O executivo Walter Maciel Neto, presidente da gestora AZ Quest, com R$ 16,8 bilhões sob gestão, é conhecido no mercado financeiro pela sua experiência e o tom sempre otimista em relação ao futuro da economia brasileira e ao desempenho da bolsa.
Mas nem os mais otimistas poderiam prever o salto que a bolsa deu depois de atingir 65 mil pontos, quando a covid-19 começou a ser sentida no Brasil, em março, e os pregões entraram em um looping de sucessivos circuit breakers.
“Imaginar essa recuperação, de estarmos falando de mais de 100 mil pontos hoje, jamais”, diz Maciel ao NeoFeed. Muito disso se deve aos juros baixos e a entrada maciça de pessoas físicas na bolsa. “Para o brasileiro, 3% não serve”, diz ele.
Com esses ingredientes, enquanto estrangeiros saíam do País, os investidores de varejo entravam. “Em março, 16% dos ativos de bolsa estavam nas mãos do varejo e, em julho, eram 28%. É inimaginável, mesmo para uma pessoa otimista como eu”, diz ele.
E muitos dos que entraram subverteram todas as previsões de mercado. “Precisamos admitir que o investidor pessoa física deu um show em todo mundo. De março para cá, foi goleada. Pessoa física ganhou de dez a zero”, diz Maciel Neto.
Na entrevista que segue, o executivo fala sobre os efeitos da taxa básica de juros baixa por um longo período – algo que pode ser interrompido se o governo não atentar para a questão fiscal –, e discorre sobre o cenário macroeconômico no Brasil e as disputas geopolíticas no mundo.
Ele também fala sobre investimentos ESG e as empresas e setores que podem sair bem da crise. Em sua opinião, Magazine Luiza, Vale e Banco do Brasil são bons negócios. As empresas do setor de proteína, diz o executivo, também podem se beneficiar de um aumento nas tensões entre Estados Unidos e China.
Aos 52 anos, formado em economia pela PUC do Rio de Janeiro, com especialização na Harvard Business School, Maciel Neto, é veterano do mercado. Trabalhou nos bancos Safra, Garantia e Credit Suisse até chegar ao comando da AZ Quest. Essa experiência também traz uma visão mais ampla do mundo pós-crise.
“Tem um quadro que a gente precisa ficar preocupadíssimo. É a desigualdade. O problema é Wall Street e Main Street, os ricos vão ficar mais ricos e os pobres vão ficar mais pobres. E isso vale também para as pessoas jurídicas”, afirma. Acompanhe os principais trechos da entrevista:
Essa entrevista era para ter acontecido no dia 9 de março, mas veio o primeiro circuit breaker de uma sucessão que aconteceu na bolsa naquele mês e cancelamos a conversa. O que mudou de lá para cá?
Mudou tudo. Ter uma visão exageradamente assertiva parece pretensioso e burro. As pessoas estão tendo de se corrigir com uma frequência mais alta do que os portfólios pedem, do que os investidores gostariam. A regra número um do manual operacional em um momento como esse é humildade. Eu já vivi crises, mas essa é a mais séria que eu já vi.
Mas o que mudou no mercado brasileiro?
Nos últimos dois meses, vimos uma mudança política, um efeito importante na renda dos incentivos de curto prazo e, o mais importante, uma absoluta resistência de abrir as contas públicas de maneira irresponsável. Isso tudo coloca o Brasil inserido num contexto global de juros muito baixos. O excesso de capacidade ociosa no setor produtivo faz com que enxerguemos pouca pressão inflacionária. O excesso de mão de obra, infelizmente um flagelo do País, nos leva a crer que, do ponto de vista de demanda, não vamos ter pressão inflacionária por muito tempo. Isso tudo num mundo que cresce pouco e de juros baixos. O que nos leva a crer que, a menos que a gente tenha uma piora no cenário fiscal, o quadro será de juros baixos por muito tempo. Aí foi onde quase todo mundo errou.
Por quê?
Por que o que mudou é que os juros vão para 2% e são juros reais negativos. Mesmo se os juros forem para 4% não muda nada. Estou falando sobre os próximos 4 anos, 5 anos. O caminho que está sendo apontado é o de juros muito baixos por muito tempo. E esse caminho é diferente do norte-americano e do europeu.
"O caminho que está sendo apontado é o de juros muito baixos por muito tempo. E esse caminho é diferente do norte-americano e do europeu"
De que forma é diferente?
