O empresário Laércio Cosentino, presidente do conselho de administração da Totvs, está preocupado.

Ao mesmo tempo em que está otimista com a condução da economia, ele acredita que é preciso fazer algo urgente para resolver o problema do desemprego no Brasil.

Mas Cosentino tem um sentimento paradoxal. Há um contingente de 12,6 milhões de desempregados no Brasil, mas faltam profissionais qualificados na área de tecnologia.

“Formamos 40 mil pessoas por ano, mas o setor precisa de 70 mil – isso sem o Brasil crescer”, afirma Cosentino, nesta entrevista exclusiva ao NeoFeed. “É um desfalque de 30 mil vagas. Em cinco anos, são 150 mil. Isso só no setor de TI.”

Nesta entrevista, ele avalia também o governo de Jair Bolsonaro e fala sobre as reformas que ele considera necessárias para o País. “Se analisarmos tudo o que está acontecendo, eu diria que, em nove meses, muita coisa foi feita”, diz Cosentino.

Confira os principais trechos:

O governo do presidente Jair Bolsonaro já está com nove meses. Qual o balanço que você faz?
Temos que separar em dois. Uma coisa é interpretar o governo Bolsonaro com aquilo que é dito e falado nas redes sociais. De repente, você vai ter uma visão. A outra é dizer que tudo o que precisava ser feito está sendo encarado. O Brasil deveria ter passado por uma Reforma da Previdência há muito tempo. Vamos agora ter de passar por uma Reforma Tributária e por uma Reforma do Judiciário.

"Todo mundo tem direito a palco hoje em dia. Mas se analisarmos tudo o que está acontecendo, eu diria que, em nove meses, muita coisa foi feita"

O mundo das redes sociais não atrapalha o mundo real da economia?
É um ajuste que está sendo feito. Tem muita coisa nova que nós estamos vivenciando na forma de pensar, de agir e de se relacionar. Todo mundo tem direito a palco hoje em dia. Mas se analisarmos tudo o que está acontecendo, eu diria que, em nove meses, muita coisa foi feita. Mas não é só mérito do governo. Um pouco a sociedade pediu para fazer. Um pouco foi a Lava Jato. Outro pouco foi um Congresso semi-renovado. Pela primeira vez, os problemas estão sendo enfrentados. Essa mensagem está clara. Por outro lado, tem essa dificuldade que estamos vivendo, que não é só daqui. Veja a própria Inglaterra com o Brexit. Boris Johnson está apanhando bastante. O Trump também. E aqui o Bolsonaro. Na sociedade atual ou eu estou com você, ou estou contra você. É uma polarização exagerada. Que time você torce?

Eu sou palmeirense.
Eu sou corintiano. Não é porque você é palmeirense que eu vou desqualificar tudo aquilo que você fez. Esse é apenas um ponto em que a gente não concorda. E não podemos ficar brigando a vida inteira por conta desse ponto.

Foram feitas diversas reformas, como a lei do teto dos gastos, a lei da terceirização, a Reforma Trabalhista e a Reforma da Previdência está prestes a ser aprovada. Apesar de tudo isso, por que o País não consegue sair da armadilha do baixo crescimento?
Para conseguir aprovar essas reformas, precisávamos cavar um pouco abaixo do fundo do poço. Se o Brasil já estivesse crescendo um pouco mais, possivelmente iriam dizer que a Reforma da Previdência poderia ficar para daqui a dois anos. A Reforma Tributária não precisaria ser feita agora. O fato de ter descido tão para baixo é ruim. Afinal, está faltando verba em tudo. Entre você ter bolsas de estudo e saúde, o que é mais importante? É difícil de dizer. Por que o investidor não investiu? Ele tinha dúvidas se as reformas iriam ser feitas. Eu acho que o segundo trimestre já foi um pouco melhor. O terceiro vai ser ainda melhor que o segundo. Na minha avaliação, 2020 será um bom ano.

As estimativas falam em um crescimento de 2% em 2020.
Eu sou um pouco mais otimista. Acredito que vai ser um pouco acima de 2%, mas dependendo muito de quão rápido e em que velocidade o Congresso e o Senado vão aprovar tudo aquilo que precisa ser aprovado.

Os governos precisavam se tornar mais digitais

A Reforma da Previdência, tudo indica, será aprovada sem grandes dificuldades.
Sim, mas aí você tem uma Reforma Tributária. E existem projetos sobre o mesmo tema que estão na Câmara, no Senado e tem o projeto do governo. Todos os projetos importantes deveriam ser analisados por comissão mista, para discutir de forma única. Poderíamos encurtar algumas coisas. Aí que eu vejo que os governos precisavam se tornar mais digitais.

