O comércio eletrônico ganhou tração no mundo inteiro, mas quem tem pegado carona nesse fenômeno é a indústria automobilística – principalmente o segmento de furgões e vans, hoje considerado o novo Eldorado das montadoras. Nos Estados Unidos, a BrightDrop, nova marca de veículos comerciais elétricos da General Motors, acaba de fechar a venda de 25 mil unidades de seus furgões EV410 e EV600. Vinte mil unidades irão para a FedEx e outros 5 mil exemplares estacionarão na garagem do Walmart.
Outra grande compra no segmento foi a da Amazon. A empresa de delivery encomendou 100 mil veículos elétricos da Rivian Automotive, uma startup americana que tenta seguir os passos da Tesla. Em novembro, a novata Rivian se tornou a terceira montadora do mundo em valor de mercado (US$ 151,95 bilhões), ultrapassando ninguém menos do que a Volkswagen, antes de ter entregue seu primeiro carro.
A venda mais espetacular envolvendo furgões e veículos elétricos, entretanto, foi da Oshkosh, outra marca pouco conhecida dos brasileiros. A empresa vai entregar 165 mil veículos elétricos para o serviço postal dos Estados Unidos ao longo desta década. Do outro lado do Atlântico, no Reino Unido, a novata Arrival vendeu 10 mil furgões elétricos para a UPS, com entregas até 2024.
Mais do que ganhar as ruas americanas e europeias, os furgões elétricos fazem muito sentido no Brasil. Como a infraestrutura de carregamento das baterias dos carros ainda é pequena fora das principais cidades, uma autonomia de 300 km/dia é suficiente para que os EVs façam entregas urbanas sem risco de ficar sem energia. Essa mesma confiança ainda não existe para os compradores de carros de passeio, que normalmente querem viajar longas distâncias.
Além disso, várias empresas estão comprometidas com o ESG (sigla de Environmental, Social and Corporate Governance) e têm metas de redução de emissão de carbono a cumprir. Portanto, ao contrário dos consumidores de automóveis de passeio, que precisam ser convencidos das vantagens dos carros elétricos, no caso dos furgões, são os próprios clientes das montadoras que estão interessados em veículos não poluentes.
Outra vantagem está nos impostos. No dia 21 de dezembro, foi aprovada a prorrogação por mais sete anos (até o final de 2028) de taxas de importação reduzidas para veículos elétricos. Dependendo da eficiência energética do veículo, o imposto de importação pode ser de 0%, 2% ou 4% para carros híbridos. A taxa normal é de 35%. No caso dos veículos totalmente elétricos, entretanto, o imposto é sempre zerado, desde que a autonomia seja de no mínimo 80 km.
Por tudo isso, as montadoras começam a explorar cada vez mais este pequeno Eldorado também no Brasil, pois o segmento já está na casa das 60 mil unidades/ano. Afinal, as vendas são racionais, o ambiente é propício para veículos elétricos e as margens de lucro costumam ser boas, entre 15% e 20%, segundo uma fonte ouvida pelo NeoFeed.
Mas, por enquanto, sem risco de concorrência imediata dessas novas marcas, há poucos modelos elétricos e as montadoras ganham dinheiro com furgões e vans movidos por motores a diesel e a gasolina mesmo. Vários modelos já estão sendo vendidos na casa dos R$ 300 mil. É o caso do Renault Master, líder de todo o segmento e da categoria Furgão Grande. O modelo da Renault tem seis versões – vai desde o Master Cabine (R$ 199,7 mil ou R$ 207 mil com o Pack Luxo) até o Master Minibus Executive (R$ 297,2 mil).
O Renault Master é um exemplo de como este segmento pode ser lucrativo. As vendas do modelo francês cresceram 76% em 2021, chegando a 9.672 unidades. Estima-se que só o Master tenha deixado cerca de R$ 464 milhões de lucro nos cofres da Renault do Brasil (considerando um tíquete médio de R$ 240 mil).
A categoria dos furgões grandes é a mais disputada. Além do Renault Master, vários outros modelos registraram vendas acima de 1,7 mil unidades no ano passado: Peugeot Expert (3.922), Man Express (3.545), Iveco Daily (3.386), Citroën Jumpy (3.312), Hyundai HR (3.298), Fiat Ducato (2.934) e Kia K2500 (2.413) e Mercedes-Benz Sprinter (1.727).
Há ainda a categoria de furgões pequenos, que é dominada pela Fiat. Com 20.602 vendas em 2021, o Fiat Fiorino, que é baseado no Uno, tem 93% do mercado. Mesmo assim, a Fiat apresentou no final do ano passado uma completa renovação do Fiorino, dotando o veículo de mais itens de conforto e conectividade. Mesmo tendo como base o velho Uno, um carro defasado e que está saindo de linha, o Fiat Fiorino custa R$ 100 mil. Ele deixa um lucro anual estimado de R$ 309 milhões.
Ainda nesse nicho a novidade foi a entrada da marca chinesa BYD com um modelo totalmente elétrico, o eT3, que roda 300 km com uma carga de bateria - e ela carrega em apenas duas horas. A entrada de veículos elétricos não ficou restrita à BYD. A Citroën e a Peugeot lançaram no final do ano passado as versões totalmente elétricas dos furgões Jumpy e Expert.
O ë-Jumpy e o e-Expert são importados da França e custam R$ 330 mil, enquanto o Jumpy e o Expert com motor a combustão continuam sendo fabricados no Uruguai. A aposta em veículos elétricos comerciais, que já está a pleno vapor no Hemisfério Norte, é uma tendência para o Brasil.
Segundo o presidente da Anfavea, Luiz Carlos Moraes, as montadoras estão cada vez mais interessadas no segmento que brilhou com o boom do comércio eletrônico durante a pandemia de Covid-19. “Mesmo depois da pandemia, esse segmento veio para ficar e as empresas estão trazendo novos modelos e novas tecnologias para criar um mercado mais robusto”, disse Moraes ao NeoFeed.
Não é muito fácil entender o segmento de furgões e vans. Nem mesmo as montadoras têm um padrão para se referir a eles (ou elas). A Fiat, por exemplo, agora chama o furgão Fiorino de van. As vans, entretanto, são mais populares como minibus, para transporte de passageiros. Esses veículos podem ter diferentes aspectos e vários tamanhos.
Assim como algumas versões do Renault Master e do Mercedes Sprinter, o Man Expert, da Volkswagen, é um caminhãozinho preparado para receber um baú. Diferentemente do que ocorre nos carros de passeio, a forma é o que menos importa. O preço, sim. No caso do Expert, são R$ 270 mil, ou seja, um lucro estimado de R$ 191 milhões com apenas um modelo. Os consumidores (empresas) não reclamam, desde que o carro seja uma ferramenta na busca do lucro.
De olho nesse filão e calejada com o ambiente hostil dos automóveis de passeio, a Ford também escolheu o segmento de furgões e vans para voltar a ganhar dinheiro no Brasil. No mesmo ano em que anunciou o fim da produção de carros no país, a Ford passou a trazer do Uruguai a nova Transit, uma van bastante elogiada na Europa. É uma de suas grandes apostas para 2022.