Em uma decisão polêmica e que deixa lições para países que ainda contestam a autonomia do banco central na condução da política monetária, como é o caso do Brasil, o BC turco anunciou nesta quinta-feira, 23 de fevereiro, uma redução de sua taxa básica de juros, apesar da inflação de 58% ao ano.

A decisão atendeu uma exigência do presidente Recep Tayyip Erdogan, que no ano passado já havia determinado ao BC que baixasse os juros na marra, causando um aumento exponencial de inflação, que chegou a 85% em outubro.

O exemplo turco pode trazer lições para o debate sobre a independência do Banco Central e sobre a redução das taxas de juros no Brasil. Na Turquia, onde não há independência, a queda dos juros não trouxe benefícios substanciais para a queda da inflação e provocou outros danos colaterais.

A redução da taxa básica de juros foi pequena, de 9% para 8,5% - a taxa atingiu o índice mais baixo em dois anos -, e pelo menos em seu comunicado, o BC turco alegou que a medida era necessária para “amortecer o impacto econômico” causado pelo terremoto, que deixou 47 mil mortos e prejuízos de US$ 84 bilhões, o equivalente a 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do país em 2022.

“Tornou-se ainda mais importante manter, após o terremoto, as condições financeiras favoráveis para preservar o ímpeto de crescimento da produção industrial e a tendência positiva do emprego”, diz o comunicado do BC, referindo-se à tímida recuperação da economia turca desde outubro.

O cenário político do país ajuda a entender a decisão do BC turco, que contradiz todos os manuais de economia. Erdogan, um autocrata que está no poder desde 2003 e deverá buscar um novo mandato ainda no primeiro semestre, ficou ainda mais pressionado para obter resultados econômicos positivos após o terremoto, em meio a uma crise que se arrasta há mais de dois anos.

Em agosto de 2020, a inflação turca estava sob controle, com índice anual de 11,7%. Depois, não parou de subir, mesmo com o BC adotando taxas de juros elevadas, entre 10% e 19%.

Erdogan, um político populista que há anos rasgou seu diploma em Economia, sempre defendeu a tese de que taxas de juros mais baixas acabariam levando a uma inflação mais baixa, por acelerar a economia, mesmo com inflação de dois dígitos. Por isso, determinou em julho passado ao BC que começasse a cortar juros.

A taxa básica, que estava em 14%, foi caindo mês a mês até novembro, quando chegou a 9%. Em outubro do ano passado, a inflação anual estava em 85% e começou abaixar, mês a mês, até atingir, em janeiro, uma taxa anual de 58%.

Mas os cortes nas taxas de juros catalisaram uma crise monetária iniciada em 2021 que eliminou mais da metade do valor da lira turca e levou a inflação a níveis recordes, à medida que os investidores estrangeiros e locais se afastavam da moeda nacional.

De quebra, o BC turco queimou dezenas de bilhões de dólares em ativos estrangeiros, em um esforço para sustentar a moeda. A lira perdeu 44% de seu valor em relação ao dólar em 2021 e mais 30% em 2022, alimentando a inflação.

Economistas estimam que, em janeiro, o banco central tinha US$ 58 bilhões a mais em passivos em moeda estrangeira do que em ativos - o que significa que a Turquia tem reservas líquidas negativas.

A queda de inflação entre outubro e janeiro, por sua vez, foi atribuída por economistas aos preços muito altos no período do ano anterior, o que é conhecido como “efeito base”, sem relação com a queda dos juros.

Como Erdogan vai jogar suas fichas na reeleição – ele deve antecipar o pleito de junho para maio --, o recuo da inflação, pelo menos até janeiro, deverá dar ao BC turco argumentos para novos cortes de juros.

O drama é que, com o terremoto, o quadro monetário e fiscal da Turquia deverá piorar ainda mais até a eleição.

Os tremores atingiram uma região industrial central que exporta de tudo, desde roupas para marcas ocidentais até panelas, frigideiras e ferro. Também destruiu a infraestrutura agrícola, o que levará ao aumento dos preços dos alimentos e, consequentemente, da inflação.