Lá, os mercados de capitais e a cultura de investimentos já estavam amadurecidos há muito tempo. O sonho do americano, em 1960, era ter 60% do dinheiro em bolsa, pagar a hipoteca da casa, a faculdade do filho e ter uma aposentadoria decente. Se lá você já tinha essa cultura, na crise de 2008, aconteceu um desequilíbrio de renda norte-americana muito grande. Os estímulos monetários viraram poupança para o rico e dívida para o pobre. O rico ficou mais rico e investiu em bolsa e começou a ter um gap entre Wall Street e Main Street. E esse gap agora vai aumentar. No Brasil, o efeito é muito mais agressivo.
Por quê?
Aqui 70% dos ativos estavam em renda fixa e 8% em bolsa. Vai botar dinheiro em quê? Vai ter um excesso de demanda, que vai levar a um preço excessivo, que vai levar a um monte de oferta, a novos IPOs e as coisas vão se equilibrar. Até então, você vai ter um estresse, mas muito mais duradouro porque permanecemos com um mercado onde ativos de renda fixa são majoritários e isso vai ter que mudar.
Você esperava que o mercado de ações se recuperasse tão rápido como se recuperou?
Não posso dizer isso, seria uma arrogância e mentira. O que vimos, num primeiro momento, foi uma queda tão abrupta da produção e do consumo no mundo inteiro, que se chegou a pensar na AZ Quest em uma queda de PIB de 7,5% e agora revisamos para uma queda de 5,3%. Não havia dados para argumentar contra isso. Mas eu tinha duas sensações que atenuavam a minha percepção do buraco dos ativos e que me dava uma intuição de que 65 mil pontos era muito pouco. A primeira é que eu não achava que o dólar subiria sem nenhum limite. O segundo ponto que eu tinha forte era que esse juro de 2% levaria a uma demanda por ativos de risco, porque 3% para brasileiro não serve. Achava que isso, de alguma maneira, daria alguma sustentação, mas imaginar essa recuperação, de estarmos falando de mais de 100 mil pontos hoje, jamais.
A bolsa ainda é um bom negócio?
Em março, 16% dos ativos de bolsa estavam nas mãos do varejo e, em julho, eram 28%. É inimaginável, mesmo para uma pessoa otimista como eu. Essas pessoas não entraram em fundo, entraram em ação direto. E isso envolve outro perigo. Quando você fala da bolsa, você fala de uma cesta de ativos. Essa crise vai ser muito benéfica para algumas empresas que vão perder concorrentes e estavam preparadas para crescer. Outras empresas vão se dar mal. Acho que entrar em boas empresas agora ainda é um excelente negócio.
Quais empresas são excelentes negócios?
Magazine Luiza, o setor bancário tem empresas como o Banco do Brasil, algumas exportadoras como Vale fazem bastante sentido. Se a China endurecer com os Estados Unidos, ela desvia a importação para cá. Todo o setor de proteína brasileiro se dá muito bem. Todos os bancos, inclusive a AZ Quest, preveem crescimento de PIB no ano que vem.
Mas você acha que tem espaço para a quantidade de IPOs e follow ons no mercado? Não tem uma euforia generalizada?
Acho que tem. Mas também acho que tem um outro lado. Um recente estudo do BTG mostrava que 59% dos investimentos dos norte-americanos são em bolsa, 60% dos investimentos dos britânicos são em bolsa, 80% dos investimentos dos canadenses são em bolsa. Aqui no Brasil esse índice é de 9%. Você tem uma concentração enorme no Brasil, 90% da renda está nas mãos de 5% das pessoas. Não é o povão que está comprando bolsa e as pessoas que têm dinheiro ainda estão com 70% em renda fixa. Vai ter dinheiro para crédito privado, vai ter dinheiro para fundo imobiliário e vai ter dinheiro para fundo multimercado. Mas onde vai ser o grosso? O dinheiro vai caminhar para a bolsa. Se você não trouxer uma nova oferta de empresas, esses múltiplos vão continuar subindo. A vantagem das novas empresas é que o pessoal está trazendo ideias boas. São ideias de IPO que fazem sentido, de empresas que provavelmente vão se dar bem.
"Um recente estudo do BTG mostrava que 59% dos investimentos dos norte-americanos são em bolsa, 60% dos investimentos dos britânicos são em bolsa, 80% dos investimentos dos canadenses são em bolsa. Aqui no Brasil esse índice é de 9%"
Entendi que o dinheiro vai migrar de renda fixa para ações, mas as empresas só vão performar se tiver cliente para comprar seus produtos, se a economia andar...
