Não tem escapatória. Bancos centrais, governos e o mercado financeiro têm encontro marcado na quarta-feira, 26 de julho. Apesar das agendas atulhadas de indicadores com divulgação prevista para os próximos dias, inclusive no Brasil, as atenções estarão voltadas à taxa de juro do maior banco central do mundo.
E o Federal Reserve (Fed) soprará bons ventos para o segundo semestre caso sinalize o encerramento do ciclo de aperto monetário que elevou o juro de zero em março de 2022 para o patamar de 5% em 10 ajustes consecutivos.
O portador da mensagem do Fed, positiva ou não, será o presidente Jerome Powell que concede entrevista após a reunião do Comitê Federal de Mercado Aberto – o Copom norte-americano.
Antes da coletiva de Powell, porém, o comitê deverá retomar a alta do juro. Na reunião anterior, em junho, a opção unânime foi por uma “paradinha” no ciclo de ajuste para avaliação de cenário. Desta vez, o aumento é certo. A questão é o que o Fed acenará para o futuro.
No mercado de títulos públicos, o roteiro está definido. Quase 100% das apostas para a decisão de 26 de julho estão concentradas em elevação da taxa em 0,25 ponto percentual, para 5,25% a 5,50%. Cerca de 14% das apostas apontam para alguma alta em setembro.
Entretanto, essa margem pode mudar radicalmente se Powell revelar um Fed mais intransigente com o cumprimento da meta de inflação, de 2%, temeroso com efeitos inflacionários nos alimentos pelo “bloqueio” do transporte de grãos no Mar Negro ou menos condescendente com a desinflação em curso.
O Fed, assim como o Copom, discute política monetária a cada 45 dias. Portanto, a reunião do dia 26 poderia ser apenas mais uma de oito listadas religiosamente a cada ano.
Mas a relevância do próximo encontro cresce em função do conjunto de sinais que a instituição pode emitir e sua repercussão, capaz de mexer com o apetite dos investidores ao risco e, portanto, com o comportamento de ativos financeiros no mundo inteiro.
Bancos centrais em foco por desinflação global
A perspectiva de encerramento da alta do juro em breve – sinal de um Fed “dovish” ou mais brando na condução da política monetária – poderá suscitar variadas interpretações.
Entre elas: maior tolerância com a inflação; perspectiva de mudança da meta já cogitada por dirigentes da instituição; e disposição em evitar recessão à frente e suas implicações para a economia global que desacelera.
Para o mercado, um Fed favorável ao fim do aperto pode ser gatilho para um renovado rali das bolsas; reprecificação de títulos soberanos; perspectiva de redução de custos para empresas com efeito positivo em resultados futuros; e revisão do câmbio com impacto em fluxos financeiros e do comércio exterior.
Na prática, sob o efeito da expectativa de que o pico dos juros nos EUA será alcançado em 26 de julho, a revisão das taxas de câmbio já está ocorrendo e favorece mercados emergentes pela valorização de suas moedas.
Nas últimas duas semanas, o Dollar Index (DXY) – termômetro da força do dólar no mercado internacional na comparação com seis moedas fortes – enfraqueceu. E, embora o DXY tenha voltado a 100 pontos na quarta-feira, 19 de julho, nas sessões anteriores, o indicador caiu consistentemente a 99 pontos, nível mais baixo em mais de um ano.
Precipitou esse ajuste a inflação americana abaixo do esperado que turbinou apostas na abreviação do atual ciclo monetário. De maio para junho, o índice de preços ao consumidor nos EUA recuou de 4% para 3% em base anualizada. Embora ainda superior à meta de 2%, é notável a desaceleração de preços. Em junho de 2022, o indicador estava em 9,1%, o mais elevado em 40 anos.
No dia seguinte à definição do juro pelo Fed, na quinta-feira, 27 de julho, será divulgado o Produto Interno Bruto (PIB) dos EUA no segundo trimestre. Projeções de grandes bancos oscilam de 1,8% a 2% anualizados. No primeiro trimestre, a expansão foi de 2%.
Inflação embutida no resultado do PIB, evolução de renda e gastos pessoais e indicadores de confiança dos consumidores arrematam a agenda norte-americana na última semana do mês.
Ainda na quinta-feira, 27 de julho, será a vez de o Banco Central Europeu (BCE) definir a taxa de juro. E a expectativa majoritária é de mais um aumento de 0,25 ponto percentual, apesar da queda da inflação ao consumidor do bloco ter deslizado de 6,1% em maio para 5,5% em junho – a menor em 17 meses.
Juro real é espada na cabeça de Campos Neto
Atualmente, o juro referente às principais operações de refinanciamento do BCE está em 4%. Portanto, mesmo com mais uma elevação, a taxa básica do bloco estará aquém da norte-americana.
E, ambas, serão descaradamente inferiores aos 13,75% vigentes no Brasil e que, apesar da perspectiva de queda em agosto, continuará entre as taxas nominais mais salgadas do planeta. E recordista global, em termos reais.
A confirmação virá com a publicação do IPCA-15 de julho, na terça-feira, 25. O índice, segundo a LCA Consultores, deve exibir mais deflação mensal e cravar 3,19% em 12 meses – nível que sanciona uma taxa real explosiva.
Em março de 2021, quando o BC iniciou o atual ciclo monetário e subiu a Selic de 2% para 2,75%, o juro real era negativo em 3,1%. Em agosto de 2022, quando a Selic foi alçada a 13,75% – onde está estacionada até hoje – o juro real era de 4,6%. No mês passado, ante o IPCA, o juro real alcançou 10,2%.
A reprise dessa taxa em julho coloca uma espada na cabeça de Roberto Campos Neto e incentiva o governo a afiar o discurso contra o BC, inclusive, porque o corte esperado para a Selic, de 0,25 ponto, em agosto, pouco mudará o atual cenário.
O juro real tende a recuar nos próximos meses, mas devido ao aumento da inflação por um efeito estatístico. Em 12 meses, o cálculo do IPCA eliminará variações negativas observadas em 2022.
Acanhada, a ação do BC não vai fazer cócegas no juro real que depõe contra o esforço do governo de conter a inadimplência, limpar o orçamento das famílias, promover o crédito e azeitar o consumo para – com sorte – dar algum suporte ao crescimento que neste ano, até agora, supera expectativas pelo fôlego da agricultura. Aliás, restrito ao primeiro trimestre.