A deflação de julho e a publicação da ata do Copom, que serão divulgadas ambas na terça-feira, 9 de agosto, são dois eventos são emblemáticos do atual estágio da economia brasileira.

A variação negativa do IPCA, estimada em cerca de 0,6% em julho, será a sétima deflação mensal observada em uma década, excluindo do histórico os índices que caíram no vermelho em abril e maio de 2020, no auge da pandemia que provocou depressão global nos preços.

Desta vez, porém, a deflação espelha a decisão do governo de bancar a isenção tributária dos combustíveis. Polêmica pelo viés eleitoreiro, a iniciativa vem derrubando os preços dos combustíveis – movimento reforçado pelo corte de preços da Petrobras às distribuidoras.

A contribuição da estatal pode ser temporária porque sua política de preços segue vinculada à cotação internacional do petróleo e ao câmbio. A isenção tributária tem data para acabar – 31 de dezembro – e deve ser seguida por um repique da inflação.

“Mas se o BC conseguir evitar que a inércia inflacionária aumente daqui para frente, a tendência é de o núcleo da inflação desacelerar lentamente ainda neste segundo semestre”, diz o economista-chefe do Banco Fibra, Cristiano Oliveira.

Ao NeoFeed, Oliveira afirmou que a queda do núcleo da inflação, que desconta os preços mais voláteis, tende a se consolidar em 2023. “Não é à toa que o mercado vê inflação na casa de 7% neste ano e de 5,5% no próximo. Ainda acima do teto da meta, mas em declínio”.

O freio imposto pelo governo aos preços dos combustíveis é apenas uma das decisões tomadas nas últimas semanas no sentido de ampliar o bem-estar dos brasileiros. Nesse caso, os enquadrados na classe média.

Já a aprovação da PEC das Bondades ou Kamikaze – proposta pelo governo e abraçada pelo Congresso – colocou sob holofotes outras camadas da população ao aumentar o escopo do Auxílio Brasil com a concessão de parcela adicional de R$ 200 e a concessão de auxílio a caminhoneiros e taxistas.

O governo também ampliou o limite de uso do crédito consignado a aposentados e pensionistas, de 40% para 45% e, na quarta-feira, 3 de agosto, liberou o consignado sobre o Auxílio Brasil.

Embora ainda a ser regulamentado pelo Ministério da Cidadania, o consignado sobre o programa social não deverá encontrar guarida na prateleira dos grandes bancos que sabem do risco da inadimplência num país que tem recorde de endividados – 66,1 milhões de brasileiros, segundo a Serasa Experian.

Em entrevista ao NeoFeed, Carlos Melo, cientista político e professor do Insper, diz que nunca viu nenhuma decisão tão arriscada quanto essa que associa o consignado ao Auxílio Brasil. “Só vai endividar ainda mais os já endividados que, lá na frente, vão perder até o nome”, avalia.

Ele reconhece que o governo deverá comemorar a deflação que se avizinha, mas lembra que ela é artificial e não será sentida por quem vai definir a eleição.

“A eleição será definida pelos pobres, principalmente pelas mulheres. Segundo o Instituto Locomotiva, são quase 8,5 milhões de mulheres a mais que os homens. E elas estão muito mais expostas ao dia a dia da economia. Estima-se, por exemplo, algo em torno de 14,6 milhões de mães ‘solo’, que sentem mais profundamente a inflação de alimentos.”

Melo alerta que deflação não significa mais pão e leite e que ela só faz diferença se permitir ao pobre colocar mais comida na mesa. “Sem isso, não tem efeito”.

O aumento do Auxílio Emergencial, comenta o professor, tem lógica parecida. “Os R$ 200 a mais para quem já recebia R$ 400 é pouco significante se comparado à inflação acumulada em 22% desde a pandemia. A parcela adicional poderá fazer diferença para poucos”.

Questionado sobre o manifesto pela democracia, a ser divulgado no dia 11 de agosto, Melo avalia que o efeito desse ato “é de dissuadir quem não aceitar o resultado da eleição”.

“Além da indústria e comércio, bancos e agronegócio assinam o manifesto. São bases importantes para o desenvolvimento do país e que estarão demonstrando que a democracia é também um ativo econômico, porque o investidor não investe sem segurança e credibilidade.”

Melo pondera que apenas dois eventos econômicos tiveram impacto relevante em eleições: o Plano Cruzado e o Plano Real.