Um grupo de quase 200 empresas americanas, chamado de BusinessRoundTable, lançou uma nova carta de propósitos. Antes, eles colocavam o acionista em primeiro lugar. A nova declaração fala de criar valor para os clientes, investir nos funcionários, promover a diversidade e inclusão, lidar com os fornecedores de maneira ética, apoiar as comunidades em que trabalham e de proteger o meio ambiente. O que você acha desse novo posicionamento?
Quando você administra uma empresa para o acionista, você administra da forma errada. A empresa tem um papel na sociedade. Quando nós criamos o Instituto de Oportunidade Social (IOS), pensamos em devolver para a sociedade um pouco do que ela investiu na própria empresa. E pegamos um percentual da receita para treinar menores carentes em tecnologia da informação. Se eu administrasse só para o investidor, eu não faria essa ação. O investidor é mais um stakeholder de tudo aquilo que está ao redor da companhia. Quando se fala de cuidar do meio ambiente, do funcionário, do seu cliente, você não faz mais do que a obrigação. Então, eu concordo plenamente. Mas eu não colocaria tanta coisa. Você tem de prestar atenção e gerar oportunidade para tudo o que está em volta da sua empresa.

"A sociedade ainda não está sendo tão enfática em dizer: o dado pertence a mim e não a você"

No mês passado, o fundador da Tesla, Elon Musk, e o do Alibaba, Jack Ma, concordaram em discordar em absolutamente tudo quando debateram a inteligência artificial. Musk acha que a inteligência artificial vai eliminar a raça humana da Terra. Ma acredita que ela vai ajudar os humanos em vez de eliminar os empregos. De que lado você está deste debate?
Está tendo uma evolução bastante interessante no conceito do que é dado. A sociedade ainda não está sendo tão enfática em dizer: o dado pertence a mim e não a você. Tanto que é que na Mendelics (empresa que Cosentino investe) o dado pertence ao paciente. E tudo que estamos fazendo na Mendelics nasce deste conceito.

Mas esse é um conceito médico enraizado.
Mais ou menos. Você nunca colocou a mão no seu prontuário médico.

Mas ele é sigiloso. É uma relação médico-paciente.
Se eu te perguntar que doença você teve quando era pequeno, você vai ligar para sua mãe, não? Não é só a questão do sigilo. Você precisa conseguir reunir os seus dados em um único lugar e eles são seus. E só passar para a frente de acordo com a sua conveniência. Eu acho que vai ter uma evolução, uma espécie de meio termo na forma de usar os dados. A partir do momento em que você se preocupar um pouco mais com seus dados vai haver um equilíbrio e você vai poder usar melhor os recursos de inteligência artificial. Então, eu diria que ficaria no meio termo entre os que os dois pensam.

Um estudo da Mckinsey indica que a inteligência artificial transformará a maioria das profissões. Algumas serão eliminadas, mas boa parte delas será modificada, com robôs e humanos atuando em colaboração. Como se preparar para esse futuro, que, na verdade, já está acontecendo?
Quanto mais avançada estiver a sociedade menos impacto terá. Se pegar hoje o Brasil, há 12,6 milhões de desempregados. Mas há 200 mil vagas em aberto no setor de tecnologia. Formamos 40 mil pessoas por ano, mas o setor precisa de 70 mil – isso sem o Brasil crescer. É um desfalque de 30 mil vagas. Em cinco anos, são 150 mil. Isso só no setor de TI. O Brasil só vai reduzir o déficit de desempregados no curto prazo se investir na construção civil, em infraestrutura básica e em alguma coisa do varejo.

Como resolver esse problema?
Não há uma única medida. Precisamos investir em bolsas e nas universidades? Primeiro acredito que precisamos investir no ensino básico. Se o brasileiro mal consegue sair do segundo e terceiro ano sabendo escrever, imagine o raciocínio matemático, que está na base de tudo isso que está na tecnologia. Mas esse é um investimento de longo prazo. Então, é preciso uma medida no meio do caminho para incentivar escolas técnicas. Mas tem um outro problema: eu tenho 12,6 milhões de desempregados. Isso é urgente. Quanto mais demorar para tomar uma atitude, você terá mais pobreza e violência. Esse é o ponto de atenção que eu espero que seja endereçado agora. Não é com crescimento de 1% que vamos resolver o problema do desemprego.

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