A Raízen anunciou ao mercado que fechou sua segunda captação relevante em 2024 na semana passada. A joint venture da Cosan com a Shell informou ter realizado sua segunda emissão de green bonds, levantando US$ 1 bilhão, depois de ter emitido US$ 1,5 bilhão do mesmo tipo de título em fevereiro.
A decisão da companhia de retornar ao mercado em um curto espaço de tempo é um sinal bem forte sobre como anda a temperatura dos mercados de dívida. Independentemente do interesse específico com títulos sustentáveis, as empresas têm encontrado um cenário bastante propício para emissão de dívidas, tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos.
E a expectativa é de que permaneça robusto até o fim do ano, segundo especialistas ouvidos pelo NeoFeed, com boa possibilidade de as emissões das companhias superarem a marca dos R$ 500 bilhões no País e ultrapassar US$ 25 bilhões no exterior.
“Continuamos vendo um fluxo muito forte de recursos vindo para a renda fixa, com o cenário de mercado permanecendo muito propício para as emissões das empresas”, diz Matheus Licarião, responsável pela área de mercado de capitais na parte de renda fixa do Santander Brasil. “Tem um pipeline forte de operações ainda por vir no segundo semestre.”
No Brasil, os títulos de dívida tem reinado de forma soberana. Segundo a Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais (Anbima), as empresas levantaram até agosto deste ano cerca de R$ 484,2 bilhões no mercado de capitais, valor recorde para o período na série histórica iniciada em 2012, superando tudo o que foi captado em 2023, de R$ 467,3 bilhões.
Lá fora, o mercado segue também propício para as empresas brasileiras. Dados da agência britânica Bond Radar levantados a pedido do NeoFeed apontam que as empresas brasileiras emitiram US$ 16,8 bilhões de janeiro a agosto, superando o que foi visto no acumulado de 2023, de US$ 16,1 bilhões.
No Brasil, as debêntures continuaram como o ativo de maior representatividade. Até o final de agosto, o volume acumulado chegou a R$ 283,9 bilhões, representando quase 60% das emissões no ano e estabelecendo um novo recorde para o período.
O volume elevado de emissões é fruto principalmente da demanda dos investidores por ativos de renda fixa, que gerou uma oferta grande de recursos no mercado. Segundo a Anbima, os fundos de investimentos em geral apresentaram captação líquida positiva de R$ 286,2 bilhões no ano. A renda fixa manteve a liderança da indústria, com captações de R$ 303,8 bilhões.
“Do lado da demanda, existe muito apetite, porque o CDI está na casa dos dois dígitos, as empresas que acessam o mercado de capitais estão com o balanço ok, não tem nada sistêmico à vista, e tem a atividade econômica surpreendendo para cima”, diz Leonardo Ono, sócio e gestor de renda fixa e crédito privado da Legacy Capital.
“E com o CDI subindo [após aumento da Selic], a atratividade da renda fixa vai aumentar. As classes de ativos que competem com a renda fixa ainda não estão convencendo o investidor a sair da renda fixa”, complementa Ono.
A consequência dessa forte demanda tem sido comprimir os spreads dos títulos de dívida corporativa. Segundo o Idex-CDI, índice criado pela gestora JGP para acompanhar o crédito privado, o spread está próximo de DI mais 1,67%, abaixo dos 2,4% vistos em agosto do ano passado. O cálculo exclui os títulos de Americanas e Light, que travaram o mercado no primeiro semestre de 2023.
“Os spreads comprimiram muito com a oferta de dinheiro, com os prêmios de risco ficando muito apertados, atingindo mínimas históricas”, diz Samy Podlubny, chefe da área de dívida do UBS BB. “É muita oferta de fundos para as empresas, que não têm acesso ao mercado de equity, que estão antecipando suas necessidades de dívida.”
Para ele, a situação deve fazer com que o volume total de emissões feche o ano em R$ 530 bilhões. “Tem muito deal para acontecer até o fim do ano. Somente aqui temos 36 para execução”, diz Podlubny.
Gerindo passivos e investimentos
Ainda que as empresas acessem o mercado constantemente para fazer gestão de dívidas, muitas companhias aproveitam o momento para deixar seu passivo em condições melhores.
