Depois da forte turbulência vista nos principais mercados acionários do mundo na segunda-feira, 5 de agosto, a dúvida que ficou na cabeça de muitos investidores é se foi um prenúncio de uma crise, com indícios de que a economia dos Estados Unidos vai puxar o mundo para baixo, ou se foi apenas um “susto” pontual.

Para Daniel Popovich, portfolio manager da Franklin Templeton, o que se pode dizer até o momento é que o pânico visto não é um indicativo de deterioração da maior economia do mundo, mas uma leitura exagerada dos mais recentes dados do mercado de trabalho, combinado com o carry trade do Japão e valuations elevados das Big Techs.

“Muito do que vimos entre sexta e ontem parece mais uma questão de posicionamento do mercado do que de fundamentos”, diz ele em entrevista ao NeoFeed. “Pode ter alguma deterioração do mercado de trabalho americano, mas quando se olha vários indicadores, ainda tem um cenário de um crescimento.”

Avaliando que as fortes quedas dos índices americanos foi provocada mais por fatores técnicos do que fundamentos, a expectativa é de que a deterioração dos mercados tenha vida curta.

Ainda assim, o portfolio manager da Franklin Templeton entende que o momento ainda não é propício para se arriscar. “Não aproveitamos o momento para comprar porque ainda pode ter uma deterioração na confiança do investidor, a gente ainda tem que entender como pode afetar a economia real antes de tomar essa decisão”, diz Popovich.

Acompanhe os principais trechos da entrevista:

Qual foi o principal motivo para a forte volatilidade dos mercados? Muito se falou de dados dos Estados Unidos, carry trade no Japão…
O principal gatilho parece ter sido a questão do carry trade. Na quarta-feira da semana passada [31 de julho] teve a decisão do Banco Central do Japão de subir os juros, ao mesmo tempo que teve uma comunicação do Fed sinalizando um potencial de corte de juros a partir de setembro. Essa combinação é muito importante, porque muitas vezes o pessoal ficava vendido no iene e usava esses recursos para fazer investimento, principalmente os hedge funds, que operam de uma forma mais mais alavancada. Mas tem também uma posição muito concentrada em ações de tecnologia nos Estados Unidos.

Como esse fator colaborou?
Essas empresas estavam com um valuation muito alto, mesmo com os fundamentos bons que apresentam. O que estava embutido nas expectativas do mercado parecia muito exagerado. Nos nossos portfólios a gente tentou neutralizar um pouco a exposição ao setor de growth nos Estados Unidos, ficando mais balanceado com value. Vimos uma corrida muito forte na renda variável, principalmente nos Estados Unidos, com boa parte do mercado sendo carregado pelas empresas de tecnologia. Mas vale destacar que é muito difícil prever o movimento sincronizado de queda, de selloff que vimos.

Como entra a questão dos dados da economia americana nessa equação?
O mercado, um pouco mais tenso ao receber os dados de emprego nos Estados Unidos na sexta-feira [2 de agosto], teve uma reação muito ruim. Muito do que vimos entre sexta e segunda parece mais uma questão de posicionamento do mercado do que de fundamentos. Pode ter alguma deterioração do mercado de trabalho americano, mas quando se olha vários indicadores, ainda tem um cenário de um crescimento. Pode ser um pouco mais fraco, mas continua positivo.

"Uma correção costuma ser mais associada a uma deterioração mais grave dos fundamentos da economia"

Esse movimento visto no mercado ontem é pontual ou pode se estender pelos próximos dias, semanas?
É difícil precisar. Quando se tem um movimento abrupto de mercado causado por fatores mais técnicos de posicionamento do que fundamentos, pode ser que tenha uma duração relativamente curta. Pode se estender por mais alguns poucos dias, mas não seria uma correção. Uma correção costuma ser mais associada a uma deterioração mais grave dos fundamentos da economia. A questão do mercado de trabalho teve um resultado pior do que esperado, mas ainda parece ter uma dinâmica saudável.

Por entender que se trata de um movimento de cunho mais técnico, e não de fundamento da economia, você entende que o Fed pode mudar o rumo da política monetária, fazendo um corte de juros antes do esperado ou de intensidade mais intensa?
Acho que não. O Fed provavelmente deve cortar os juros em setembro, isso ficou claro na comunicação do [presidente Jerome] Powell. Um corte emergencial não parece ser o que vai acontecer. E não seria positivo se acontecesse, porque seria o Fed declarando que existe um problema fundamental que exige sua intervenção. Vamos ver como a comunicação vai ser, mas o cenário base não é de um corte emergencial, tampouco a percepção é de que isso seria positivo ou bem recebido pelo mercado.

Como essa situação pode afetar o mercado ou a economia brasileira?
O que acontece no Brasil precisa ser dividido em duas partes. Tem as questões internas e as externas. Focando nas questões do mercado global, o início de um ciclo de corte dos Estados Unidos, talvez um um ciclo de cortes mais estimulativo do que o esperado, alivia um pouco das pressões sobre o Banco Central do Brasil. Não quero dizer que isso permite o BC continuar cortando juros porque tem uma série de questões internas para considerar. Mas, estritamente pela perspectiva de mercado global, isso deve talvez aliviar um pouco dessa pressão em termos de diferenciais de juros.

O movimento de hoje força uma revisão da estratégia de alocação?
A gente continua com um posicionamento neutro. É muito cedo para dizer que existem sinais de que agora é hora de entrar comprando no mercado. Se a gente observa a volatilidade realizada, ou o mesmo a volatilidade intrínseca esperada, a gente acha que é uma volatilidade muito exacerbada. Mas não aproveitamos o momento para comprar porque ainda pode ter uma deterioração na confiança do investidor, temos de entender como pode afetar a economia real antes de tomar essa decisão.

E o carry trade com o Japão? Ele acabou ou ainda continua atrativo aos investidores?
Essa é uma pergunta difícil. Não sei se ele deixa de ser atrativo, mas ele deixa de ser óbvio como foi no passado. O Japão manteve as taxas de juros próximas de zero por talvez 30 anos e com uma atuação ativa do Banco Central local em estabilizar curvas de juros. Isso facilitava esse processo do investidor ficar numa posição vendida no iene. Não é da minha competência dizer se continua atrativo ou não, mas com certeza deixa de ser um posicionamento óbvio.