Por anos, quando se comparava o Brasil a outros emergentes, a posição de economistas e gestores locais e estrangeiros era muito semelhante: o País tem potencial e instituições sólidas, mas falta estabilidade para de fato atrair mais fluxos de investimentos. 

Entretanto, com os países avançados enfrentando dificuldades relacionadas à inflação e grandes emergentes tendo problemas geopolíticos, a imagem do Brasil ficou melhor em termos relativos. E isso pode ajudar a reabrir as operações no mercado de capitais, segundo Gustavo Miranda, diretor da área de banco de investimento do Santander Brasil.

“Temos uma janela de precificação de ofertas, principalmente para follow ons, porque são as mais líquidas, e elas atraem mais a atenção de investidores estrangeiros, que têm migrado suas teses de investimento dentro da classe de emergentes para países mais estáveis e o Brasil está mais estável”, diz Miranda, ao NeoFeed

O ano tem sido marcado por uma pisada no freio nas operações no mercado de renda variável, justamente em função da situação global, além do calendário eleitoral brasileiro.

Depois de um 2021 histórico para ofertas públicas iniciais de ações (IPO, na sigla em inglês), com 46 aberturas de capitais, e 26 follow ons, em 2022, o Brasil não viu até o momento nenhuma listagem na B3. 

Já a quantidade de follow-ons está prestes a aumentar para 17 com a conclusão das operações recém-anunciadas por Iguatemi e Vamos. Das ofertas nessa modalidade que foram concluídas, o Santander participou de cinco, entre elas, as da Eneva e da Arezzo. Em 2021, o banco esteve envolvido em 16 IPOs e 12 follow-ons.

No comando da área há três anos e prestes a completar 15 anos no Santander, Miranda diz que a grande questão para uma retomada consistente não está no País, mas lá fora. Especificamente, em Washington, capital dos Estados Unidos, onde o Federal Reserve (Fed) está apertando a política monetária da maior economia do mundo, situação que tem enxugado a liquidez global e tirado o interesse dos investidores pela renda variável.

“Não acho que seja tanto o tema de que o BC americano vai subir os juros, mas se vai surpreender o mercado, o que cria um cenário desafiador para IPOs”, afirma. “O processo de precificação (de IPOs) é mais longo e, em ambientes de volatilidade, isso fica mais difícil.”

Outra questão é a eleição presidencial local. Muito menos o nome que vai ganhar, mas qual agenda econômica será adotada. E esse pacote passa ainda pelo rumo que o Banco Central (BC) indicará para a política monetária brasileira.

Se para ofertas públicas o mercado não é favorável, para fusões e aquisições, o atual cenário tem sido bastante positivo. E Miranda tem visto um ponto se destacar entre as operações: o interesse cada vez maior das empresas em temas relacionados ao meio-ambiente, buscando ativos que ajudem a reduzir a pegada de carbono ou introduzi-las em novas áreas de atuação.

Ele cita o caso da Vibra, distribuidora de combustíveis que comprou a comercializadora de energia Comerc, operação que foi concluída em maio deste ano. Quem também recorreu ao M&A para entrar em energia renovável foi a Eneva, com a aquisição da comercializadora Focus e com projetos de geração de energia renovável. O Santander atuou nas duas operações.

"Tem temas que são macro e tem forte demanda dos investidores por investimento, o ESG é um deles", afirma Miranda. 

Acompanhe os principais trechos da entrevista ao NeoFeed:

Como você avalia 2022 em termos de quantidade de IPOs e follow ons? Está dentro do que você esperava para este ano?
Acho que sim. O que ocorreu na Europa (guerra na Ucrânia) foi um evento surpreendente e os efeitos disso estamos sentindo até hoje. Tínhamos um cenário que imaginávamos que seria influenciado um pouco mais por temas locais, a política monetária e as eleições, tendo um impacto maior sobre o mercado. Mas a eclosão dos eventos na Europa trouxe efeitos inflacionários, como choque de energia, e isso fez com que a política monetária dos países desenvolvidos tivesse influência muito grande sobre fluxos para ativos de risco. Hoje, são esses eventos que têm tido uma força maior sobre o destino dos mercados de capitais.

