O fim de 2012 se aproximava. Marcos Martínez tinha pela frente uma importante missão: encontrar o presente perfeito de Natal para a sogra, que não era uma das maiores fãs do jovem argentino recém-formado em engenharia da computação na cidade de Córdoba.

Ele decidiu usar, então, seus conhecimentos para criar um algoritmo que analisava as interações online da mãe da namorada. O perfume da Lancôme agradou em cheio a sogra, que passou a ser uma das principais incentivadoras do casamento que aconteceria anos depois.

A tecnologia não ajudou Martínez chegar apenas ao altar. Antes disso, no início de 2013, ele fundou a Fligoo, ao lado dos amigos Lucas Olmedo e Juan Cruz Garzón. Pouco tempo depois, o trio decidiu tentar a sorte em São Francisco, no Vale do Silício.

Passados pouco mais de seis anos, a startup se prepara agora para desembarcar também no Brasil. Trazendo na bagagem um portfólio de mais de quatro mil algoritmos.

Depois do início voltado ao mercado B2C, a novata redirecionou o seu modelo para o segmento de empresas. E, com foco em análise e previsão de comportamento, se especializou em vertentes como inteligência artificial, big data e machine learning.

“É um arsenal de algoritmos. Esse é o nosso segredo”, diz Carlos Naupari, vice-presidente executivo e responsável por novos negócios da Fligoo. Peruano e filho de um executivo da indústria petrolífera, ele passou a infância e a adolescência entre Bolívia, Venezuela e Arábia Saudita.

Carlos Naupari, vice-presidente e responsável por novos negócios do Fligoo

Mas foi no Brasil que o “carioca de coração” e flamenguista fanático morou boa parte da sua vida antes de se mudar para os Estados Unidos, em 2004, para cursar economia e relações internacionais na Universidade de Virgínia.

À frente da expansão internacional da Fligoo, o executivo voltou a colocar o Brasil no seu roteiro. Desde julho, ele passa ao menos duas semanas por mês no País, preparando o terreno para que a startup finque os pés por aqui. A previsão é de que a estrutura entre em operação no primeiro trimestre de 2020 sob o comando, provisório, de Naupari.

Enquanto busca um local para abrigar a sede em São Paulo, Naupari costura acordos no Brasil. Em apenas dois meses, tempo recorde para a companhia, a empresa assinou contrato com uma grande varejista. Logo depois, foi a vez de um dos principais bancos começar a testar os algoritmos da startup.

Hoje, além desses dois acordos, a Fligoo tem mais oito propostas em negociação no País, que incluem empresas do setor financeiro, de educação e de bens de consumo. Com base nessas prospecções, a projeção conservadora é contratar, inicialmente, um time de quinze cientistas de dados.

Como os talentos na área são escassos e caros, a empresa não descarta investir em uma aquisição para acelerar essa frente. Alguns ativos na região Sul, que abriga alguns polos formadores de profissionais na área, estão no radar.

Eventuais transações, bem como a estruturação da empresa no País, serão financiados por uma nova rodada de investimentos que acaba de ser captada junto a investidores, em sua maioria, family offices, inclusive do Brasil.

Até então, a Fligoo havia levantado pouco mais de US$ 3 milhões em três rodadas que incluíram a participação de executivos de empresas americanas como Palo Alto Networks e a Brocade.

O cérebro por trás do arsenal

Com sede em São Francisco, a Fligoo mantém suas raízes em Córdoba, na Argentina. A cidade, que na década de 1990 atraiu operações de grandes multinacionais de tecnologia, é também um polo de profissionais da área. E abriga a Fligoo House, hub de tecnologia responsável pelo desenvolvimento de todos os algoritmos da startup.

A decisão de montar essa estrutura longe de São Francisco foi motivada pelos salários inflacionados e também pela concorrência das empresas do Vale do Silício por cientistas de dados e afins.

“Hoje, um cientista de dados ganha US$ 400 mil por ano no Vale do Silício. E se é bom mesmo, vai trabalhar no Google ou no Facebook”, diz Naupari, que aponta o hub criado em Córdoba como um dos fatores essenciais para que a empresa hoje seja lucrativa.