Todo mundo está projetando um crescimento de 3% no ano que vem. A AZ Quest está projetando uma Selic de 2% e um PIB de menos 5,3% em 2020. Em 2021, está apostando em um crescimento do PIB de 3,9%. Para empresas que têm caixa, a queda no geral é pequena.
Mas muita gente vai perder emprego e o auxílio do governo vai acabar em algum momento...
Tem um quadro que a gente precisa ficar preocupadíssimo. Se eu pudesse dar um conselho para o governo, eu daria. É a desigualdade. O problema é Wall Street e Main Street, os ricos vão ficar mais ricos e os pobres vão ficar mais pobres. E isso vale também para as pessoas jurídicas.
E a questão internacional, não preocupa? Teremos eleições americanas nesse ano e o presidente Donald Trump vem falando que as eleições deveriam ser postergadas por conta do coronavírus...
Institucionalmente, é preocupante porque o presidente da república é o presidente da república. Agora, eu sou fã e estudioso da maneira que aquele país foi construído desde a declaração da independência até a constituição muito enxuta. Eu acredito nas instituições americanas. Lá, o presidente não pode tudo mesmo. Pessoalmente falando, nunca houve uma eleição cancelada nos Estados Unidos. Acho que o que ele está querendo fazer, de alguma maneira, é desqualificar a oposição e o resultado da eleição. Mas, na minha opinião, essa eleição está longe de ser decidida. Política é igual nuvem. Cuidado com o que você está vendo aqui por que você baixou para falar com o amigo, olhou de novo e ela não está mais lá.
E a disputa entre Estados Unidos e China?
A tensão Estados Unidos e China mudou a geopolítica global. Ela foi exacerbada. Ela não é sobre 5G, tecnologia, comércio, mar do sul e sudeste da China. Ela é uma guerra geopolítica, uma possível troca de bastão e essa troca vai ser tensa e demorada, se é que vai acontecer. Acho que a Covid provocou, a despeito da falta de liderança americana, um realinhamento europeu e isso vai fazer com que as coisas sejam diferentes. Tem aí uma tendência de uma rearrumação da Europa, mas tem de ser muito otimista para dizer que isso vai ser fácil. E a China vai manter o caminho dela. Então, é inteligente o Brasil se manter imparcial e pró-business com todos.
Qual é a sua opinião sobre investimentos ESG, como o Brasil está posicionado nessa questão? Você não acha que no mercado tem muita gente fazendo marketing e agindo pouco?
A AZ Quest é uma empresa B Corp, aderimos ao pacto da ONU. Não fiz marketing sobre isso. O Antonio Ermírio de Moraes dizia o seguinte quando perguntado se fazia doação. ‘Meu pai me ensinou que quando eu não conto é caridade e quando conto é publicidade.’ Isso não me ajudou a ganhar nenhum mandato. ESG lá fora tem cem vezes mais empresas listadas do que aqui. Se aqui eu quisesse ser puramente ESG, reduziria o universo do meu investidor a pouquíssimas empresas e isso pode ser super ineficiente para a carteira dele. Por que não obrigar todo mundo a ser ESG? Por que não falar CVM, Anbima, Apimec, e investidores, vamos ser duríssimos com as empresas não ESG? Até porque todas as empresas que buscaram as melhores práticas foram as que mais se valorizaram nos últimos dez anos. O ESG no Brasil esbarra na falta de liquidez e a segunda coisa é a falta de transparência.
"Por que não obrigar todo mundo a ser ESG? Por que não falar CVM, Anbima, Apimec, e investidores, vamos ser duríssimos com as empresas não ESG?"
Mas há demanda por parte do investidor?
Claro que sim. A nova geração já tem uma conscientização maior sobre isso. E fundos de pensão, bancos, multi family offices, já olham para isso. O que estamos discutindo aqui é o que importa. Isso já está acontecendo, a questão é a velocidade do movimento.
Falando de investidor, mas agora pessoa física, vimos, nos últimos meses, muitos investindo na bolsa. Esses investidores estão preparados?
O que eu diria é que, em tese, não estão preparados porque nunca investiram e essa concentração em renda fixa sugere isso. Porém, precisamos admitir que o investidor pessoa física deu um show em todo mundo. De março para cá, foi goleada, pessoa física ganhou de dez a zero. Deu goleada nos gringos, em todo mundo. O fato de o mercado ter subido ajuda porque, se o cara é punido por muito tempo, ele fica traumatizado e não quer voltar. Não tenha dúvida que o processo de educação financeira é um processo de longo prazo.
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