O que podemos esperar até o final do ano? Passadas as eleições, podemos ver uma retomada nas operações?
Com as informações que temos hoje, temos uma expectativa de que sim, pode haver uma retomada. Temos uma janela de precificação de ofertas, principalmente de follow ons, porque são as mais líquidas e por isso atraem mais o interesse de investidores estrangeiros, que têm migrado suas teses de investimento dentro da classe de emergentes para países mais estáveis e, relativamente, estamos mais estáveis. Se você tiver uma redução de volatilidade, as eleições se concluindo para um lado ou outro, com uma definição clara sobre o que vai ser, qual vai ser a linha econômica do novo presidente, acho que se abre caminho potencial para ver uma série de ofertas acontecendo, que, a nosso ver, o funding seria uma mescla entre interesse local e estrangeiros. 

Quais fatores vão influenciar a retomada das operações?
A retomada vai depender de duas coisas. Primeiro, a política monetária dos Estados Unidos ser bem entendida. Hoje, não temos isso tão claro. O mercado precifica os juros indo até 3,5% neste ano, mas se o Fed avançar para 4%, vai ter uma segunda perna de ajuste dos juros no mercado. O segundo ponto é a política monetária aqui, quando estiver claro – e esse sinal tem se intensificado – de que chegamos no pico da Selic e daqui para frente vamos começar a vê-la baixando. Quando esses dois fatores estiverem na mesa, vamos ter fluxo vindo para emergentes, o fluxo local de renda fixa voltando para a variável. Acho que devemos começar a ver isso a partir do primeiro trimestre do ano que vem. 

"Nós temos uma lista de 15 a 20 nomes que monitoramos de clientes que, se quisessem fazer uma oferta, teriam uma receptividade muito grande"

Como você imagina que essa retomada acontecerá?
A volta de qualquer mercado de renda variável começa com as empresas maiores, mais líquidas, com fluxo de caixa mais previsível, fazendo follow ons. Na medida em que esses follow ons são feitos e quem investiu ganha dinheiro, começa-se a abrir o caminho para os IPOs. Quando for ter os IPOs, naturalmente começa com empresas mais interessantes, IPOs maiores. Acho que na volta do mercado, teremos uma mescla de locais e estrangeiros pelos IPOs maiores, de empresas com fluxo mais previsível, um histórico de lucros e rentabilidade. Com o ciclo monetário no Brasil se acomodando, acho que será um vento a favor. 

Vocês estão recebendo consultas de empresas interessadas em fazer follow ons neste ano ou no próximo?
Interesse tem. Em um país como o nosso, com empresas que crescem, que querem investir, tem uma demanda reprimida de ofertas pela frente e as empresas observam o mercado e nos consultam muito. Quando saiu a oferta da Eletrobras, que foi muito grande, num período em que a Bolsa estava pior do que está atualmente, ela despertou muito a curiosidade dos clientes corporativos sobre se a gente tinha virado o momento e se haveria um mercado saudável.

E o que eles querem entender para decidir se seguem ou não com uma operação?
Para um CFO de uma empresa, o melhor termômetro de fazer ou não uma oferta é olhar a ação dele, onde está, e a partir daí a precificação de um follow on é uma variação sobre onde está a ação da empresa. É uma decisão que se toma rápido, dependendo da necessidade da estrutura de capital. Nós sabemos e temos uma lista de 15 a 20 nomes que monitoramos de clientes que, se quisessem fazer uma oferta, teriam uma receptividade muito grande do mercado. 

E IPOs?
No caso de IPOs, se você é CEO ou acionista de uma empresa e pensa em fazer um IPO, quando você olha para o mercado, você aguarda, naturalmente. Os próprios clientes se dão conta que, dada a volatilidade, talvez não seja o melhor momento para fazer ofertas. Passadas as eleições e a definição sobre o que está acontecendo no mundo, aí começa a ter discussões mais concretas sobre o cenário para IPOs. Temos visto demanda dos investidores financeiros em conversar com as empresas privadas, para conhecê-las e estudar de antemão os cases antes que os IPOs sejam lançados. Existe interesse mútuo, a questão é muito mais ter um cenário propício e menos volátil. 