Atualmente, a equipe da Fligoo House é formada por 40 cientistas de dados. Até o fim do ano, a previsão é de que o time chegue a 50 profissionais. “Esse é o cérebro de toda a operação”, afirma Naupari. “Temos algoritmos específicos para cada indústria e, à medida que vamos criando novos modelos, também treinamos e melhoramos os já existentes.”

A equipe da Fligoo é formada por 40 cientistas de dados. Até o fim do ano, a previsão é de que o time chegue a 50 profissionais

Desenvolvidos em parceria com pesquisadores de inteligência artificial do Massachusetts Institute of Technology (MIT), os algoritmos da Fligoo trabalham em cima dos grandes volumes de dados armazenados pelas empresas. A ideia é prever comportamentos e gerar mais inteligências a essas companhias.

Uma das aplicações é o setor de educação. A partir de fontes variadas de informação, como o aluno que não está frequentando o campus, que não se loga nos sistemas online da faculdade ou que acessa a rede Wi-fi da instituição, os algoritmos conseguem identificar estudantes propensos a deixar o curso e propor maneiras de evitar essa evasão.

As análises envolvem ainda informações externas, às quais, o cliente em questão tem acesso, como por exemplo, dados demográficos.

O mesmo princípio é adotado em algoritmos específicos para outros segmentos. O carro-chefe da Fligoo são as empresas do mercado financeiro. Mas também estão no escopo os setores de saúde, bens de consumo e, como já citado, educação.

“Em vez de criar um mega algoritmo, desenvolvemos diferentes algoritmos para alcançar o consumidor daquele produto ou serviço rapidamente”, afirma Naupari. “Em todos os casos, nós nos baseamos apenas nos dados que o cliente pode usar legalmente.”

No caso de um banco, por exemplo, a Fligoo não consegue identificar apenas o produto mais adequado ao perfil de determinado cliente. Mas também, o melhor canal para entrar em contato com aquele correntista.

Na liga dos campeões

O início da operação da Fligoo foi marcado por um movimento ousado. Logo depois de a empresa ter sido acelerada pela NXTP Labs, o trio de fundadores decidiu se instalar no Vale do Silício. “Eles queriam se provar e foram jogar na Champions League”, afirma Naupari.

Após atrair investidores e estabelecer uma rede de contatos, a empresa chegou a um impasse em 2015. O foco no B2C não trazia resultados e os fundadores viam a possibilidade de fechar as portas e voltar para a Argentina cada vez mais próxima.

Depois do Brasil, a próxima parada na estratégia de expansão internacional da empresa é o Cidade do México

Foi quando um de seus investidores, um executivo da Alscripts, empresa americana de tecnologia para hospitais, sugeriu que fizessem um piloto na companhia. “Era isso ou o voo de volta para Córdoba”, diz Naupari.

Com o sucesso do projeto, a Fligoo redirecionou o seu foco para o B2B, já em 2016. E começou a ganhar fôlego, especialmente entre os clientes do segmento financeiro.

Nesse caminho, a startup comemorou algumas conquistas. Um dos destaques veio em 2018, quando a empresa foi uma das sete selecionadas do programa Start Path, da Mastercard, que passou a apresentar a companhia à sua base de clientes. Nesse momento, Naupari, que até então atuava apenas como conselheiro, se juntou definitivamente ao time.

Hoje, além do hub tecnológico em Córdoba, a Fligoo tem operações nos Estados Unidos (São Francisco, Nova York e Miami) e inaugurou, há um mês, seu escritório em Londres. No Reino Unido, a companhia é uma das integrantes do Scale Fintech, iniciativa da PwC para startups financeiras, e do programa de aceleração do Royal Bank Scotland.

Depois do Brasil, a próxima parada na estratégia de expansão internacional da empresa é o Cidade do México, cujo escritório será inaugurado também no primeiro trimestre de 2020. Outros mercados estão em avaliação para receber uma operação. Entre eles, Itália e Espanha.

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