Esse foi o caso da Unipar. A companhia do setor químico e petroquímico concluiu, no começo de setembro, a captação de R$ 750 milhões em debêntures, com os recursos sendo utilizados para o reperfilamento de dívida, o que envolve resgatar duas debêntures emitidas no passado.
Segundo Alexandre Jerussalmy, CFO da empresa, a Unipar viu uma oportunidade de deixar o perfil de dívida mais confortável e aproveitou a demanda, que foi o dobro do que a emissão proposta. “Não era uma captação que a gente realmente precisava do ponto de vista de liquidez, mas vimos que a janela era muito promissora ao emissor”, afirma.
Jerussalmy diz que a liquidez e a demanda permitiu à Unipar, pela primeira vez em sua história, emitir um título com prazo final de dez anos e também fazer com que as séries apresentassem custos abaixo da indicação feita ao mercado. A tranche de sete anos, por exemplo, teve uma taxa de CDI mais 1,20%, menor que o teto de CDI mais 1,35%, e abaixo de outra captação feita em outubro do ano passado, em que o custo ficou em CDI mais 2,05%.
Com essa emissão, o custo médio geral da dívida da Unipar, que era CDI mais 1,56% no fim de junho deste ano, terá queda relevante, segundo o CFO da companhia, que não quis antecipar a informação antes da divulgação dos resultados do terceiro trimestre. Já o prazo médio será ampliado dos atuais 3,4 anos para cerca de 4,5 anos antes das transações de recompra.
O momento também é positivo para quem busca recursos para investimentos. A Indigo Brasil, empresa de estacionamentos que no Brasil tem como acionistas a francesa Indigo e o Patria Investimentos, captou R$ 250 milhões no começo do mês com o intuito de ampliar as operações no País.
Segundo Caio Osser, CFO da companhia, essa foi a maior captação da companhia, que teve custo de CDI mais 1,95% e prazo de cinco anos. Com crescimento de mais 40% desde 2022, quando os dois acionistas uniram as operações, e com o faturamento previsto a chegar a R$ 1,7 bilhão neste ano, a empresa aproveitou o bom momento para ir atrás de recursos para expandir sua capacidade tecnológica.
“Temos visto que o mercado e os nossos clientes têm demandado mais serviços, então fizemos essa captação para continuar essa expansão que estamos experimentando”, diz Osser.
Exterior em alta
O bom momento também é visto no mercado internacional, com as perspectivas de mais corte de juros pelo Federal Reserve (Fed, o banco central dos Estados Unidos) tirando pressão sobre as Treasuries, tem estimulado muitas companhias a buscarem recursos no exterior, seja para reperfilar dívida ou para investir.
“A melhora no custo de captação foi um catalisador muito importante para as empresas irem a mercado”, diz Miguel Diaz, especialista da área de mercado de capitais na parte de renda fixa do Santander.
Na operação mais recente da Raízen, os títulos de dez anos saíram a uma taxa de 5,70% ao ano, enquanto na emissão anterior, os títulos com vencimento em dez anos tinham um cupom de 6,45%.
Segundo Marina Dalben, diretora de tesouraria da Raízen, a possibilidade de acessar um volume de capital maior e diversificar as fontes de financiamento a um custo atrativo foi o que motivou a companhia a emitir no exterior mais de uma vez.
“Com relação a preço, profundidade, juros e prazo das emissões, fazia muito sentido para nós olhar o mercado internacional”, diz Dalben. “Vemos no Brasil uma precificação competitiva, só que a profundidade do mercado é menor, com uma operação grande sendo na casa de R$ 1,5 bilhão, o que representa menos de US$ 300 milhões.”
Ela afirma que a intenção inicial era fazer uma operação menor, inclusive com a reabertura da operação feita em fevereiro. Mas a forte demanda dos investidores, que alcançou quase US$ 4,4 bilhões, e a compressão dos spreads animaram a Raízen a seguir com uma operação internacional, inclusive aumentando o volume que pretendia captar, de US$ 750 milhões.
Até o fim do ano, o volume de transações pode chegar a R$ 25 bilhões, de acordo com Diaz. Para ele, muitas companhias devem se antecipar para evitar a volatilidade prevista para o fim do ano por conta das eleições americanas. “Até lá, o vento a favor do econômico vai se sobrepor a volatilidade política”, afirma Diaz.