O primeiro semestre do ano é página virada no calendário e no discurso. E a redução da taxa de juro pelo Copom, contratada para agosto, exige do governo avanço em questões para além de embates com o Banco Central (BC).

Nesse cenário, a política fiscal tem prerrogativa, apesar do interesse do governo em fomentar o crescimento, com anúncio previsto para julho do “Novo PAC - Programa de Aceleração do Crescimento” e o avanço do “Desenrola” que pode tirar o brasileiro endividado do sufoco e alimentar o consumo.

O programa emergencial de renegociação de dívidas foi normatizado na quarta-feira, 28 de junho, será lançado em julho com adesão de devedores agendada para setembro e deve animar varejo e serviços no último trimestre.

Ainda em julho, o governo ampliará o incentivo tributário à compra do carro zero. E caberá ao Congresso entregar o marco de garantias no financiamento de automóveis, facilitando a retomada de veículos inadimplentes – medida que favorece a redução dos juros.

Nessa batida, o governo chega ao segundo semestre com uma agenda parruda de iniciativas, mas aquém do esperado em arrecadação, variável-chave da nova âncora fiscal que prevê limite de crescimento do gasto público de um ano em até 70% da expansão das receitas do ano anterior.

Embora em adiantado processo de avaliação no Congresso, a âncora não está aprovada e encabeça uma lista de decisões que inclui a reforma tributária e o “voto de qualidade” no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

A reforma tributária tem foco no longo prazo. Mas a mudança no Carf é vital e com impacto no curto prazo porque poderá dar ao governo a última palavra em contenciosos fiscais que podem expandir a receita do ano em R$ 50 bilhões.

De óbvio interesse do governo e implicações no setor privado, a agenda parlamentar precisa avançar. Mas, sem esforço, ela dificilmente será esgotada em meio à contagem regressiva para o recesso com início em 18 de julho.

É fato que o semestre estará apenas começando e exigirá do mercado o monitoramento de receitas que serão efetivamente geradas para reavaliação do cenário fiscal e, principalmente, para estimar o quanto de recursos o governo ainda necessitará para entregar a meta de resultado primário em 2024, alerta Tiago Sbardelotto, especialista em política fiscal da XP.

Uma receita que ainda não decolou

A convite da Coluna, o economista fez um balanço das receitas esperadas e auferidas pelo governo. E pondera que, das medidas anunciadas, poucas progrediram, o que deverá comprometer a arrecadação do próximo trimestre.

“Nossa estimativa é de que o governo anunciou algo em torno de R$ 260 bilhões em receitas adicionais este ano. Porém, até o momento, o governo arrecadou apenas R$ 5 bilhões”, afirma.

Sbardelotto calcula que “de concreto” o governo contará com arrecadação de R$ 17 bilhões pela volta da tributação da gasolina e etanol a partir de julho; R$ 30 bilhões por exclusão de créditos do ICMS da base de cálculo do PIS/Cofins; e R$ 6 bilhões referentes à atualização de preços de transferências.

“As demais medidas continuam cercadas de incertezas”, observa o economista que detalha as pendências. “O projeto do Carf pode ajudar a elevar as receitas de forma extraordinária, mas o montante potencial deve ficar bem abaixo de R$ 50 bilhões estimado pelo governo. E a proposta deve passar por mudanças no Congresso, que tendem a desidratar essa estimativa ainda mais.”

A tributação do comércio eletrônico, diz Sbardelotto, anunciada em março e que engordaria a arrecadação, teve de ser refeita e tem efeito incerto.

“Outras mudanças, como a exclusão dos benefícios de ICMS da base de cálculo da IRPJ e CSLL, em que o governo indicou possíveis ganhos de até R$ 90 bilhões – e que estimamos próximo de R$ 30 bilhões – continuam dependendo do fim das discussões no Judiciário, que podem se estender para além do segundo semestre.”

O economista da XP avalia que o governo terá necessidade de levantar R$ 100 bilhões adicionais em 2024 para cumprir a meta de resultado primário – que originalmente prevê déficit zero. “Para isso, o governo deverá anunciar novas medidas, logo após o fim da votação do arcabouço fiscal”, pondera.

Para além da necessidade de caixa, é imperativo que a nova âncora avance para sua conclusão de forma a evitar retrocessos em ganhos relevantes obtidos nas últimas semanas e que melhoraram a percepção de grandes investidores sobre o Brasil.

A redução do prêmio de risco dos ativos

Entre os ganhos derivados da tramitação do arcabouço estão a redução de prêmios de risco dos ativos; o fortalecimento do real ante o dólar também impulsionado por condições externas; e uma visão mais otimista do ambiente econômico reconhecida, inclusive, pelo Copom na ata divulgada na terça-feira, 27 de junho, e encampada no Relatório Trimestral de Inflação divulgado na quinta-feira, 29 de junho.

Os documentos apontam “um processo parcimonioso de inflexão [da política monetária] na próxima reunião”. Para o mercado, em bom português, o BC acenou com corte de 0,25 ponto na Selic em agosto e assumiu uma visão construtiva ao reconhecer que “a incerteza sobre o desenho final do arcabouço fiscal é residual”.

Bem acolhida pelo BC e pelo mercado, a âncora fiscal passou, em 22 de junho, pelo crivo do Senado. Mas alterações no texto obrigaram o retorno do projeto à Câmara, onde o relator, deputado Cláudio Cajado (PP-BA), pretende restabelecer as condições aprovadas originalmente na Casa.

E a perspectiva de revisão se impõe porque, na passagem pelo Senado, a âncora fiscal foi enfraquecida pela exclusão do limite de despesas do governo os gastos com o Fundo Constitucional do Distrito Federal (FCDF), com o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica (Fundeb) e dispêndios com ciência, tecnologia e inovação.

O Senado não brincou em serviço. Agregou 15 emendas ao projeto que veio da Câmara. E as alterações prescrevem uma nova rodada de negociações entre o governo e parlamentares e a expectativa (ou torcida) é para que o segundo semestre deslanche com a confirmação das linhas mestras da política fiscal.

Entretanto, a agenda ainda contempla questões monetárias. Não exatamente quanto à distensão acenada pelo BC, mas pela esperada recomposição da estrutura de comando da instituição.

Na terça-feira, 4 de julho, a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado sabatina Gabriel Galípolo e Ailton Aquino, indicados do presidente Lula para o comando das diretorias de Política Monetária e de Fiscalização. Aprovados nesse fórum, ambos devem ter seus nomes chancelados pelo plenário do Senado.

Emergirá daqui um “novo” BC? A ver. É certo, porém que se avizinha um tempo de mais discussão e dissidência quanto à urgência de maior flexibilidade monetária – anseio do governo e do PT para respaldar um novo ciclo de crescimento.