PARIS — Aos 41 anos, Lucas Arruda, um dos maiores nomes da arte contemporânea brasileira, acaba de conquistar um espaço até então jamais ocupado por um artista sul-americano: uma exposição individual no prestigioso museu d’Orsay, em Paris.
Apenas isso já poderia ser considerado um feito, mas não para por aí: suas telas são exibidas em um dos espaços mais emblemáticos e visitados do museu: a Galeria Impressionista.
Que importa a paisagem, título da exposição livremente inspirado em Poema do Beco, de Manuel Bandeira, apresenta 34 quadros de Arruda ao lado de obras-primas do museu, como as da série Catedral de Rouen, de Claude Monet. A mostra, em cartaz até 20 de julho, é um dos pontos fortes da programação do Ano do Brasil na França.
Como diz Sylvain Amic, presidente do museu, o tema da paisagem representa o ponto de entrada do vínculo entre o artista brasileiro e os impressionistas. Mas é em torno da luz, da força e da sensação que as telas dos artistas do século 19 e as contemporâneas de Arruda se harmonizam. “Que importa a paisagem desde que haja talento”, completa Amic, também um dos curadores da mostra.
“É um sonho, uma realização do artista que começou lá atrás fazendo desenhos. Pintei muito, sabe? Trabalhei muitas horas no ateliê”, diz Arruda ao NeoFeed, durante a vernissage. “Fico feliz que isso tenha me levado a algum lugar.”
As artes plásticas entraram bem cedo na vida do paulistano da Vila Madalena. Criança, ele desenhava de maneira incessante. Batalhas estavam entre seus temas prediletos.
“Acumulei muitos desenhos. Meus pais têm caixas e caixas de desenhos”, lembra. Na arte, o garoto disperso encontrou a concentração. “Até hoje, é no trabalho que eu organizo meus pensamentos”, completa.
Por volta dos 20 anos, Arruda, que já pintava, conseguiu fazer sua primeira viagem ao exterior: Siena, graças a uma bolsa para estudar italiano.
Ao voltar para o Brasil, ele começou a pintar a igreja que avistava de seu quarto no período em que morou na Itália. Assim nasceu a série Chiesa. Com o tempo, a cada nova tela, as proporções, os elementos e as cores mudavam… até o momento em que aquela igreja perdeu os traços que a definiam no mundo real e ganhou os contornos imaginados por Arruda.
"Coisas novas o tempo todo"
Em 2017, ele foi convidado pela Coleção Pinault, do bilionário François Pinault, dono do grupo de luxo Kering, para participar de uma residência de artistas em Lens, no norte da França. Ali ele viu a neve pela primeira vez e conta ter experimentado um clima de solidão que repercutiu em obras pouco coloridas.
Naquela época, o artista já havia realizado algumas exposições internacionais, que depois se aceleraram. Sua ascensão no exterior foi rápida, com eventos em locais importantes, como uma retrospectiva de sua carreira, em 2019, no museu Fridericianum, em Kassel, na Alemanha, cidade onde é realizada a feira Documenta, referência mundial em arte contemporânea.
Avaliadas em centenas de milhares de dólares, suas obras hoje integram coleções institucionais renomadas, como o Centro Georges Pompidou e a Coleção Pinault, em Paris, a Tate Modern, de Londres, o Instituto de Arte de Chicago e a Pinacoteca de São Paulo.
Há mais de quinze anos, Arruda trabalha na série Deserto-Modelo, nome inspirado em textos do poeta João Cabral de Melo Neto. São essas obras que integram a exposição no museu d’Orsay. Para o pintor, o deserto remete à ideia de vastidão, de vazio, onde é possível explorar diversas abordagens. São quadros de pequenos formatos que retratam paisagens imaginárias.
“Eu pinto o mesmo motivo, mas descubro coisas novas o tempo todo. Acho que é por isso que eu faço tantas séries de telas”, diz, sempre com voz pausada e tranquilidade nos gestos e no olhar, atento ao interlocutor. O jeito calmo não deixa imaginar que ele é um grande fã de boxe e pratica o pugilismo há mais de dez anos.
Diferente dos impressionistas, que pintavam paisagens reais, as de Arruda são sempre criadas em seu ateliê, sem se inspirar em fotos ou lugares específicos.
São locais que não existem ou visões de sua memória, como no caso das telas que revisitam a Mata Atlântica. Nessas obras, o artista utiliza lembranças que tem da cor da vista da casa de seu pai, o jornalista Roldão Arruda, na Barra do Una, no litoral de São Paulo.
"Grande tensão dramática"
Como no caso dos pintores impressionistas, a luz é um elemento central das obras do brasileiro. “É a luz que guia a minha pintura e dá a intensidade, criando espaços que não são nem abstratos nem figurativos”, afirma. Arruda diz que tenta captar a luz, que tem sempre um “sentido de esperança, de futuro, de descoberta de um novo mundo.”
Mas diferente deles, que usavam mistura de pigmentos brancos, para trabalhar a luz, Arruda realiza verdadeiras “escavações arqueológicas”, como define. Ele coloca tinta em excesso na tela e vai “escavando, escavando até encontrar a luz que quer obter.”
É por isso que suas telas não têm molduras: vestígios espessos de tinta podem ser vistos em algumas bordas e fazem parte da obra.
“Embora tenham pequeno formato, as telas de Lucas Arruda são carregadas de uma grande tensão dramática”, diz Nicolas Gausserand, outro curador de Que importa a paisagem.
As telas de menor tamanho incitam o espectador a se aproximar da obra. “Quando ficamos mais perto, vemos que há muitas coisas na superfície que constroem uma imagem bem calma”, explica Arruda.
A linha do horizonte que cruza a tela também é um elemento marcante de seus quadros. Muitas vezes, a paisagem emerge apenas na ideia de uma linha do horizonte, que pode ser imperceptível. “É um pouco como organizar o mundo”, comenta ele.
Suas obras na mostra no Museu d’Orsay, distribuídas em três salas da Galeria Impressionista, interagem com quadros de Alfred Sisley, Camille Pisarro, Théodore Rousseau, Gustave Courbet e, claro, Claude Monet, que, como Arruda, era um grande adepto das séries de pinturas.
Apenas a Catedral de Rouen, foi pintada pelo impressionista em 30 telas, entre 1892 e 1893, em horários e condições meteorológicas diversas, o que influiu na luz e cores do cenário.
“As minhas matas têm características similares, mas elas se reinventam”, diz o brasileiro, embora não as considere pinturas impressionistas.
Não é apenas o Museu d’Orsay que homenageia Arruda. No final do mês, Arruda inaugura outra exposição na França, também no âmbito da programação do Ano do Brasil no país. Ela será apresentada de 30 de abril e 5 de outubro, no Carré d’Art de Nîmes, cidade no sul do país. Ali serão exibidas pinturas, obras multimídia e instalações do paulistano em diferentes períodos de sua carreira.