o Exército dos Estados Unidos, a CIA e o Pentágono.

A companhia abriu o capital na bolsa dos EUA em 2020 e vale US$ 55,5 bilhões, mas está envolvida em diversas polêmicas por conta de acusações de invasão de privacidade e de coleta ilegal de informações – o que a companhia sempre negou.

Mas Thiel pode ser também lembrado como uma pessoa que ajudou a destruir meios de comunicação, não pagou impostos e por ser um bilionário conservador do Vale do Silício, um dos primeiros a apoiar Donald Trump em sua campanha à presidência em 2016.

É essa última faceta que o jornalista americano Max Chafkin, da Bloomberg BusinessWeek, resolveu contar na biografia The Contrarian: Peter Thiel and Silicon Valley's Pursuit of Power, recém-lançado nos Estados Unidos.

Com base em mais de 150 depoimentos, a imensa maioria deles anônimos, o livro rapidamente se tornou alvo de polêmica, com resenhas negativas na imprensa, por conta de se focar no lado sombrio do fundador do PayPal e da Palantir.

O jornal britânico Financial Times (FT), por exemplo, perguntou em um artigo: “Quem é o Peter Thiel real?” E acrescentou: “a biografia de Max Chafkin apresenta informações controversas sobre o magnata da tecnologia.” O jornalista Richard Waters, em sua resenha no FT, diz que Thiel foi reduzido ao papel de um vilão desagradável na biografia de Chafkin.

“Libertário maluco, supervilão de James Bond, provocador de direita: todas essas são caricaturas que os críticos procuraram atribuir ao investidor em tecnologia que se tornou o mais proeminente patrocinador de Donald Trump no Vale do Silício. São também rótulos que é fácil imaginar o próprio Thiel saboreando”, escreveu Waters.

Pelas 400 páginas do livro, que ainda não foi traduzido para o português, Chafkin conta a história de como Thiel esteve por trás da falência do grupo de mídia Gawker, que controlava sites como Gizmodo, Lifehacker e Valleywag.

Ele financiou secretamente um processo do lutador de luta livre, ator e empresário Hulk Hogan contra a Valleywag por ter divulgado um vídeo que flagra Hogan transando com a mulher de um amigo. A Justiça condenou a editora a pagar uma indenização de US$ 140 milhões, que a levou à falência.

O que motivou Thiel a apoiar a causa de Hogan foi uma vingança, por conta de um artigo antigo, escrito na Valleywag, com o título “Peter Thiel is totally gay, people”. Na época, em 2013, a orientação sexual de Thiel não era conhecida.

O livro "The Contrarian"

The Contrarian acusa também Thiel de usar táticas para impulsionar o crescimento do PayPal através de “truques insustentáveis ​​ou eticamente duvidosos”, que mais tarde levaram ao mau comportamento de empresas como a Uber. E aborda também as estratégias do empresário e investidor para pagar menos impostos nos Estados Unidos.

De acordo com Chafkin, Thiel é hábil em encontrar maneiras inteligentes de limitar sua exposição fiscal e tem usado uma conta chamada de Roth IRA, voltada para a aposentadoria, como um veículo de investimento. “Por meio de um planejamento tributário muito inteligente, Thiel conseguiu acumular bilhões de dólares nesta conta isenta de impostos”, disse Chafkin, em uma entrevista à revista TIME.

Ao explorar essa faceta, Chafkin deixa de abordar o lado revolucionário de Thiel, que está por trás das principais empresas do Vale do Silício através de seu fundo, o Funders Fund, e que já investiu em startups como Facebook, Airbnb, Affirm, Asana, Spotify e muitas outras companhias que moldaram, recentemente, o mundo de tecnologia ao redor do mundo - para o bem e para o mal.

O jornalista americano Walter Isaacson, que escreveu a biografia de Steve Jobs (1955-2011), mostrou o fundador da Apple como um gênio que revolucionou o setor de tecnologia com o Mac, o iPod, o iPhone e o iPad. Mas não deixou de abordar o lado irascível, insensível e até mesmo desumano de Jobs no relacionamento com familiares, amigos e funcionários.

Afinal, as pessoas são boas e más e erram e acertam. Ao escolher um lado da história, como as resenhas que saíram sobre livro criticam, Chafkin deixa de trazer aos leitores um perfil mais humano de uma das mais interessantes e influentes pessoas que surgiram no Vale do Silício nas últimas duas décadas.