Brasília - De ponta a cabeça. Em mais 10 dias, a comissão especial da Câmara - responsável por criar um marco regulatório para o uso da Inteligência Artificial - deve começar a refazer o trabalho de senadores, alterando o texto inicial aprovado em dezembro de 2024.
A principal mudança estará na regulação por setores, ao contrário do estabelecido no Senado, que criou ampla normatização. A ideia da presidente da comissão especial, Luísa Canziani (PSD-PR), é convocar várias audiências públicas com as indústrias.
Com as mudanças, empresários devem pressionar por modelo regulatório diversificado para ampliar o papel de agências setoriais. A expectativa é a diminuição do papel da Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD) na regulação de todos os setores. Em entrevista ao NeoFeed, Canziani disse que a intenção é buscar algo prático nos debates da comissão.
“Queremos trazer a academia, claro, mas também o comércio, os serviços, o agro, as startups, o pessoal da educação, da saúde, quem está na ponta”, diz Canziani, que prepara uma maratona de 40 a 60 sessões legislativas. “Tanto na indústria como no agro temos exemplos de inteligência artificial para aumento de produtividade a partir da precisão na seleção de sementes e produtos.”
A indústria saiu frustrada da primeira rodada de votações do PL 2.338/2023 no Senado. “Ninguém é contra a regulação, tem questões éticas, de sustentabilidade, mas há uma série de ressalvas a serem feitas para um ambiente de negócio equilibrado”, afirma Christina Aires, advogada e especialista da Confederação Nacional da Indústria (CNI).
De acordo com ela, não dá para colocar toda a regulação num bolo. “É preciso uma regulação por órgãos diferentes. Mesmo os setores não regulados hoje devem ser regulados pelos setores com mais afinidade ou têm mais competência técnica”, diz Aires.
Não se trata, na visão de Aires, apenas de um problema jurídico, mas que tem um impacto real no mundo dos negócios. “Inúmeras aplicações de inteligência artificial não apresentam correlação alguma com pessoas naturais ou trazem riscos.”
Aires cita um exemplo prático. “O mesmo escopo de construção de algoritmo de IA que faz reconhecimento facial (com vieses que podem levar a erros) também é utilizado para reconhecer defeitos de peças dentro da linha de montagem industrial, que pode tornar a produção mais precisa e segura.”
Direito autoral
A CNI, num estudo produzido no ano passado, enumerou riscos: fuga de investimentos pela ampla regulação, isolamento tecnológico por exigências burocráticas, perda de competitividade, excesso de judicialização, insegurança jurídica e perda de oportunidades associadas.
“De alguma maneira, agências setoriais já fazem regulações específicas, como no caso bancos (BC), aviação (ANAC), remédios (Anvisa), educação (Conselho Nacional), telecomunicações (Anatel), por exemplo. Isso é muito mais efetivo”, diz Aires.
Além da questão da regulação setorial, o debate a ser travado na Câmara envolve também o direito autoral. O conceito restritivo a obras brasileiras acabou prevalecendo no Senado, o que gera riscos à própria soberania no uso da IA pelo cidadão brasileiro, que poderá ficar refém de referências externas na falta de informações nacionais.