O Brasil está a um triz de reduzir a zero a incerteza que ronda a economia. Nos últimos quatro meses, o cenário tornou-se mais positivo e pode melhorar com o corte do juro pelo Banco Central e a retomada dos trabalhos no Congresso.

Favorecem o aumento da confiança: a queda da Selic para 13,25%, a sinalização de redução da taxa em 0,50 ponto nos próximos meses – decisão agora alinhada à expectativa do governo –, inflação moderada, menor endividamento e o esperado avanço do marco fiscal, Carf e Reforma Tributária.

Essa combinação de eventos, que justifica a releitura do risco Brasil pela S&P Global e Fitch Ratings e a redução da incerteza monitorada pela FGV Ibre, revela um Brasil longe da UTI, mas sob observação.

“O cenário de insegurança registrado até fevereiro quanto às intenções do governo mudou radicalmente. O mercado comprou a ideia do ajuste pelo lado da receita. Mas há dúvida de que os objetivos serão alcançados pelas medidas já anunciadas", avalia o economista Alexandre Mathias, CEO da Kilima Investimentos.

A Kilima, lançada em 2020, administra R$ 4 bilhões e é o braço de gestão da assessoria de investimentos Monte Bravo, que tem R$ 34 bilhões sob custódia.

Em entrevista à Coluna, o experiente gestor de portfólios de fundos de pensão, com passagem pela Petros, BRAM, Itaú Asset e Unibanco Asset, reconhece substantiva melhora na dinâmica da economia, mas lembra que o aumento de tributos implícito no ajuste, de 2% a 3% do PIB, virá de mudanças propostas na Reforma Tributária e de receitas excepcionais. Não há espaço para frustração.

“Lula e Haddad conquistaram a credibilidade do arcabouço assim como a do Orçamento. Mas a execução da política fiscal será monitorada o tempo todo, inclusive porque o governo mal começou. Há muito tempo a transcorrer até o final do campeonato”, pondera Mathias.

Os “Cs” da dívida pública: colossal, cara, curta e crescente

O economista entende que o grande problema do Brasil, “a dívida pública colossal, cara, curta e crescente” estava e está aí, mas a questão foi endereçada via arcabouço fiscal e a perspectiva é de estabilidade em proporção do PIB a partir de 2026. “Menos mal, mas um fator de atenção”.

“O Brasil está sendo tratado de uma doença grave, vai demorar para ocorrer a remissão, mas o tratamento parece que vai dar certo”, afirma o economista para quem a ajuda do ambiente externo tende a minimizar incertezas.

“Imaginamos que o Fed parou seu ciclo de alta de juros e que a China continuará estimulando a atividade. A economia global não crescerá muito, mas não cairá em recessão, o que favorece os emergentes. E o Brasil é destaque no grupo por fundamentos que atrairão mais capital estrangeiro”, afirma.

E a persistência de fatores locais e internacionais favoráveis poderá garantir ao terceiro mandato de Lula a reprise de marcas históricas do Indicador de Incerteza da Economia (IIE-Br) alcançadas no primeiro mandato e, parcialmente, no segundo.

Lançado no ano 2000 e monitorado pela FGV Ibre, o IIE-Br é composto por dois indicadores e diz muito sobre o impacto de eventos nas expectativas.

O primeiro componente, o Indicador de Incerteza da Mídia, com peso de 80% no índice geral, reflete a incidência de termos relacionados à incerteza em artigos publicados em seis dos principais jornais do país.

O segundo componente do IIE-Br, o Indicador de Dispersão de Expectativas tem peso de 20% e contempla a dispersão das previsões de câmbio, Selic e IPCA divulgadas pelo BC.

A FGV Ibre informou na segunda-feira, 31 de julho, que o Indicador de Incerteza caiu 13,2 pontos em quatro meses e encerrou julho em 103,5 pontos – menor nível desde novembro de 2017. O dado supera a neutralidade de 100 pontos, mas é fato que a trajetória respalda uma visão construtiva de Brasil.

O IIE-Br de julho refletiu a melhora das perspectivas econômicas e a redução de incertezas fiscais e políticas. “Mas a continuidade desse quadro dependerá da recuperação da atividade e da manutenção de uma relação colaborativa e sinérgica entre as esferas do governo”, alerta a economista responsável pelo indicador Anna Carolina Gouveia, da FGV.

Incerteza aumenta, mas para o mundo inteiro

Em 2017, o patamar de 103 pontos, reproduzido no mês passado, espelhou a receptividade positiva a medidas do governo Temer com foco na Reforma da Previdência e no “Teto de Gastos” – dueto representado agora pela Reforma Tributária e a âncora fiscal.

O Indicador de Incerteza é revelador quanto à evolução dos primeiros mandatos de Lula que pode repetir o feito. Após ultrapassar 130 pontos às vésperas da eleição de 2002, o índice tombou à faixa de 80 a 90 pontos.

No transcorrer dos dois primeiros mandatos de Lula (2003/2006 – 2007/2010), a sequência marcada por baixa incerteza foi interrompida em 2008 pela crise financeira global. Em 2010, porém, o IIE-Br voltou a cair abaixo de 100 pontos.

Além da percepção dos agentes econômicos de que o governo havia optado pela responsabilidade fiscal, a expansão do PIB em 7,5% em 2010, a maior em 25 anos, foi decisiva para a queda da incerteza. A melhora do ambiente econômico foi transferida ao primeiro mandato de Dilma Rousseff (2011/2014).

Entretanto, essa herança foi corroída pela turbulência fiscal e política que dominou o segundo mandato de Dilma – afastada do cargo em agosto de 2016. Em setembro de 2015, o IIE-Br captou a deterioração e mirou 140 pontos.

A sucessão de Dilma por Michel Temer, na sequência do impeachment em agosto d 2016, desidratou a incerteza, mas IIE-Br não retornou em nenhum momento à neutralidade. Ao contrário, disparou a históricos 210 pontos em abril de 2020 com a pandemia da Covid-19.

É justo reconhecer, porém, que esse evento derrubou as economias do planeta e não apenas a brasileira que chega ao segundo semestre em observação, mas prometendo expansão de positividade.

E importante sinal a conter incertezas vem da previsibilidade acenada pela Copom para cortes de 0,50 ponto nas próximas do Copom. Confirmada a indicação, o juro real no Brasil cairá a 6,5% em 2023 e ao patamar de 5,8% em 2024. Há dois meses, o juro real chegou a 10%.