“Sex and the City” (1998-2004) marcou uma época, saindo à frente na representação honesta de mulheres solteiras que fazem sexo e falam (e muito!) disso com as amigas. Pela primeira vez na teledramaturgia, tudo o que elas gostam (ou não) na cama era abordado abertamente.

E ninguém falava (ou precisava falar) de empoderamento feminino na série, ainda que suas personagens inteligentes, independentes e corajosas trabalhassem essa ideia o tempo todo, sem qualquer esforço. E isso muito antes de o termo ganhar força no mundo, com o “boom” das redes sociais.

Justamente porque o original revolucionou, virando um símbolo para a geração de mulheres solteiras e descoladas acima dos 30 anos, a continuação da série tende a decepcionar. Tudo o que “Sex and the City” fez pela imagem da mulher moderna ,“And Just Like That”, nova atração da plataforma HBO Max, não conseguirá fazer.

Até porque os tempos são outros, e colocar a lente de aumento na intimidade feminina não denota mais qualquer audácia. A vida de mulheres sexualmente ativas em uma metrópole já não impacta como no início das aventuras de Carrie Bradshaw (Sarah Jessica Parker) e de suas amigas Miranda Hobbes (Cynthia Nixon), Samantha Jones (Kim Cattrall) e Charlotte York (Kristin Davis).

Com o tempo, ao longo de seis temporadas, a própria “Sex and the City” foi perdendo a sua relevância cultural, tornando-se mais uma entre tantas produções com apelo de comédia romântica.

Com a vida das personagens tomando outro rumo (afinal, elas não poderiam ficar solteiras a vida toda), a série virou um incessante desfile de moda nas últimas temporadas – impulsionado, em parte, pela obsessão fashion de Carrie Bradshaw. Tudo parecia girar em torno dos figurinos e das grifes de luxo e não necessariamente das tramas.

E não foi diferente com os filmes que a franquia lançou, em 2008 e 2010. Aquelas mulheres que tinham quebrado tantos paradigmas (entre outros, mostrando que uma cinquentona, como Samantha, ainda pode ser muito sexy) já não conseguiam confrontar padrões como antes.

E, por enquanto, pelo que se viu nos primeiros episódios de “And Just Like That”, concebido com dez no total, o revival pouco contribui para homenagear o legado deixado pelos primeiros anos do original, apesar da volta de boa parte da equipe.

O diretor, roteirista e produtor executivo da série, Michael Patrick King, está por trás da nova produção, que resgata a vida de Carrie, Miranda e Charlotte. Kim Cattrall (Samantha) não participa devido a um desentendimento de longa data com Sarah Jessica Parker.

Como não daria para investir nas mesmas questões femininas (já que elas envelheceram, assim como as personagens), talvez a saída fosse mergulhar fundo nos problemas da mulher de meia-idade, incluindo os sexuais.

E, de preferência, com muito humor. Talvez fazendo algo parecido com a série “O Método Kominsky” (Netflix), que aborda a fase da velhice, com Michael Douglas encabeçando o elenco.

Mas não é o que se vê aqui, pelo menos no início desta continuação. Há, sim, uma forçada preocupação com as problemáticas da sociedade atual, o que destoa do original. Lá, a discussão de temas como sexualidade, aborto e câncer era gerada de forma mais orgânica.

Há uma tentativa evidente de compensar a falta de atores negros no elenco original. Isso explica a entrada na história da Dr. Nya Wallace (Karen Pittman), a professora de Miranda, e de Lisa Todd Wexley (Nicole Ari Parker), a nova amiga de Charlotte, sem que a narrativa realmente precisasse delas.

A inclusão na trama de uma personagem não binária, a comediante Che Diaz (Sarah Ramirez), é a mais acertada. Graças principalmente ao humor e aos comentários espirituosos dessa apresentadora de podcast, com quem Carrie colabora.

Um ponto positivo para o revival é a morte de Mr. Big (Chris Noth) logo no primeiro episódio, justamente por ser algo totalmente inesperado. Vale esperar para ver os caminhos que a nova solteirice de Carrie abrirão em termos dramáticos até o final dos dez episódios.

Com Carrie sozinha de novo, a narrativa talvez assuma uma função bem desempenhada no original, pelo menos nas primeiras temporadas. A de se rebelar contra a ideia de que uma mulher solteira não pode ser feliz e realizada, precisando sempre de um homem para validar a sua existência. Essa questão continua atual.