Você falou a respeito do interesse estrangeiro. Como o Brasil está sendo visto por eles?
Dentro da classe de países emergentes, somos vistos como o País que se sai relativamente melhor. Nossa moeda em relação ao dólar está performando melhor, nossa Bolsa também. Somos vistos como um país relativamente pacífico, longe dos problemas que tem lá fora, que completou o ciclo de aperto monetário antecipadamente, tem ativos baratos, é exportador de commodities e tem uma eleição “previsível”, no sentido de que são dois candidatos conhecidos e que o mercado consegue entender e fazer suas análises sobre o que pode acontecer.

Isso de alguma forma tem afetado as perspectivas para operações no mercado?
Estamos relativamente bem, mas o cenário externo é desafiador, com muitos riscos no ar. Acho que tem problemas enormes na Europa indo para frente, na China, que são importantes para nós, porque influenciam os preços das commodities, e tem o BC americano subindo juros. Não é tanto o tema se o Fed vai subir os juros, mas se vai surpreender o mercado, se vai subir mais do que está embutido nos preços. Isso cria um ambiente mais difícil para IPOs, processos tradicionalmente complexos, que começam menos líquidos comparados com os nomes já listados, e, em ambientes de volatilidade, isso fica mais difícil. 

"Na volta do mercado, teremos uma mescla de locais e estrangeiros pelos IPOs maiores, com histórico de lucros e rentabilidade"

Com o mercado fechado para ofertas públicas, quais opções as empresas têm recorrido? O Santander tem tido demanda para outros tipos de operações?
Estamos vendo um mercado para fusões e aquisições muito aberto. Operações grandes são complexas pelo tema de financiamento, mas o banco está muito ativo, vendo muitas transações acontecendo e sendo anunciadas. Podem ser aumentos de capital privado, empresas que fariam um IPO fazendo uma transação com private equity, que estão bem capitalizados. Para os fundos, o mercado está muito interessante. Existem fundos provendo soluções de capital híbrido, uma mescla entre dívida e capital. Você tem interesse dos fundos de usar o cenário como oportunidade para entrar em empresas interessantes. 

Quais setores estão mais aquecidos em termos de M&A?
Tem várias teses. Algumas seculares, como energia renovável, tecnologias relacionadas à sustentabilidade. É algo que tem nos surpreendido. Ativos de energia sempre foram muito transacionados no Brasil, mas essa parte mais relacionada à sustentabilidade, biocombustíveis, economia circular, uma série de coisas sobre redução de pegada de carbono, temos visto um crescimento grande. Temos visto muito interesse em infraestrutura, diante da necessidade de desenvolvimento da área no Brasil. O setor de saúde é um que tem muita coisa para acontecer e consolidar, com grandes grupos deslanchando como consolidadores de mercado. O setor de educação também, temos visto muito interesse, principalmente em educação de saúde, vagas de medicina. 

Os ativos estão baratos para os compradores?
Tem fundos que buscam ativos com muita complexidade para transformar numa bela operação e sair, buscando arbitragem de valor grande. Outros buscam ativos de infraestrutura, principalmente fundos de pensão estrangeiros, soberanos, que gostam de ativos mais redondos e com mais previsibilidade. Depende da estratégia. Obviamente, com os juros que temos aqui e como está ficando o resto do mundo, as referências de valor para se chegar a um acordo são menores do que há um ano. Na B3, estamos melhores que há um mês, mas, mesmo assim, tem múltiplos e preços de ações menores. Os preços estão mais baixos, o custo para financiar está mais alto, então, tenta se ajustar nas aquisições. Você não tem uma competição com o mercado de IPOs como se tinha há pouco mais de um ano. Isso ajuda o comprador, mas tem vendedor que lembra quanto o ativo valia 12, 18 meses atrás e que reluta transacionar com os múltiplos de hoje, o que torna o fechamento de operações mais complexo. 

