A internacionalização costuma ser um passo delicado para as marcas brasileiras de moda. São várias as que contratam relações públicas e ingressam em showroons internacionais, na tentativa de conquistar um lugar entre as mais renomadas grifes internacionais. O design, o jeito de trabalhar as cores e o indefectível “borogodó” costumam abrir as portas.
Mas por inúmeras razões – que incluem o alto custo de se produzir no Brasil e a falta de recursos para investir em estratégia – essas mesmas portas se fecham antes de concretizar bons negócios. Nascida, criada e com a cara do Rio de Janeiro, a colorida e expansiva Farm não quer repetir essa história.
Prestes a desembarcar com força no mercado europeu – com planos de abrir até cinco lojas, este ano, começando por Paris e Londres – a grife investiu em consultoria estratégica com uma das maiores do setor, a americana McKinsey. Tudo para chegar de forma estruturada nos principais territórios da moda internacional.
Entre os projetos para a estreia na Europa, está uma coleção de roupas para esquiar, que deverá ser lançada até o final do ano – um desdobramento da linha de casacos de inverno que fizeram sucesso no mercado americano. No seu Instagram pessoal, a diretora-criativa da Farm, Kátia Barros aparece em St. Moritz, na Suíça, com a primeira peça da nova coleção. "Agora a neve vai ter tucanos, bananas e folhagens e muitas cores", escreveu ela em sua rede social.
Para o próximo verão europeu, a marca carioca vai ter uma loja de 250m² no Le Bon Marché – loja de departamentos parisiense onde começou vendendo em um espaço teste de 40 m². A marca brasileira está em negociação também com uma varejista de "fast-fashion japonesa" e um "e-commerce de luxo".
“Temos sido procurados por empresas de outros segmentos, inclusive por uma das maiores redes de cafeterias do mundo, de origem norte-americana”, conta ao Neofeed Marcello Bastos, sócio fundador da Farm, sobre o desenvolvimento de coleções para companhias de outras áreas.
Em três ou quatro anos, diz Bastos, a ideia é “explodir” no mercado europeu e, então, partir para a conquista da Ásia. “Hoje, somos o maior vetor de crescimento do grupo Soma”, afirma o executivo, referindo-se ao grupo de moda criado a partir da fusão da Farm com a Animale, em 2010, e que hoje reúne outras oito marcas.
A marca carioca apresentou uma receita bruta de R$ 228 milhões, no terceiro trimestre de 2021, o que significa um crescimento de 91,8% em relação ao mesmo período de 2020 e 38,3% em relação a 2019. Já a FARM Global somou R$80,3 milhões no mesmo período, um crescimento de 229% em relação a 2020 e 552,9 % a 2019. São 85 lojas no Brasil e duas nos EUA, além das pop-ups nas grandes varejistas americanas.
“Contando com bons resultados internacionais, a Farm deverá chegar a 2025 faturando mais do que todas as grifes do grupo Soma juntas, excluindo apenas a Hering”, afirma Bastos, referindo-se à marca que foi adquirida pelo Soma em 2021.
Para se ter uma ideia do que isso significa, basta dizer que nos três primeiros trimestres de 2021, o grupo teve um faturamento líquido de R$1,5 bilhão. Na sexta-feira, 25 de fevereiro, o valor de mercado do grupo atingiu R$ 10,3 bilhões na B3. “Somos a primeira marca brasileira de vestuário a ser multinacional”, diz Bastos, que calcula que até 2023, as vendas internacionais da Farm representem 50% da receita da marca.
Mas a história da Farm Global – que vem se desenrolando desde 2016 quando começaram as vendas para os Estados Unidos – não é feita somente de acertos. “Na primeira participação em uma feira de moda nos Estados Unidos, quase não tiramos pedidos, apesar do sucesso de nossas roupas entre os compradores e a imprensa de moda”, relembra.
“Erramos no mix, no timing, no preço e até na produção”. Ainda assim, o charme carioca da grife chamou a atenção de uma rede de varejo importante: a Anthropologie, que se encantou por um vestido estampado. Com a evolução da parceria, o executivo começou a vislumbrar uma real possibilidade de expansão internacional.
Foi assim que a Farm Global começou a se desenhar, com a criação de um escritório nos Estados Unidos e a contratação de consultores para ajudar a desenhar o sonho americano. Para ter mais chances de competir, a orientação dos consultores foi a de posicionar a Farm como uma “contemporary brand”: categoria que abarca grifes contemporâneas “premium”.
A ideia era fugir da concorrência com marcas muito básicas, que já possuem um mercado consolidado. Para não encarecer demais a produção, as coleções para a Farm Global passaram a ser produzidas na Turquia, no Marrocos e na Índia. “Mas sempre em fábricas certificadas”, diz o executivo, que também precisou mexer na modelagem e investir em uma matéria-prima mais sofisticada.
Em 2019, a Farm abriu uma loja em Nova York e outra em Miami. Projetadas pelo arquiteto Marcelo Rosenbaum, as butiques trazem uma atmosfera artesanal-chique que, como se sabe, costuma fisgar o olhar estrangeiro. Na mesma ocasião, a empresa lançou um e-commerce para atender outras regiões do país.
A estrutura americana – que incluía profissionais de merchandising para fazer a ponte entre a grife e as grandes redes de varejo – era grande e cara, admite Bastos. Veio a pandemia e, com as lojas físicas impedidas de funcionar, uma queda no faturamento que tornou insustentável o sonho americano.
“Tivemos de reduzir drasticamente a estrutura e decidimos focar em duas frentes: vestir celebridades e vender no atacado, para entrar nas grandes lojas de departamento dos Estados Unidos”. Dessa forma, a marca pretendia se tornar mais conhecida e alavancar as vendas do e-commerce, enquanto expandia pontos de venda no país – com a gradativa reabertura do varejo.
“Caímos nas graças da Saks, da Neiman Marcus e da Nordstrom”, conta o executivo, que credita o sucesso da Farm à estamparia – um dos pilares criativos desde a sua fundação. A Farm foi criada em 1997 por Bastos e Kátia Barros, atualmente diretora criativa da empresa.
“Gosto de dizer que não somos apenas uma marca praiana, mas uma marca feliz”, afirma Bastos. E isso pode vir estampado tanto em vestidos fluídos como em casacos de inverno. A prova é que a grife vem faturando com o inverno o mesmo que fatura com o verão – coisa rara para uma marca que nasceu atrelada ao beachwear brasileiro e não tinha muita intimidade com o vestuário para temperaturas abaixo de zero.
E, com o medo da Covid sendo substituído pelo alívio diante da vacinação, “o timing é perfeito”, avalia Bastos. O consumidor está recobrando o seu ânimo e nada melhor do que se vestir de estampas alegres para esse novo momento. “Conseguimos nos tornar queridos pelos consumidores americanos”, diz o executivo. Para conquistar o resto do mundo, pelo jeito, falta pouco.