A disputa pelo dinheiro dos investidores do varejo que, a cada dia, engrossam as estatísticas na B3, se traduziu em uma onda de aquisições de corretoras e plataformas nos últimos meses. A mais recente delas, protagonizada pelo Santander, que adquiriu 60% da Toro, no início desta semana.

Em julho de 2014, muito antes dessa leva, a XP Inc. desembolsou R$ 90 milhões para comprar a Clear. Fundada em 2012, com um aporte de R$ 15 milhões, a corretora tornou-se a marca de combate do grupo no day trading e nas demais operações em bolsa.

Com esse papel, a Clear se consolidou como a segunda maior corretora independente, atrás apenas da própria XP. E agora, com a competição mais acirrada, está se mexendo para seguir atraindo os CPFs que acessam a B3. O pacote inclui novas plataformas, tecnologias e o foco na educação desse investidor.

“Precisamos estar sempre um passo à frente da concorrência”, diz Roberto Indech, estrategista-chefe da Clear e sócio da XP Inc., ao NeoFeed. No comando da operação desde abril, ele traduz essa orientação em números. “Temos um pipeline de 15 a 20 projetos até o fim do primeiro semestre de 2021.”

Duas novidades já estão saindo do forno. A mais recente é um novo home broker, que será lançado neste mês. Na plataforma, o módulo day trade oferece 15 opções de estudo, entre outros recursos. Já no módulo swing trade, o investidor pode criar listas ou carteiras com as suas ações.

O segundo lançamento, feito em setembro, é um novo aplicativo, pelo qual é possível monitorar as maiores altas e baixas do dia, ver em tempo real os ativos com maior liquidez e acessar playlists criadas de acordo com o perfil de cada investidor.

Os dois projetos concentraram um investimento de R$ 10,5 milhões. “Além de melhorar o layout e a experiência, investimos em infraestrutura e capacidade”, diz Indech. “Tanto para acompanhar o crescimento do mercado quanto para entregar mais estabilidade na plataforma.”

Essa última questão é, de fato, um ponto de atenção. “A plataforma vinha apresentando muitos problemas operacionais e de instabilidade”, diz uma fonte do setor. “A parte de infraestrutura vem melhorando, mas ainda é um desafio para a Clear.”

Em setembro, a Clear lançou a nova versão do seu aplicativo

A necessidade de aprimorar a ferramenta vai ao encontro do crescimento exponencial no volume de pessoas físicas no segmento de day trading. Segundo a B3, de janeiro a agosto, 486.676 investidores fizeram ao menos uma operação nessa modalidade, um salto de 100,6% sobre igual período de 2019.

Nesse intervalo, a Clear registrou um aumento de 234% em sua base de clientes ativos. Indech não revela quantas pessoas formam essa carteira e quanto a corretora tem sob custódia. Mas abre alguns índices de participação de mercado da companhia.

Segundo o estrategista, atualmente, a corretora tem uma fatia de mais de 23% em termos de volume de contratos futuros negociados; uma participação superior a 13% no volume negociado no varejo; e de 5,2% em custódia.

“Nós ocupamos um bom espaço e temos uma relevância enorme dentro da XP”, diz Indech. A XP, levando-se em conta todas as suas marcas, tem R$ 436 bilhões sob custódia e 2,3 milhões de clientes ativos.

Barreira de entrada

Para fontes consultadas pelo NeoFeed, a Clear, ao lado da Rico, outra bandeira da XP no segmento, realmente é uma peça essencial na estratégia desenhada pelo grupo comandado por Guilherme Benchimol para dominar cada segmento desse mercado.

“A XP queria conversar com bolsos mais parrudos. Não queria falar mais de bolsa, só de investimento”, afirma um executivo do setor. “A Clear permitiu que ela saísse desse segmento e, ao mesmo tempo, não deixasse espaço aberto para ninguém.”

Um passo decisivo para que a Clear ganhasse escala entre os traders e ocupasse amplamente esse terreno foi dado há dois anos, quando a corretora zerou as taxas de corretagem de todos os seus produtos. A medida, adotada posteriormente em parte do portfólio das outras marcas do grupo, foi pioneira no mercado.

Para outra fonte do setor, o fato de já ter volume para captar receitas em linhas acessórias e contar com o suporte financeiro da XP, faz com que a Clear tenha um caminho viável para sustentar esse modelo. Especialmente no ambiente de bolsa, que exige infraestrutura e operações mais sofisticadas.

“Eles criaram uma barreira de entrada. Hoje, com exceção da Modalmais, ninguém ainda tem volume expressivo em trade para ameaçá-los”, diz. “Por isso, todo mundo está se juntando e buscando desesperadamente escala.”

Segundo a B3, de janeiro a agosto, 486.676 investidores fizeram ao menos uma operação de day trading, um salto de 100,6% sobre igual período de 2019

À parte dessa corrida, a Clear está reforçando os investimentos também no pilar de educação para atrair e reter mais traders. Atualmente, segundo Indech, a carteira atendida pela corretora inclui, em sua maioria, jovens, de perfil de investimento moderado para agressivo, e de baixa e média renda.

Nessa área, um movimento recente foi o lançamento, em setembro, de um mini-MBA para a formação de traders, idealizado por Indech e realizado em parceria com a XPEED, plataforma de educação estruturada recentemente pela XP.

Com duração de quatro meses, o curso explora temas como mercado de renda variável, estratégias de trade e psicologia. “Para nós, não é interessante que esse trader entre na nossa base, perca dinheiro e ainda vire um detrator”, diz Indech. “A longevidade desse cliente é estratégica pra gente.”

Há outras frentes em curso para educar esse investidor. Uma das iniciativas é um projeto-piloto batizado de Monitor de Disciplina. Na prática, trata-se de um sistema que acompanha as operações do trader e fornece análises e insights sobre o seu desempenho, apontando erros e acertos, entre outras questões.

O serviço está sendo testado por mais de dois mil clientes e vai ganhar uma segunda versão nesse mês. A previsão é que ela esteja disponível para toda a base, com todos os ajustes feitos, em novembro.

A oferta de informações para apoiar os investidores são outro foco. E o blog e as redes sociais são o meio escolhido para divulgar esses conteúdos. Hoje, por exemplo, o canal da Clear no YouTube tem 316 mil seguidores, com transmissões das 9h às 17h, e uma audiência, em média, de 20 mil pessoas por dia.

Nessa área, a corretora, mais conhecida pelas análises no campo no day trading, quer produzir também conteúdos voltados ao investidor com perfil mais de longo prazo, o chamado "buy and hold", em especial, com análises fundamentalistas.

Acostumada a trabalhar longe dos holofotes, a empresa prepara ainda uma incursão em um espaço pouco explorado em sua trajetória. No primeiro semestre de 2021, a Clear lança uma grande campanha de publicidade, com veiculação em todas as mídias.

“Queremos consolidar a Clear como a marca de renda variável para qualquer brasileiro”, afirma Indech, que não revela o investimento projetado para a ação. “E, para isso, vamos pisar no acelerador também nessa frente.”

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