A pandemia pode ter provocado grandes mudanças e disrupções no mundo, mas a Covid-19 também tem o que o escritor, empreendedor e professor da Stern School of Business da Universidade de Nova York Scott Galloway chama de "segredo sujo": a parcela mais abastada da população está vivendo seu melhor momento.

Na visão de Galloway, que se tornou conhecido pelas previsões que faz sobre o ecossistema de inovação, essas pessoas estão poupando mais e tendo mais tempo com a família. Ao mesmo tempo, o mercado de ações tem muita liquidez e não falta dinheiro para investimentos.

Por isso, ao contrário de outras grandes crises, como a Segunda Guerra Mundial, a pandemia não provocou uma resposta efetiva do capitalismo, já que os detentores das maiores fortunas foram beneficiados. "E isso leva a um escrutínio sobre o colapso do capitalismo", afirma Galloway, em evento realizado pelo Bradesco BBI nesta quarta-feira, 7 de abril.

Para o professor, os países que conseguiram manter uma classe média progredindo estiveram sempre na frente. Foi assim com os Estados Unidos por décadas após a Segunda Guerra, e tem sido assim com a China.

A partir do momento que essa classe média se vê regredindo, ela tende a recorrer a movimentos como o "Me Too", que expôs predadores sexuais na indústria do entretenimento, e o "Black Lives Matter", que tem chamado a atenção para o racismo estrutural nos Estados Unidos.

O professor também tem críticas à forma como o nosso país vem lidando com a crise sanitária. "O Brasil tirou dos Estados Unidos a gestão mais impressionantemente incompetente da pandemia", afirmou Galloway.

Ao ressaltar que não vive a situação diária no país e que sua visão partia de uma percepção global, ele disse que uma crise de confiança vai respingar nos negócios brasileiros. "Isso terá um impacto em todas as organizações do País", observou, acrescentando que será uma tarefa complicada reverter essa percepção.

Galloway, considerado uma voz ouvida no Vale do Silício, vem tentando responder à questão sobre quais serão os efeitos duradouros de todas as mudanças provocadas pela pandemia. Para ele, é importante entender que não dá para olhar para o futuro de forma binária, pensando apenas em como era antes da pandemia e como seria o oposto disso.

Ele usa o exemplo dos escritórios. "Muitos me perguntam se as empresas vão retornar totalmente aos escritórios ou se vão aderir de vez ao trabalho remoto. Acho que 97% delas vão ficar no meio termo", diz o professor.

Galloway fala também da migração dos trabalhadores para áreas afastadas dos centros urbanos, uma previsão que considera superestimada. “É algo temporário. As cidades continuarão atraindo as mentes mais brilhantes e as empresas mais lucrativas”, afirma.

Para o professor, a pandemia também será vista como um grande acelerador de tendências, mais do que um agente transformador. Assim como a globalização e a digitalização representaram outros grandes momentos de ruptura, ele usa a expressão “dispersão” para comentar sobre essa mudança que está causando a distribuição dos serviços, reduzindo as fricções desnecessárias e alterando as cadeias de suprimento.

Nesse cenário, ele acredita que alguns setores da economia sofrerão transformações mais expressivas. É o caso da saúde, em que a telemedicina ganhará espaço, facilitando o acesso a cuidados básicos e à medicina preventiva.

É o mesmo potencial que Galloway enxerga na educação. Se antes os campi limitavam fisicamente a quantidade de alunos, agora plataformas como Zoom permitem que mais estudantes acompanhem os conteúdos. Ele citou o exemplo das próprias aulas que ministra, que hoje comportam até 400 pessoas.

Na comunicação e no entretenimento, Galloway vê uma mudança no formato com que as pessoas se relacionam com os conteúdos. Serviços de streaming ganham força, enquanto veículos tradicionais e até as salas de cinema perdem relevância.

Ao mesmo tempo, grandes influenciadores do nosso tempo, como Elon Musk, saberão se aproveitar das novas ferramentas para consolidar sua atuação.

O professor também vê grandes disrupções nos serviços financeiros, com bancos tradicionais perdendo espaço para instituições digitais, mais ágeis e alinhadas às necessidades dos consumidores conectados.

E também no turismo, com empresas como o Airbnb, que ele admira, superando as tradicionais redes de hotelaria em alcance e modelo de negócios.

Os resultados extremamente positivos das Big Techs em 2020 também mostram que elas vão consolidar ainda mais seu poder no período pós-pandemia. Galloway citou o exemplo da Amazon que, segundo ele, parece "ter sido inventada para a pandemia".

Depois de dominar o e-commerce, a companhia deve investir na área de saúde. É uma previsão que ele já havia feito em seu livro mais recente, “Post Corona: From Crisis do Opportunity”, e voltou a reforçar. Segundo ele, esse é um dos poucos setores nos quais a Amazon opera que oferecem as oportunidades de crescimento.

Em sua avaliação, a Apple também tem um cenário mais restrito pela frente. Galloway acredita que a empresa pode comprar a Peloton, que faz bicicletas ergonômicas tecnológicas. E deve investir em pacotes com mensalidades recorrentes que ofereçam aparelhos sempre atualizados para os assinantes, de smartphones a relógios.

Ele foi além: acredita que a companhia da maçã vai finalmente tirar o projeto de carro elétrico do papel. "No dia em que Tim Cook aparecer no palco com um carro com o logo da Apple, as ações da Tesla vão desabar", disse. "Isso não é saudável. É péssimo para o ecossistema", afirmou Galloway.

De acordo com o professor, essas grandes empresas concentram a capacidade de contratar os melhores profissionais. E investidores ficam com o pé atrás na hora de colocar dinheiro em companhias que vão competir diretamente contra esses gigantes.

Mais do que entender as transformações econômicas que vão acontecer, no entanto, Galloway acredita que a pandemia oferece uma oportunidade importante para rever nossos relacionamentos.

O autor de "A Álgebra da Felicidade" disse que a busca por realização passa pela qualidade das relações. E que em um momento em que pessoas se despedem de parentes no hospital por videochamadas, é preciso parar e refletir sobre as nossas escolhas.