"Dentro da classe de países emergentes, somos vistos como o País que se sai relativamente melhor"

Na última leva de IPOs, houve críticas de que muitas companhias não estavam preparadas para abrir capital. Houve um excesso de otimismo com certas empresas?
Acho que é uma soma de fatores. Tem empresas que, eventualmente, pularam alguma etapa na evolução da governança, da maturidade do negócio. Não somos um mercado de growth. Quando você olha os Estados Unidos, isso é mais latente. Uma série de empresas que não gerava caixa, algumas que não geravam nem receita, fazendo IPO, SPACs. Isso vem um pouco do fluxo de dinheiro que estava jorrando para o mercado de ações. Quando se tem um fluxo grande querendo investir em ações, os ativos tradicionais ficam mais caros, o que abre espaço para fazer apostas ou suportar teses de crescimento, e algumas vão dar mais certo que outras. Se o mercado está disposto a prover recursos a um certo valuation e isso é mais interessante do que trazer um fundo que possa ajudar no negócio, é uma alternativa que existe e se toma. Com as condições de mercado, com juros baixos aqui e lá fora, isso estimula a migração de recursos e abre espaço para as empresas captarem, e talvez algumas poderiam ter ido melhor se tivessem chegado mais maduras. 

Você vê espaço para a chegada de empresas de growth na B3?
Eu vejo, mas a questão é muito mais de peso, não de espaço. Não temos uma Amazon, uma Apple, uma Meta. O peso do nosso índice é muito centrado em empresas grandes como Itaú, Ambev, Vale e Petrobras, de value. O Reino Unido também é conhecido por ser um índice de value. O Canadá também, porque tem muita empresa de mineração e energia. É muito mais uma questão de perfil. O mercado que tem mais peso de tecnologia e growth certamente é os Estados Unidos, que tem o índice Nasdaq e teve um fenômeno nos últimos anos de concentração muito grande do S&P 500 em cinco grandes nomes de big techs. Isso não quer dizer que não se tem interesse (em fazer listagem no Brasil). É um tema da empresa, se é interessante, se vai ter liquidez, qual o histórico. 

Além da questão de growth, você vê outros segmentos da economia conseguindo entrar na Bolsa, com boa receptividade?
Espero que sim, sempre queremos que tenha mais diversificação. Nos últimos anos, o varejo aumentou sua representação na Bolsa como um todo. Toda a parte de alimentos, que vai do agro até proteínas, tem espaço para crescer. Pelo peso que o agronegócio tem na economia brasileira e por sermos reconhecidos como um país extremamente competitivo nessa área, acho que vai ter espaço para crescer. Toda a infraestrutura relacionada a isso também deveria aumentar o peso na Bolsa. A parte de energia renovável também deveria crescer, tem poucas empresas puras de energia renovável na Bolsa e acho que vai crescer, à medida que vamos mudando a matriz. E o setor de saúde também é um setor que temos algumas empresas grandes, mas acho que ele vai crescer ainda mais, acho que temos um espaço interessante para ocuparem o índice. 

O Santander está tentando trazer esses setores sub-representados para a Bolsa?
Sim, estamos. Tem temas que são macro e tem forte demanda dos investidores por investimento. O ESG é um deles. Quando se tem um bando de fundos com tema ESG, você vai buscar empresas que atendam essa demanda. Principalmente no ‘E’, que trata de sustentabilidade, tentando casar a oferta com a demanda. Tem o tema de demanda dos investidores, mas tem os temas micro das empresas. Elas precisam estar preparadas, no tamanho certo, a necessidade de recurso certa, com um bom histórico de crescimento para poder atender os investidores. Não adianta ter demanda se o ativo não for relevante e juntar com os temas do mercado de capitais. 

No caso de M&A, o ESG tem impulsionado o número de operações?
Sim, muito. Vou citar duas operações que fizemos e mostram isso. A Vibra comprou a Comerc, nós assessoramos a Vibra. A Vibra atua em distribuição de combustíveis fósseis, logística, e compra uma empresa de comercialização de energia, energia renovável, com iniciativas em crédito de carbono. A Eneva, uma empresa de térmicas a gás e carvão, comprou a Focus, de energia renovável. Saindo do campo de energia, a Braskem comprou uma empresa de economia circular, a Wise Plásticos. A CSN está investindo em empresas relacionadas ao hidrogênio verde, uma forma de substituir o uso de carvão nos altos-fornos. Se você falar com qualquer CEO de empresa no Brasil, tem dois temas que interessam muito, a digitalização dos negócios e sustentabilidade. Todos eles têm muito forte esses temas na cabeça e é um caminho sem volta.